Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

22 de Dezembro de 2017, 11:07

Por

Em tempo de guerra, não se limpam as armas?

Os factos são muito teimosos. As eleições na Catalunha deram uma maioria confortável aos partidos cujos dirigentes estão presos ou fora do país, mesmo depois de uma vaga repressiva com a convocação de milhares de guardas civis para impedirem um referendo, a dissolução das autoridades eleitas, a prisão de responsáveis de associações e de governantes e a proibição de, sendo candidatos, participarem na campanha eleitoral. Esse resultado é impressionante e demonstra que o desafio catalão beneficiou de Rajoy.

Esperava Rajoy, que passou a campanha na Catalunha, que o medo destroçasse os independentistas e que o aumento de votação, para uns espantosos 82%, levantasse as cores espanholistas. O resultado não é só um desastre para o seu PP (de 19 deputados em 2012 para 3), mas para os partidos unionistas, que ficam só com 57 deputados contra os 70 independentistas. Arrimadas, coqueluche da nova direita, clama que os seus 25% demonstram que tem a maioria, mas o entusiasmo não substitui a realidade. O facto teimoso é que, mesmo que os deputados presos e exilados não sejam autorizados a vir votar ao parlamento, e mesmo que a CUP não chegue a acordo com os partidos independentistas de centro e de direita, Puidgemont pode ainda assim ser eleito presidente do governo. O efeito Rajoy foi este: para ocultar a crise judicial do seu partido, acusado de corrupção, desencadeou uma tempestade cujo resultado foi reafirmar o independentismo catalão, que estava mal preparado, sem estratégia e sem plano, mas que passou a mobilizar o sentimento da revolta democrática. Além disso, conseguiu fazer crescer a solução republicana contra os partidos monárquicos.

Não é esse imbróglio, no entanto, o tema desta crónica. O que venho discutir é o princípio de que, em guerra, não se limpam as armas e, em particular, qual foi o papel da imprensa nesta guerriúncula. Veja o seguinte exemplo: o editorial do El Pais, um dos mais importantes jornais de Espanha, perante os resultados de ontem, afirma que “O PS, estável, e os Comunes (Podemos) muito em baixa, pagam o preço dos seus moderantismos e ambiguidades. E o PP de Rajoy recolhe o pior resultado: algo que sem dúvida terá consequências na política nacional”. Os leitores notarão a contradição: esta análise afirma que dois partidos caem porque eram ambíguos e o outro cai ainda mais, mas não era ambíguo. Vale tudo e o seu contrário.

Mas o mais importante é o que foi dizendo o próprio El Pais ao longo desta crise, porque nunca foi ambíguo. O jornal decidiu tomar a mesma atitude que a imprensa tomou em cada país durante a segunda guerra mundial: só interestitulossa a propaganda militar. Ou, já agora, durante a guerra civil espanhola: estar num campo é fazer a apologia dos seus chefes. O El Pais, como outra imprensa espanhola, tornou-se uma arma de guerra, com editoriais inflamados, apoio aos juízes que determinavam a prisão e suspeitas sobre os que hesitavam, pressão sobre o PSOE, cronistas desexpressoembestados como Vargas Llosa, defesa do discurso do rei, promoção das campanhas de Rajoy e de Arrimadas. Correu mal.

Mas o problema de fundo é a própria concepção da função da imprensa. E a questão é também portuguesa, na escala da escaramuçazinha. Lembre-se de que, quando o parlamento terminou os duodécimos que substituíam o subsídio de Natal, os títulos foram “Salário desce em janeiro” e “fim dos duodécimos encolhe salários até 90 euros”, quando o salário total pago é exactamente o mesmo. Imprensa de guerrilha. Ou a capa do Expresso na semana em que a Fitch retirou Portugal do “lixo”: “Metade das casas (em Pedrógão) está por construir” (a boa notícia é que metade já está pronta?). Imprensa de guerrilha. Só pode correr mal.

Comentários

  1. O Homem foi desde sempre gregário, nómada, mas gregário, conflituoso, mas gregário. Assim se espalhou por toda a parte até descobrir o sedentarismo.

    Trabalhando para comer com uma mão e guerreando com a outra em defesa do seu alimento. No centro das suas lutas de morte está sempre a sobrevivência.

    Aprendeu a fazer alianças, a ganhar e perder, a trair e ser traído a festejar vitórias e chorar derrotas, aprendeu a dialogar, a estabelecer estratégias de defesa do grupo, a combater intrusos. Assim, de sangue, suor e lágrimas, se formaram povos se construíram identidades, desenvolveram formas de expressão, línguas, culturas, religiões, assim se disputaram terras, se fizeram fronteiras, se fixaram territórios onde se instalaram nações. Essas instituições supremas criaram os seus Estados a quem atribuíram a função de defender o território dos intrusos, manter a ordem interna e fazer a justiça.

    Assim o Homem comum ficou com as duas mãos disponíveis para trabalhar para si e alimentar os seus Estados para manterem os seus homens com as duas mãos armadas a repelir intrusos, reprimir desordeiros internos, identificar e punir o crime.

    Nem todos os povos alcançaram fixar fronteiras, gerar nações e criar Estados. Temos povos sem território, nações sem Estado, nações com vários Estados, Estados sem nação, Estados com várias nações e nações com o seu Estado.

    O Homem que com uma mão trabalhava e com a outra guerreava o intruso não é muito diferente do Homem padrão que somos nós.

    A fortaleza do Homem é a sua nação que tem atrás tantas guerras sangrentas, tantas comunhões de dor e alegria, tantos dar de mãos, tantas sinergias.
    É lá que se refugia quando é atacado.

    A UE não tem nenhuma riqueza humana que se possa comparar à grandeza do aconchego da nação. A Pátria. A UE é uma construção interesseira de tiranetes em alianças estratégicas de circunstância.

    Poderia ter evoluído para a nação de adoção de todas as nações europeias se tivesse sabido estender as mãos com a humildade de quem acaba de nascer e procura o leite materno de olhos fechados. Mas eles eram os tais tiranetes das alianças estratégicas e circunstanciais, não tinham a candura sublime da criança que nasce. Cedo mostraram as garras com que queriam aprisionar as nações e os homens e mulheres erguem-se em defesa do seu passado que fizeram com sangue suor e lágrimas.

    Uma democracia que contemple as nações e tudo o que está por trás delas e que o Homem de uma mão trabalhadora e outra guerreira que é o nosso homem comum terá de ser séria, abrangente, pluralista para ser integradora.

    O que fez a UE da democracia pluralista? Uniu as nações e a sua alma? Não! A UE construiu um “braço armado” o BCE que fechou os bancos gregos, paralisou a economia grega, fez um golpe de estado, derrubou a democracia e exigiu a rendição humilhando a nação grega.

    A UE disse ao que vinha. Tomar conta do produto do trabalho das nações. Pilhar as suas riquezas, os seus negócios, meios de produção e mercados. Essa UE ergue muros entre irmãos, não trata das boas relações de vizinhança antes semeia a guerra em seu redor e recusa o bom acolhimento aos Homens que fogem à morte dessas guerras. Querem começar de novo? Deponham armas, fechem o BCE e voltem de mãos abertas livres e limpas! É isto que se aplica ao Reino Espanhol que mantém subjugada cinco nações da península ibérica. O povo é a nação catalã está viva como mostrou apesar das circunstâncias adversas e subalternos em que participou na farsa plebicitária do passado dia 21 de Dezembro.

  2. Não podemos ficar satisfeitos por metade das casas estar construída. Não nos podemos esquecer que há um número importante de pessoas que continuam sem tecto. E muitos de nós já não pensam nos incêndios há várias semanas. Mas aquelas pessoas continuam t-o-d-o-s os dias sem casa.

  3. “O estilo matarruano” é de 2015, quando o cidadão Louçã estava bem vivo. Agora, com a coligação Geringonça, o tom tornou-se menos alegre e incisivo porque julga, em minha opinião, erradamente que este é o melhor dos mundos.

    Esta fase, como já deve ter concluído, é um intermezzo. Entretanto, falando em investigação. Estou a ler o seu livro, em co-autoria, sobre o “Shadow Banking” e estou a gostar. Como é usual em todos os livros do cidadão Louçã.

    Acredita sinceramente em todo este movimento “independentista”? Quem estará por detrás disto? Há quem afirme que existem interesses. A História, a tradição é um grande alibi. Olhe a Córsega e as duas regiões italianas e a cisão na Bélgica, a Escócia. O que virá mais?Os nacionalismos, nesta época tão digital e tão globalizada não devem merecer as nossas preocupações. Que ideia absurda…Até ando a reler as sebentas da Teoria do Estado para tentar entender isto. Isto percebe-se melhor assim.

    As preocupações e as energias de Piketty estão canalizadas para outros campos. Um estudo, em co-autoria de diversos economistas, de grande amplitude sobre as desigualdades, por regiões mundiais, foi publicitado este mês. Depois de “O Capital no Século XXI”, de 2013, que vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares, temos agora, do World Wealth and Income Data(Wid.world), uma magnífica análise, com incursões nas propriedades pública e pública. Nada escapa à ganância:os Estados, outrora opulentos, estão na penúria. Os suspeitos do costume: Reagan e Thatcher no começo da desgraça na revitalização do liberalismo.. Muito revelador. A América é, neste momento, um barril de pólvora, os dados são tremendos, corre o risco de desarticulação social. E o problema, embora agravado no tempo de Trump, já vem de longe, por este estudo abarcar os últimos 30 anos. Cumplicidade e inércia para os Clinton, Obama e outros. O Partido Democrata, com tantas simpatias entre nós, à desgarrada com os Republicanos, minaram o sonho americano. O estudo é esclarecedor.

    Voltando à geringonça:com este PS não é possível fazer nada. Como se vê, os casos sucedem-se e não é possível fazer nada. O PS francês, por exemplo,vive uma crise grande – com a débâcle eleitoral os subsídios públicos quase desapareceram – colocou à venda o seu edifício-sede em Paris. Em Jarnac, na sua tumba, Mitterrrand deve estar furioso…Paralelamente, o que vai suceder a este PS de Portugal tão minado pela corrupção? Como já disse Ana Gomes é preciso que o PS interiorize o caso Sócrates para reviver. Sem isso nada feito. E sem isso a geringonça não tem futuro mas causará perdas a prazo à esquerda(BE e PCP).

    Votos de Boas Festas.

    1. Obrigado por me ter avisado de que já não estou “bem vivo”. Não tinha notado. Mas é bom saber, fica no capítulo das simpatias natalícias.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Tópicos

Pesquisa

Arquivo