Numa carta aberta, subscrita em particular por proeminentes académicos entre os quais Thomas Piketty, são solicitadas mudanças no processo de nomeação da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE).
A Comissão Executiva do BCE, constituída por seis membros incluindo o presidente e o vice-presidente do BCE, tem de facto imenso poder. A Comissão Executiva integra o Conselho de Governo do BCE, dispondo cada um dos seus membros de um voto neste Conselho. Os 19 governadores dos Bancos Centrais Nacionais da zona euro, que fazem parte do mesmo Conselho, possuem um total de 15 votos, atribuídos de forma “rotativa”.
O Conselho de Governo do BCE é o órgão colegial responsável pelas decisões de política monetária e de política não monetária, nomeadamente as decisões relacionadas com a supervisão bancária, incluindo a aprovação de pedidos/recomendações de resolução de bancos à autoridade única de resolução. Reúne-se periodicamente, de 6 em 6 semanas, para questões de política monetária e todas as 3-4 semanas para questões de política não monetária, a que acrescem reuniões trimestrais.
Decorre desta arquitectura que a Comissão Executiva do BCE e, em particular o seu Presidente, definem em larga medida a agenda e as propostas de política monetária que são discutidas pelo Conselho do Governo do BCE. Acresce que o seu voto conjunto tem um elevado peso no sentido da votação final do Conselho de Governo do CE, além de exercer uma magistratura de influência sobre os restantes membros do Conselho de Governo do BCE, o que é compreensível.
Na carta aberta acima referida argumenta-se que o BCE é hoje um banco central muito diferente do que era antes da crise de 2008-2009, sendo um dos principais, senão o principal, centro de poder executivo na Zona Euro no que respeita a: política monetária; política orçamental e suas regras; acesso de países à liquidez do Eurosistema (e.g., Grécia); resgates aos países membros; sistema bancário em geral; e a bancos em concreto sobre os quais detém, mesmo, poder de “vida ou de morte”.
Atendendo a que, nos próximos dois anos, quatro dos seis membros da Comissão Executiva chegarão ao fim do seu mandato e serão substituídos incluindo o presidente Mario Draghi e o vice-presidente Vítor Constâncio, os subscritores da carta aberta defendem que não é aceitável que a nomeação dos membros da Comissão Executiva continue a ser feita nos bastidores, essencialmente em negociações no seio do Eurogrupo, embora a nomeação dos membros da Comissão Executiva do BCE seja formalmente competência do Conselho Europeu, ou seja, dos chefes de Estado e de Governo dos países membros da zona euro. Os subscritores da carta aberta defendem que, dado o poder do BCE, o processo de nomeação dos membros da sua Comissão Executiva deveria ser mais transparente e democrático, envolvendo mais a sociedade civil, os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu. Os ministros das finanças da Zona Euro que, na prática, escolhem o futuro presidente do BCE, deveriam indicar publicamente quais os candidatos que apoiam e os fundamentos para essa escolha.
A carta aberta é pertinente porque, num momento em que se fala de reforma da Zona Euro:
– Lembra aos decisores e ao público em geral que existem temas muito mais importantes do que os constantes das principais propostas de reforma da zona euro, actualmente em discussão;
– E, lembra ainda que o futuro da Zona Euro passa muito mais por saber quem serão os sucessores de Mario Draghi, Vitor Constâncio, Peter Praet e Benoît Cœuré na Comissão Executiva do que, por exemplo, as décimas de PIB que se discutem para o orçamento comunitário após a saída do Reino Unido, o novo cargo de ministro das finanças europeu, a criação do Fundo Monetário Europeu, ou ainda o aprofundamento da União Bancária.
Isto ocorre, afigura-se, não só porque o BCE concentra demasiados poderes sobre a banca e sobre os Estados Membros, mas também porque, desde 2012, adoptou uma política monetária não convencional “agressiva” para salvar o euro – o programa de expansão quantitativa –, que contribuiu decisivamente para a redução das taxas de juro da dívida soberana de todos os países membros, em particular dos países ditos periféricos, bem como para o crescimento económico consecutivo dos últimos 18 trimestres da Zona Euro.
A forma como for desenhada e implementada a saída do programa de expansão quantitativa do BCE poderá, ou não, reverter aquilo que foi conseguido desde 2012 – estabilizar a zona euro, salvando-a da implosão. Por isso, é fundamental para a economia da Zona Euro escolher com cuidado, ponderação e suficiente escrutínio público os novos membros da Comissão Executiva do BCE e, em particular, o novo Presidente do BCE.
Parece oportuno dizer que a vida muda, mas, em certos momentos, muda mais depressa. É o que parece. O figurino deste post, com todo o respeito, tem por base um mundo aquietado, porventura indiferente ao que fervilha por toda a parte. E a actividade do BCE transforma-se como se explica mais adiante, a vida transformará o BCE. Vejamos:
– Tese, antítese, síntese. Existe uma teoria dominante(a tese que domina); surge a mudança em forma de nova tese, a antítese. É formulada a nova tese, a nova síntese. Em Auschwitz, num canto do Sul da Polónia, existem memoriais do passado, mas actividades económicas que empregam milhares e milhares são a nova realidade. Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, como disse o químico Lavoisier. A Gulbenkian, propositadamente, tem uma colecção de ensaios intitulada precisamente “Tudo se transforma”, uma das quais sobre o PIB, que regista e contabiliza o resultado da actividade humana, como também abaixo se descreve;
– Novas formas de organização empresarial, gerando contestação por parte das empresas tradicionais – vide Uber. Um artigo recente de Jean-Pierre Bouchez dá nota que a forma-Uber remonta aos fins do século XVIII, ao tempo do início da primeira revolução industrial, ou seja, na fase da proto-industrialização, patente em Inglaterra. A Uber, uma plataforma digital de intermediação, rejeita até o epíteto de empresa, antes avançando na hipótese de associação espontânea(vide polémica jurídica) – um centro-pivot dirige o negócio, ideal para sobreviver num mercado mercado flutuante e conjuntural, com recurso a mão-de-obra flexível e dócil, dispersa geograficamente e sem laços de solidariedade em caso de conflito, assemelhando-se este processo à proletarização do campesinato como teorizaram Stephen Marglin e André Gorz. O trabalho prestado e estendido no tempo como se o servidor-trabalhador da Uber fosse um proletário-operário.O Modo de Produção Capitalista estuda e ensaia novas formas de cobrir o terreno;
– A ciência dos dados tudo irá transformar. Vamos ter inflação ao dia, variações do PIB à semana e o mais que se verá. Por analogia com o mercado de opções financeiras, nomeadamente as de compra, a teoria respectiva começou por basear-se no sistema discreto binomial e com o modelo de Black-Scholes passou para contínuo, instantâneo, ou seja, os preços dos activos variam em cada instante. A ciência dos dados vai-nos aproximar do conhecimento rápido e célere das situações, mas iremos por fases graduais. O PIB, como de resto já é feito no Canadá, passará a ser avaliado mensalmente – a periodicidade actual, trimestral, é obsoleta em termos informativos; a inflação medida semanalmente; a gestão financeira com maior grau de acuidade. Os melhoramentos na ciência estatística surgirão; as séries temporais aparecerão diferentes, para todos os gostos, a econometria terá um reinício…;
– A própria noção de PIB tem de mudar. A ideia de PIB é, hoje, obsoleta. A medição ganhará um novo fôlego, as crises serão melhor geridas e a sua previsão melhorada. Custa a perceber que os economistas privilegiem o PIB como indicador quando o mesmo
tem falhas de concepção( não leva em consideração o trabalho doméstico executado maioritariamente por mulheres, o que, a ser considerado, reflectiria de facto a situação e constituiria factor de crescimento deste indicador; não leva em consideração a destruição de valor, factor minorante; não considera o capital humano, gerado pela formação e educação obtidas, factor de acrescento). É uma prioridade para a Ciência Económica;
– Entretanto, pasme-se, o sindicato alemão do sector metalúrgico, após negociações com o patronato, obteve 4,3% para os seus milhões de filiados e os sindicatos dos serviços reclamam aumentos entre 6% e 11%…Para o BCE uma preocupação: a espiral inflacionista, quando tem por objectivo de actuação o aumento dos preços à volta de 2%. E algo se passa no Reino da Alemanha…Governo dependurado desde Setembro passado, muita contestação à mega-coligação CDU-SPD, Merkel em rota de saída…;
– A questão demográfica já está a atingir a UE de forma gradual: a penúria de mão-de-obra é uma variável crescente.
A realidade é dinâmica. The times are changing.
“Au-delà du PIB?”, de Marc Fleurbacy e Didier Blanchet”, Ed,Gulbenkian, Col. “Tout se Transforme…”, a partir de uma conferência promovida pelos autores em 2013.