Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

6 de Dezembro de 2017, 19:47

Por

A reforma da zona euro

Debate-se, em círculos europeus, “the way forward”, isto é, qual o caminho a seguir no processo de construção da Zona Euro.

As propostas em discussão, como já referido anteriormente, não são animadoras. Uma das mais consensuais, de entre elas, é o aprofundamento da União Bancária, nomeadamente com a criação de uma figura de emprestador de última instância para efeito da aplicação da medida de resolução e de uma garantia de depósitos europeia, que é incerto que avance.

Em relação a essa proposta, é de notar que a União Bancária se fez, infelizmente, por motivos e com objectivos incorrectos. Com efeito, os dois principais objetivos da União Bancária são políticos, não económicos. O primeiro objectivo é quebrar o nexo entre soberanos (aqui entendido como Governos e respectivo mercado de dívida pública) e banca doméstica, o que não faz sentido, como se argumenta adiante. O segundo objectivo é reduzir os desequilíbrios do sistema de pagamentos entre os bancos centrais nacionais da Zona Euro (o sistema de pagamentos TARGET2 do Eurosistema) que, na sequência do alerta de 2011 de Hans-Werner Sinn da Universidade de Munique, passou a estar nos radares dos políticos e decisores dos países credores.

Gráfico: Saldos credores e devedores de bancos centrais nacionais da Zona Euro

Target 2 balances
F: Euro Crisis Monitor

 

Mas neste debate sobre o aprofundamento da União Bancária, a razão económica tem, quando muito, quarta ou quinta prioridade, atrás da primeira prioridade – evitar transferências entre países ricos e países pobres.

Só faria sentido procurar quebrar o nexo entre banca (doméstica) e soberanos, se a primeira fosse a fonte determinante dos problemas nos segundos, ou vice-versa. E se é certo que tal possa ocorrer, não é essa a história da Zona Euro.

Com efeito, a deficiente arquitectura da Zona Euro resultou na acumulação de enormes desequilíbrios externos – os mais elevados em tempo de paz da História mundial –. Como banca e Estado são os dois principais agentes económicos a obter financiamento no exterior, foi precisamente na banca e nos soberanos dos países com défices externos acumulados – os ditos países periféricos da zona euro –, que se manifestaram os sintomas do problema. Ou seja, o nexo entre banca e soberano não é causal, é somente sintomático: os problemas nos dois sectores são explicados por outras causas mais profundas à arquitectura do euro.

A crise foi designada “crise das dívidas soberanas” porque o TARGET2 evitou o colapso da banca dos países periféricos, financiando-a quase automaticamente. Ou seja, somente as dificuldades de financiamento da dívida pública (i.e., do soberano) foram inicialmente visíveis. A banca recorreu a um enorme financiamento junto do Bundesbank e de outros bancos centrais de países do norte da Europa, financiamento esse canalizado via bancos centrais dos países periféricos (vide gráfico). A crise não foi uma crise de dívida soberana, foi uma crise do euro.

As causas da crise do euro são políticas. De destacar no contexto de uma União Monetária e Económica entre países com graus de desenvolvimento económico tão diferenciados, a proibição de transferências orçamentais entre países membros e um desenho da moeda única em que o BCE não é o emprestador de última instância de Estados, pelo que não é possível a nenhum estado membro garantir a irreversibilidade da conversão da sua moeda nacional ao euro.

Em consequência, no desenho da arquitectura do euro implementado pelas autoridades europeias, a garantia da irreversibilidade da conversão do euro não é feita através dos Governos dos Estados-membros mas através da banca e da função de emprestador-de-primeira-instância do Eurosistema (BCE e bancos centrais nacionais). A banca nacional pode no dia-a-dia pedir emprestado ao Eurosistema para assegurar a quase irreversibilidade da conversão entre depósitos bancários e o euro. Mas não o consegue fazer quando é mesmo necessário, quando o banco ou o país enfrenta uma crise de confiança séria. Por conseguinte, a irreversibilidade do euro é aparente. Em momentos de stress económico falha.

E, por conseguinte, se as autoridades europeias erram no diagnóstico do problema – que a crise teria como elemento explicativo fundamental o “nexo causal” entre banca e soberano – e continuam a preocupar-se exclusivamente com objectivos políticos e nacionalistas, os passos adicionais no processo de construção europeia em discussão têm pés de barro e custos para a economia real da Zona Euro que são significativos mas que se perdem e não se conseguem identificar, no meio da espuma da actualidade.

Comentários

  1. Afinal o caro Epicuro não está desligado da realidade. Está sintonizado e bem. Define as coisas à sua maneira. Mas a conclusão é a mesma: que raio de união económica e monetária é esta em que só um ganha e todos os outros perdem? Agora, falam em “revisão da matéria dada” – a conversa do costume, como diria G.Tomasi di Lampedusa : é preciso tudo mudar para que tudo fique na mesma, ou seja, grandeza da Alemanha e estagnação para os restantes.

    O Prof. Cabral, pacientemente, nos seus posts vai explicando as manobras em curso. Bem haja, por isto.

    Gostaria, por minha parte, apontar o seguinte:

    – O folclore à volta de Centeno é mais do mesmo: é preciso desviar a atenção da malta dos verdadeiros problemas. Alguém achará racional que um pequeno país endividado jogue alguma coisa no campo da dominação alemã? Nada, como sabemos. Tudo isto são manobras, porque a Espanha não quis – está com o olho na vice-presidência do BCE, por substituição de Constâncio; os italianos já estão servidos – Draghi e Mogherini. E, atenção, a Alemanha vai manietar Centeno: tem na forja a nomeação de um austríaco ou um holandês, pessoas do Norte, para chefiar o gabinete de preparação das reuniões do Eurogrupo. E a Alemanha está a dar estes brindes porque o seu supremo objectivo é a ocupação da cadeira de Draghi daqui por uns tempos, porque o Quantitative Easing tirou-lhe margem de manobra e, perante o problema do envelhecimento da população e da força dos regimes complementares de reforma no país, os fundos de pensões não podem continuar a perder mais dinheiro;

    – Trump tem trocado, de várias formas, as voltas à UE. O último golpe foi a sua proposta de modificação fiscal, um brinde para os ricos. Mas, atenção, as repercussões são significativas, com maior peso para a França e a Alemanha. A guerra fiscal e comercial está em aberto. Como se viu nos últimos dias o dólar está a valorizar face o Euro. Seguem-se as consequências. Aguardemos;

    -Os Governos querem partilhar com os Bancos Centrais a direcção da política monetária. É um facto:os Bancos Centrais, a FED e o BCE, não atinam com a inflação, não a conseguem elevar até aos 2%, no fundo a sua missão principal. Ou a Teoria Económica precisa de ser reformulada ou as relações entre as diversas instituições devem ser mudadas. Quem diria, os economistas estão confrontados com um problema. Parece um daqueles problemas que aparecem nas ciências exactas. Para onde foi a inflação? Há quem afirme – sem sustentação, são precisos estudos – que emigrou para a valorização dos activos financeiros e imobiliários. Pelo comportamento, poder-se-ia dizer que os activos mobiliários, face às valorizações conseguidas, já se comportam como activos financeiros. Temos bolhas à vista? Outra vez, o 2008? O certo é que o mundo é cada vez mais da finança.

    1. Aditamento:

      A explicação dominante para a crise de 2008 centra-se na atitude de desregulação por parte dos Organismos ditos de supervisão. A União Bancária, por pressão dos G-20, nasce em Novembro de 2014 e foi colocada em prática em 31 de Dezembro de 2015. E o primeiro acontecimento desagradável foi a escapadela dos privados aos prejuízos causados pela falência de dois bancos italianos em Junho de 2016. O Estado italiano está na calha para pagar qualquer coisa como 17 mil milhões de euros. Os detentores de obrigações convertíveis(que, por contrato, podem ser transformadas em acções, sob determinadas condições), escaparam ao pagamento.

      Todas as questões que o Professor enumera estão a jusante das repercussões de 2008, que se podem resumir num instante: o montante das perdas financeiras computa-se em cerca de 1600 mil milhões de euros, para a totalidade da UE, cerca de 13% do PIB; o peso do “Shadow Banking”, isto é, todo o conjunto de empresas e similares não reguladas, em finais de 2015, é estimado em cerca de 81.000 mil milhões de euros, à volta de 150% do PIB dos países a que respeita; os activos geridos pelo “Shadow Banking” ascendiam em finais de 2015
      a perto de 65.000 mil milhões de euros, sendo uma “bomba-relógio” para o sistema financeiro. O “Shadow Banking” é a grande ameaça que paira. E os sinais já são inquietantes. Os bancos, agora regulados, têm de cumprir certos rácios de solvabilidade e muitas operações fogem para a finança não-regulada.

      Quais são, afinal, as grandes ameaças que o sistema financeiro global, enfrenta? Têm valor de análise a subida dos valores dos activos imobiliários e dos activos financeiros? O que pensa disto, Caro Professor? Vamos ter crise, ela está em formação, vai eclodir? São hoje, em 2017, diferentes os sinais de 2008?

  2. O caro Ricardo Cabral deveria estudar melhor como é que a Alemanha foi o país europeu mais exposto à crise dos USA e, por milagre, passou a ser credora de países que não tiveram sequer um quinto das perdas desse país.

    Como é que foi esse outro “milagre económico alemão”, em que a Alemanha transformou as suas perdas massivas nos USA, em dívida de outros países da UE? Será que a UE foi usada para resgatar a banca alemã, holandesa… e demais “países virtuosos” do norte, passando a dívida para os “países periféricos” através da UE? Ou foi o milagre de desaparecimento de uma dívida num lado e o aparecimento da dívida noutro?

    Como os milagres não existem, os processos usados pela barbárie germânica demonstra que essa plebe não deixou de ser delinquente, apenas refinou a delinquência. O caro Cabral deveria estudar melhor o resgate da banca dos “países virtuosos” e a sua ligação com as nascentes dívidas dos “países periféricos”.

    Quem conhece um mínimo de história sabe que os germânicos nunca formaram uma aliança durável e muito menos de confiança, nem sequer entre eles muito menos com os demais.

    Basta ver os mil anos do sacro império romano germânico para se perceber que os germânicos vivem em hordas e nunca em sociedade. A história revela repetidamente que é absurdo tentar fazer sociedade com germânicos.

    A história ensina que nunca se deve confiar em germânicos. Estão num estado de desenvolvimento cultural pré-histórico, valorizam a pilhagem. Para eles a glória é do que saqueia mais (o tal rico) e é por isso que valorizam a acumulação. A acumulação é prova da quantidade do que roubaram. O capitalismo é um jogo dessa cultura pré-histórica de pilha galinhas.

    Se ler “Germania” de Tácito verá que os valores culturais desses pré-históricos continuam inalterados. Hoje estão iguais ao tempo de Tácito, em que não conheciam sequer a escrita e eram maioritariamente caçadores recolectores. A glória nessas tribos era roubar a caça alheia, hoje chamam economia a esse jogo de pré-históricos.

    Para se perceber essa coisa que a barbárie chama de “economia” é necessário saber que para eles a glória é roubar os demais, seja pela guerra seja pelo mercado, seja por qualquer outra delinquência. Portanto “economia” para a barbárie germânica é o seu jogo pré-histórico de pilhagem dos outros.

    A Alemanha, tal como o resto do centro e norte da europa, não são de confiança. Nunca foram e não vai ser agora que vão passar a ser. Actuam para roubar como sempre fizeram. Não estão para viver bem, coisa que eles acham pecaminoso, estão para saquear porque é isso que a sua cultura valoriza.

    O herói é o rico, o pilha galinhas que roubar a maior galinha do galinheiro. É esse o jogo dos germânicos na UE. A UE é um galinheiro dos germânicos, onde se dedicam ao seu jogo pré-histórico favorito. Nada de novo no comportamento da barbárie.

    Mas há novidades no galinheiro feirante. Talvez seja altura do caro Ricardo Cabral abordar o efeito das cripto moedas na validade das moedas fiduciárias. O que vale o eurosistema se houver uma alternativa à moeda controlada pelos pré-históricos do norte?

    Se as cripto moedas dominarem as transacções na internet, o que vai valer esse velho poder assente nas moedas fiduciárias?

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