Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

15 de Dezembro de 2017, 13:13

Por

O que começa mal, acaba pior?

1 . O caso da Raríssimas é um exemplo de como o que começa mal acaba pior. Mas, no meio da pândega de coluna social em que isto se tornou, convém distinguir no terceiro sector o que responde por cuidados necessários e o que é “guito” e BMW. Não é fácil fazê-lo, porque o caso se presta a todas as derivações: a indiferença exibida quanto às dificuldades das contas, contrastada com a pressa da cobrança das prebendas, só pode chocar; o pedido de indemnização demonstra uma presidente que não se enxerga; e o carácter fútil de tudo isto revela um estilo de vida. Mas há mais na devoção de muitas associações do que estas pitorescas deambulações.

No essencial, tem sido sublinhado que o Estado fraco é isso mesmo, o que não faz o que lhe compete e deixa ao mercado o cuidado de quem precisa. Sim, quando as fronteiras se tornam nebulosas entre a obrigação pública, particularmente na saúde, e a esfera do negócio, desvanecem-se as garantias para os utentes dos serviços. Veja os casos dos cuidados continuados, ou do tratamento de toxicodependentes, em que o défice do Estado permitiu um submundo de clínicas sucateiras, a par de raros serviços de qualidade. Mas as excepções existem e esse é o ponto: há cooperativas de profissionais ou outras formas de associação, na saúde ou na educação, que respondem a graves carências sociais. Esses são os que sentirão o colapso da direção da Rarissimas com mais amargura, porque vai poluir quem se ocupa dos outros.

Nada deste espanejar de roupa suja, no entanto, é novidade, leia a lista dos processos e das investigações em curso sobre entidades deste tipo. Há portanto um problema essencial, que é a permeabilidade de algumas destas instituições a um duplo facilitismo, o da busca de efeito mediático para recolha de fundos (“o guito há-de vir”) e o da familiaridade e proteção política. Note esta lista de deputados e ex-governantes, já para nem lembrar a realeza espanhola, que querem ficar na selfie de uma instituição badalada, e perguntemo-nos porque é que tantos ilustres queriam ser vices e directores e consultores desta instituição. A resposta é triste: a exibição da caridade tem sido uma segunda pele para muita ambição e carreira.

Por isso, reduzir o assunto a fiscalização deficiente é ficar à espera da próxima. É como o debate da corrupção: que confortável que é isentar as boas consciências com a teoria da maçã podre. Se, afinal, os comportamentos desviantes forem só a excepção malévola, o mergulho na devassidão moral que tenta tantos mas atrai poucos, então uma correcção moralista e punitiva do caso isolado permitiria elevar a sociedade. Só que, para restabelecer a confiança, é preciso muito mais, a começar por enterrar a cultura de beautiful people que promove ou garante a longevidade destas figuras pícaras

2 . Francisco Assis explode em indignação e defende a “honra do PS” contra Catarina Martins, que disse, de forma “particularmente difamatória”, que o PS é “permeável” a interesses económicos por ter violado o acordo estabelecido para uma taxa sobre as rendas na energia. A crítica de Catarina a esta rasteira parlamentar “violou regras fundamentais da própria convivência democrática”, acusa Assis.

Há pouco tempo, Assis foi o principal apoiante de um candidato a secretário-geral que se definia contra “o PS associado aos negócios e interesses” (AJ Seguro, Sábado, 31-07-2014), denunciando que “existe uma parte do PS mais associada aos interesses” (Expresso, 23-09-2014), e isto foi só o mais suave do que disseram então. A acusação não era sobre uma renda abusiva nem sobre a tal permeabilidade que conduz à violação de um acordo: era sobre pessoas e a outra lista no seu próprio PS, dados como “associados aos negócios e aos interesses”. Assis assentiu com o voto e apoiou com a voz.

A “honra” de Assis tem dias. É o que ele chama apropriadamente de “moral de sacristia”.

Comentários

  1. A minha experiência de vida em empresas e instituições privadas não me permite aceitar que o tipo de dirigente de topo que é Paula Brito Costa se distinga do estereótipo dos dirigentes de topo.
    A senhora veio de baixo! Dizem esperando que isso atenue a dimensão do pecado. Porém o que querem dizer é: ela não é dos nossos, não é de família, não se parece com ninguém. E, esperando que outros entendam a mensagem de maneira diversa, dizem: vejam que veio do nada e subiu a pulso. Grande exemplo!
    Vem-me à memória uma observação de um velho antifascista que de casos que tais fazia a pergunta retórica: quem é que ela(e) imita? Sim, quem emita? E, respondia de pronto sem hesitar, imita a burguesia!
    Aí está a explicação que bate certo com as minhas observações pessoais nas empresas e instituições privadas ao longo de décadas.
    Os dirigentes de topo fazem questão de se distinguirem por terem e exibirem direitos, teres e haveres acima e muito acima da plebe que os bajula. Tem de haver exceções seguramente. Sorte ou azar, nunca vi uma dessas honrosas exceções.
    Tenho, para mim, que a sociedade por sua iniciativa, vontade, querer, fará o que lhe faz falta com seus meios e recursos sem recurso ao Estado.
    O Estado tem obrigações de proteger o território da nação, proteger a ordem e segurança dos cidadãos, fazer e executar a Justiça impedindo justiça por mãos próprias. Para além dessas três funções base do Estado só em situações de colapso da sociedade se pode recorrer ao Estado para colmatar falhas e nesses casos os recursos mobilizados têm de ser monitorizados explicitamente por um poder eleito. Ao Estado o que é do Estado, à sociedade o que é da sociedade. Nada de misturas.

  2. Concordo. Aqui o problema é pontual mas revelador de uma certa cultura política e mentalidade de alguma dessa gente que se serve deste tipo de instituições para exclusivo proveito pessoal; nem me parece que a fulana – no panorama da tuga arrivista e nova-rica – seja assim tão raríssima.

  3. Não posso consigo concordar quando diz que “há excepções”. Casos como os da Raríssimas é que são excepções. Há uma infinidade de associações que promovem desporto, cultura, formação, tradições, apoio a necessitados, integração, auxílio e mais uma quantidade de coisas em que o Estado (leia-se governo de Lisboa) falha redondamente. E nessa infinidade de associações não há dirigentes a meter dinheiro ao bolso. Há muito muito trabalho voluntário por esse país fora, feito apenas por vontade de ajudar o próximo. E desses só fala, mal, quem nada faz.

    1. Corrupção não é só meter dinheiro ao bolso. Nem sequer é principalmente, a não ser para os ingénuos que vão com demasiada sede ao pote, meter dinheiro ao bolso. A corrupção que eu vejo por esse país fora – e falo das autarquias, que são o que está mais à vista – é a dança de cadeiras ao estilo “hoje estou na câmara, amanhã estou no clube desportivo, depois de amanhã estou numa empresa, a seguir estou numa associação de solidariedade social, depois volto a estar na câmara, depois estou no aparelho do partido, por vezes estou em vários desses lugares ao mesmo tempo, e conhecemo-nos todos uns aos outros e abrimos todos as portas uns aos outros.” A excepção é não ser assim; e só consegue ser honesto quem é capaz de delimitar territórios estanques.

    2. Caro Jose Ferreira, estou no associativismo (não é futebol!) há 30 anos e até agora só tive despesa pessoal, perda de tempo familiar e algumas dores de cabeça. Mas faço-o por achar que devemos dar um pouco de nós à sociedade. Chame-me burro se quiser: às vezes acho que o sou por trabalhar de graça para uma comunidade que nem sempre reconhece o esforço. Mas há quem precise de ajuda. Claro que era mais fácil estar na esplanada a dizer que os outros são corruptos. E dizer que não há iniciativas culturais na terrinha.

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