Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

24 de Janeiro de 2018, 17:06

Por

Ouro: Uma relíquia do passado?

Certamente. Mas fará sentido que Portugal, um dos países com as maiores reservas de ouro do mundo (13ª posição), aliene as suas reservas de ouro?

Existem várias razões para manter as reservas de ouro.

Note-se, em primeiro lugar, que o sistema de moeda fiduciária sem convertibilidade, baseado no dólar, é relativamente recente: ocorre com a decisão do presidente Nixon de abandonar esse padrão em 1971, há “apenas” quase 47 anos. Não que se advogue o regresso ao padrão ouro, mas o período desde 1971 foi caracterizado por um crescimento muito significativo do sistema financeiro e do endividamento global das economias desenvolvidas. Afigura-se ainda que o sistema financeiro internacional baseado no dólar está sob tensão significativa. O Institute of International Finance estima que a dívida global (privada e pública) representa 327% do PIB, com o crescimento muito rápido da dívida sobretudo nos países emergentes, em particular, na China, onde se estima que ascenda presentemente a 304% do PIB, quando há um ano atrás seria de 250% do PIB.

Por outro lado, a situação macroeconómica dos EUA não é famosa. A sua dívida total representava 334% do PIB em 2016  com uma dívida externa elevada, elevados défices da balança comercial e da balança corrente e uma dívida pública também elevada.

Afigura-se que o sistema financeiro está num processo de transição do dólar para outra moeda, que não se sabe bem qual será. A tensão e incerteza geopolítica que acompanha este processo leva várias potências como a China e a Rússia, mas também em menor grau a Alemanha, a acumular reservas de ouro e outros activos reais, i.e., a procurar reduzir os seus activos denominados em dólares, que colocam essas potências na dependência dos EUA.

O euro poderia ser um porto seguro neste processo, mas não é. A instabilidade política que se vive dentro da zona euro, com a adopção de políticas económicas que favorecem uns países (sobretudo credores) em prejuízo de outros e diversos jogos internos contraproducentes de soma nula, fragiliza o euro e poderá mesmo levar, a prazo, à desintegração da zona euro.

Aliás, é possível que no contexto das actuais reformas da zona euro venha a ser exigido que os bancos centrais nacionais só possam aceder a liquidez adicional, via o sistema de compensações entre bancos centrais nacionais (o TARGET2), se oferecerem como colateral dívida de países credores ou as reservas de ouro do próprio país.  Se tal sistema vier a ser imposto, não somente Portugal, Itália e provavelmente França ficariam sem as suas reservas de ouro, como também ver-se-iam posteriormente forçados a sair do euro. Afigura-se, por isso, que Portugal deve negociar com países como Itália e França de forma a vetar essas eventuais propostas de alteração das regras do TARGET2.

Se, nas próximas décadas, ocorrer uma transição do sistema financeiro internacional e do sistema de comércio internacional do dólar para outra moeda, afigura-se que essa transição se fará com o recurso indirecto ao ouro como instrumento de reservas internacionais.

Ou seja, do ponto de vista estratégico, é importante manter as reservas de ouro de que o país dispõe.

Afigura-se que somente poderia fazer sentido alienar essas reservas de ouro se estas se apreciassem de tal forma – valerão no momento cerca de 13 mil milhões de euros – que permitissem amortizar uma parte significativa da dívida externa (407 mil milhões de euros no 3º trimestre de 2017) e pública (cerca de 243 mil milhões de euros em Novembro de 2017) do país. Mas, tal cenário de apreciação do ouro não parece provável … pelo menos para já.

 

 

Comentários

  1. A China é vista, nos círculos de decisão, como praticando actos de nítido retrocesso civilizacional, com práticas de ditadura. É esta a forma como é visto o desempenho de Xi Jumping na reinvenção da China. E o último Congresso do PCC é definido como acção de propaganda e cortina de fumo para o exterior. E a questão da confiança é primordial no mercado das moedas dos diferentes países. O dólar tem servido de moeda-conversão das restantes(o dólar como moeda de conversão global). Mas a confiança foi perdida no fim dos anos 60 – os EUA imprimiam moeda a todo o vapor para o financiamento da Guerra do Vietnam. Os países restantes países foram perdendo a confiança no dólar e Nixon, em sentido de recuperação, proclamou em 1971 o fim dos acordos de Bretton-Woods de 1944. E o dólar tem continuado como moeda-charneira.

    A China tem vindo a passar a mensagem do fim do autoritarismo. Mas a repressão dos cidadãos é cada vez mais apertada e draconiana: execuções capitais, omnipresença do terror e uso crescente da violência física e psicológica, com leis dificultando práticas pessoais(vide religião). Não há forma, portanto, de este cenário ser credível nos meios ocidentais com suficiente grau inspirador de confiança, embora as economias ocidentais estejam em declínio relativo(a Índia ultrapassará em breve a França no ranking, tal como a China se aproxima a passos largos dos EUA). A confiança das restantes economias não descola. E nem o expansionismo chinês ajudará.

    Nos EUA estão em questão os “Trumpeconomics”. Apesar do crescimento da Bolsa, com a Wall Street a bater records, afirma-se que tal cenário é ilusório, pois é simplesmente uma antecipação da desregulação prometida por Trump. Um ponto em particular: não tem nenhum vestígio de lógica nomear um jurista para o topo da FED, em momento tão conturbado económico-financeiro, quando se sabe ter sido o profundo conhecimento, por parte de Bernarke, então à frente da FED, dos contornos da crise de 1929, que contribuiu de forma decisiva para os EUA resolverem de forma razoavelmente rápida, ao contrário da UE, os efeitos da crise de 2008, que um emprego especial e difícil, ao contrário, em tão elevado grau, dos empregos da classe política, é um lugar, o de banqueiro-chefe central especialmente na FED gestora do dólar-moeda, em que o Know-How é da máxima importância e não tanto a habilidade política. Mais uma decisão polémica de Trump, de contornos quase inéditos na História dos EUA, a segunda vez segundo os registos – um não-profissional das matérias financeiras, sem de tarimba e conhecimento profundo neste campo, na chefia da FED. E a reforma fiscal de Trump não resolve os problemas reais: baixa produtividade, baixa taxa de inovação geral apesar das excepções da Silycon Valley, estagnação salarial. As “Trumpeconomics” não têm trazido e não trarão justiça aos deserdados da globalização, que tanto progresso, crescimento e enriquecimento tem proporcionado aos 1%, mas mais pronunciadamente às classes dominantes da Índia e China, onde as assimetrias sociais e económicas crescem exponencialmente. Ficará para análise futura as consequências e implicações dos propósitos proteccionistas de Trump. Como se já não bastasse a débâcle americana de 1985-2015, no plano da desigualdade social e económica, comprovada estatisticamente por estudos recentes. E, atenção, acumulam-se sinais de uma nova tempestade financeira. Será muito útil, nesta altura, rever a cronologia da crise de 2008 e perguntar: ” Onde é que já ouvi e li isto?”.

    O cenário mais provável é a estagnação do lastro das moedas ainda ligado ao dólar para os tempos a curto/médio prazo.

    1. Os alemães quiseram comprar o ouro do Banco de Portugal aquando da crise de 2011. E também estavam com os mesmos intentos para a Grécia e, se necessário, para a Espanha. A iniciativa partiu do parlamento alemão, de dois deputados(um da CDU outro do SPD, do centrão alemão). Claro, a iniciativa provocou sorrisos, condenada que estava pelos regulamentos da UE e pela própria associação profissional dos bancos centrais europeus. Mas dá a medida do “empreendedorismo” ganancioso de Berlim. Que enfileira ao lado da proposta de compra de ilhas gregas para pagar a dívida . Ou da proposta que Schäuble colocou, em tom de sátira, como possível de fazer “aos colegas americanos” de trocar a Grécia por Porto Rico. Humor à alemã.

      O autor do post pronunciou-se em 2011 contrário à venda do ouro do Banco de Portugal, invocando os argumentos acima. De qualquer forma, o ouro português é do Banco de Portugal e não do Governo. Foi resultado não do engenho de Salazar ao tempo do Estado Novo mas de decisões de gestão dos responsáveis do Banco de Portugal.

    2. No prefácio da edição portuguesa de “Currency Wars – The Making of The Next Global Crisis”, tradução de Rita Canas Mendes, “A Guerra das Moedas”(2014), José Gomes Ferreira, jornalista da SIC, diz que, ao tempo de Constâncio como Governador do Banco Portugal(1985-1986 e 2000-2010), foram vendidas cerca de 200 toneladas de ouro. Por motivos pessoais que não vêm a propósito, tive necessidade de recolher a assinatura de Constâncio num documento,em 1999, era então este administrador do BPI. Para tanto dirigi-me às instalações da Administração do citado BPI, perto da Praça do Município, em Lisboa.Mais tarde, após sair do Banco de Portugal em 2010, Constâncio rumou a Frankfurt para a vice-presidência do BCE. Reflictamos: ficam admirados com os erros de controlo e ausência da regulação bancária depois de analisarem as sinuosidades deste percurso profissional? Certamente haverá outros percursos semelhantes por essa fora. Eis alguns: Draghi foi do Goldman Sachs para o BCE…Barroso saiu da Presidência da Comissão Europeia para a Goldman Sachs…Estou atento para onde Passos Coelho, aos 53 anos, vai tratar da vida, como referiu… Admiram-se com a crise de 2008? Admiram-se com a disseminação da desigualdade? Admiram-se com muitas aspectos mirabolantes da realidade envolvente?

      Mais diz Gomes Ferreira, no citado prefácio, que Bernanke, à frente da FED, teve actuação discutível na crise de 2008, considerando acertada a actuação da UE ao tempo. De qualquer forma, estamos para ver, quando surgir a hiperinflação na próxima crise.Claro as dívidas, pela inflação alta, vão esvaziar-se e, diz ele, tudo ficará arrasado. Vale a pena ler o livro – e também o prefácio. Com todo o respeito por Gomes Ferreira, saberá ele como é difícil colocar em causa, por ele simples jornalista pretensamente “especializado” em Economia, a actuação do chefe da FED, um doutorado pelo MIT, de ampla tarimba na profissão financeira? Como foi criada esta visão de Gomes Ferreira à distância? Com a verdade que é possível ter como jornalista da SIC, com a agravante de Ferreira não ter sequer formação académica de base em economia? A que servem estes prefácios muito frequentes na literatura técnica em Portugal? Este prefácio foi elaborado em 2014, período da vigência do Governo Passos-Portas em 2011-2015. Uma picardia entre partidos do centrão, CDS/PSD versus PS?

  2. Pingback: Moeda | eppicuro
  3. Será sempre uma estupidez alienar as reservas de ouro. Como foi uma leviandade criminosa, própria de energúmenos sem qualquer respeito pelas gerações futuras, terem vendido o que venderam nos anos 70-80. O ouro é para estar quieto e fechado nos cofres do Tesouro Nacional — e BEM GUARDADO dado o seu altíssimo valor simbólico.

    *
    O que os portugueses têm de vender é produção. Produção, mais valias, valor acrescentado, inovação, qualidade, criatividade, génio e genuinidade.

    1. Caro Silva, energúmeno, decorre do grego ergon (trabalho), e quer dizer trabalhador. Do latim obtemos o termo labrego, de labor (trabalho), com o mesmo significado.

      Portanto energúmenos, labregos e trabalhadores são todos uma só espécie: a do imbecil servo que obriga todos a obedecer à moeda do seu dono.

      A moeda funciona não porque é relativa ao ouro ou outra coisa qualquer, mas apenas porque existem energúmenos que obedecem a ela. Como a moeda fiduciária demonstra, a base de uma moeda não é um valor, mas sim uma obediência de uma plebe.

      Hoje, sem trabalhadores não há moeda. Uma vez que sem imbecis a obedecerem à moeda fiduciária, não resta absolutamente nada dessas senhas, que não têm outro fundamento que não seja a obediência gratuita e cega da plebe. É essa obediência cega e gratuita da plebe, que permite que os “economistas” inventem a existência das tais dívidas 300% do PIB devidas pelo ar de que é feito as moedas fiduciárias.

      Portanto se os energúmenos venderam o ouro, não há mal nenhum nisso, porque eles próprios submetem-se a qualquer imbecil que lhes diga que o valor agora é… o ar de que é feito a moeda fiduciária.

      Não é caro Cabral? E que nunca os energúmenos deixem de ser cegos servis gratuitos, porque dessa imbecilidade depende a tal “economia”.

      E ainda menos tenham capacidade de perguntar como é possível haver uma dívida do que não existe, nem nunca existiu. Porque a burla feirante, pura e simples, é aquilo que a medieval universidade chama agora de “economia”.

      Ainda bem que a universidade não é um centro de mentiras descaradas. Não é caro Cabral?

    2. De 2002 a 2006 foram alienadas mais umas misteriosas 200 ton – cerca de 20% das reservas – pela mão daquele patarata do BdP… ao desbarato, sem qualquer espécie de justificação, ninguém soube para quê nem para onde, para simples e propositadamente enfraquecer a capacidade nacional… ao mesmo tempo que banca nacional era rapinada e destruída mesmo debaixo do nariz dele… Ninguém investigou isto.

      Aquele abraço, caro Epicuro – aprecio a sua visão etimológica das coisas e do tempo dos gregos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Tópicos

Pesquisa

Arquivo