Danièle Nouy, a presidente do Mecanismo Único de Supervisão (MUS) do BCE, instituição europeia responsável pela supervisão dos maiores bancos da zona euro e da União Europeia, deu uma entrevista ao Público esta semana sobre vários questões que afectam a supervisão e a actividade da banca europeia, em particular, a questão do crédito malparado. É uma entrevista que nos deve fazer reflectir, dado o poder da instituição que representa.
O BCE submeteu a consulta pública uma nova proposta de “Orientações” sobre o crédito malparado da banca europeia, proposta que deveria entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2018, pouco depois do fim do prazo da consulta pública (8 de Dezembro de 2017).
Essa proposta de “Orientações” do BCE sobre o malparado recomendava que os bancos com níveis elevados de crédito malparado deveriam definir uma estratégia clara e detalhada para gerir e reduzir o stock de crédito malparado de forma “credível, realística e atempada”. A estratégia dos bancos deveria incluir um plano de implementação detalhado e a definição de objectivos quantitativos. Previa também a constituição de provisões “prudenciais” adicionais para o crédito malparado que, se estima, ascende a 800 mil milhões de euros na zona euro, particularmente nos países do sul que atravessaram uma crise mais profunda, como a Itália e Portugal. No nosso país, estima-se que o crédito malparado represente 40 mil milhões de euros.
Este é um problema muito importante para as economias da zona euro, pelo que não deveria ser à pressa que se “despacha” um assunto com tais implicações. Ou seja, se o BCE considera que a consulta pública é apenas uma formalidade, não levando em conta ou alterando as suas propostas em função dos comentários recebidos – como se depreende parecer ser o caso, pela entrevista a Danièle Nouy –, então mais valeria não fazer consulta pública.
A consulta pública desencadeou fortes reacções contra a proposta do BCE, nomeadamente, do próprio Banco de Itália, que é parte do Eurosistema (BCE e Bancos Centrais Nacionais), de bancos italianos e de eurodeputados italianos. Argumenta-se, em particular, que a proposta do BCE extravasa o seu mandato uma vez que como, aliás, é referido pelo próprio Vítor Constâncio, as provisões para o malparado são constituídas de acordo com normas contabilísticas internacionais e, por conseguinte, não cabe ao BCE definir o nível de provisões adequado para o malparado.
Por outro lado, essas vozes críticas de Itália argumentam, como já argumentei aqui, que a proposta do BCE prejudicaria os bancos e seria uma benesse para especuladores e fundos “private equity”, porque obrigaria os bancos a desfazer-se de um volume enorme de activos a preços que seriam uma fracção dos seus valores contabilísticos.
Pela entrevista de Danièle Nouy, nenhuma destas nuances e complexidades, que exigiriam uma resposta cuidada, são consideradas. O BCE aparenta simplesmente avançar em frente.
É certo que a proposta de “Orientações” do BCE recolhe apoios dentro do BCE, e certamente fora dele, que considerarão a proposta do BCE a melhor forma de “resolver” a situação do crédito malparado da banca europeia. Vítor Constâncio, por exemplo, fez várias intervenções públicas e escreveu um artigo de opinião no Jornal de Negócios, a defender a criação de “sociedades nacionais” (privadas), como apoios financeiros públicos, para adquirir crédito malparado da banca aqui já analisada, manifestando assim o seu apoio a soluções que ajudem a resolver rapidamente o problema do malparado da banca.
A atitude que trespassa pela entrevista não nos deve deixar tranquilos. A líder do MUS do BCE parece convencida que o MUS faz tudo bem, minimizando muitos pormenores importantes.
Não podemos esquecer que graças ao Mecanismo Único de Supervisão (e à DGComp) já não temos banca privada nacional e muitos portugueses se viram expropriados das suas poupanças.
Os casamentos à força em que a noiva, que não pode escolher o noivo, é oferecida de graça com dotes de milhares de milhões de euros pagos pelos contribuintes portugueses, um deles pessoalmente apadrinhado pela Sra. Danièle Nouy, num sábado pela manhã, são metamorfoseados pelas palavras da presidente do MUS, que os racionaliza como eventos perfeitamente aceitáveis e ordinários (“a única solução razoável”), fazendo tábua rasa de tanto erro, tanta desgraça alheia.
Uma liderança do MUS tão cheia de certezas e tão pouco atenta às consequências das suas decisões é de facto, no mínimo, preocupante!
A “única solução razoável” é cada vez mais evidente: acabar com a palhaçada do Euro.