Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

António Bagão Félix

31 de Agosto de 2017, 08:20

Por

Tudo isto é ópera

import_10569461_1Volto à televisão que nos é disponibilizada nos canais nacionais. Não já para acentuar a indigente mistura de parolice e alienação de alguns deles, nem para insistir na overdose futebolística por um qualquer (não) motivo, que vem transformando os canais informativos por cabo (privados) em canais temáticos desportivos. Ou é a previsão de um jogo, ou o comentário depois do jogo, ou perguntas tontas e repetidas a espectadores antes e depois, ou uma qualquer conferência de imprensa com prioridade a qualquer hora, ou uma douta análise sobre arbitragem ou uma especulação sobre qualquer nada, ou qualquer invenção para entreter o pagode. Custa-me até observar o mimetismo de canais respeitáveis a alinhar pelo pior padrão.

Não, hoje quero concentrar-me num conjunto de programas que a RTP 2 transmitiu e que merece ser destacado. Falo de “Tudo isto é ópera”, concebido e brilhantemente apresentado pelo catalão Ramón Gener. Foi um oásis no meio de tanto lixo que, em outros canais, nos querem impingir, mormente no Verão. Feito com criatividade, sentido de humor, alegria, tão didáctico quanto simples e original, tão expressivo quanto apelativo no modo como nos fala de compositores e óperas famosas com uma linguagem de profunda naturalidade.

Ramón Gener é genial. Formado em Humanidades, teve uma carreira musical como pianista e, sobretudo, como barítono representando papéis importantes em muitas óperas.  Há seis anos, resolveu deixar o canto e iniciar uma nova etapa da sua vida como divulgador musical. Foi já neste registo que concebeu “Tudo isto é ópera”, que tem sido apresentada não só em Espanha e Portugal, como na Alemanha, Áustria, Suíça, Itália, Austrália, Letónia, Austrália, Chile, Colômbia e Argentina, e ainda na Coreia do Sul, Singapura e Mongólia.

O autor e apresentador também é um brilhante poliglota, dominando não apenas as suas línguas maternas (castelhano e catalão), como o inglês, o alemão e o italiano. Para quem viu os programas, percebe como isto foi também determinante para o seu resultado final. Esta série ganhou muitos prémios, enquanto melhor programa de divulgação cultural e documental.

Vale a pena (re)vê-lo, mesmo que não se aprecie ópera. Ramón Gener consegue, com um soberbo dinamismo, conciliar o que muitos não conseguem no mundo da música: tornar popular a erudição, demonstrando que a música dita clássica pode ser divertida e atractiva e que a música e a palavra são não só conciliáveis, como irmãs siamesas. De um modo consciente e brilhantemente transversal. Como ele gosta de repetir, “a ópera é (também) a vida”.

Numa entrevista que deu, depois do início desta produção espanhola e alemã em 2015, o autor diz que há um cliché sobre a ópera que, para quase todos, significa algo de aborrecido, incompreensível e antigo. Afirma: “hoje vive-se muito depressa, tem-se pouco tempo, e há predilecção por conteúdos culturais que exigem menos esforço. O meu trabalho no programa é explicar que, afinal, não é necessário muito trabalho para usufruir da ópera que nos pode abrir também para o mundo”.

Diz ainda que “música culta” é uma expressão que deveria ser evitada, porque “é o zénite do pejorativo. Digamos, apenas, música e é tudo”. Num dos últimos programas, o autor consegue oferecer-nos o pai da ópera (Claudio Monteverdi, 1567-1643) e a considerada primeira obra lírica há 410 anos (“Orfeu “) numa abordagem quase contemporânea, ao estilo da música pop. Notável!

Agora que a série terminou na RTP 2, bom seria que a televisão pública voltasse, em breve, a transmiti-la, em bom horário e com uma extensa promoção. Vale a pena, ainda que perca, na obsessão das audiências, para a indigestão telenovelista, futebóis e música apimbada.

Comentários

  1. Pois eu subscrevo o que se disse do programa do Ramon Gener (e da maior parte das séries e documentários da RTP2)
    O El Pais, bem como alguns outros jornais espanhóis lançaram a série do “Isto é ópera” em fascículos(livro+CD+DVD) mas ao que sei não chegam a Portugal, nem sei se vão chegar !
    É pena, por agora vou-me contentando em ver as gravações do programa (as poucas que a “miserável” da box da MEO me permitiu gravar)

  2. “O Gerente da Noite” vai à RTP-2 a partir de hoje à noite. Série com base no livro homónimo de John Le Carré e no elenco está Hugh Laurie(Dr.House).

    A não perder. As séries na RTP-2 têm uma vantagem: passam os episódios todos os dias, com excepção do Sábado e Domingo, até acabarem. Acabei ontem, dia 4, de ver dez episódios duma excelente série francesa, em 3ª. temporada, “Le Bureau des Légendes”(muito melhor que a maioria das séries do Cabo, pagas à parte), com raras excepções, que posso indicar: “Ray Donovan”, “True Detective” entre outras.

    1. O Cabo passou na “TV Séries”(paga-se a mensalidade do Cabo e mais cinco euritos para visionar a TV Séries que raramente coloca novas séries e vive das reposições que permanentemente faz, enfim, mais uma forma de aumentar os lucros) uma extraordinária série sobre a fase experimental da medicina, vivida nos USA, nas primeiras décadas do século XX. Com grandes actores, nos quais sobressai na figura central Clive Owen, “The Knick” deveria passar na RTP-2. Custará algum dinheiro mas, como tem sido muito pouco divulgada, talvez o preço de aquisição não seja muito elevado. Seria uma peça de grande informação e de deleite para os espectadores da televisão pública.

  3. Revejo-me inteiramente na opinião do Dr. Bagão Félix! As televisões devem formar cidadãos conscientes e críticos e não o contrário. Atualmente, apostam na lógica do “quanto pior melhor”!

  4. Revejo-me inteiramente nos comentários do Dr. Bagão Félix. Ainda bem que não sou o único a pensar sobre a mediocridade em que os meios de comunicação social , leia-se televisões querem transformar o nosso povo. A lógica parecer ser a do “quanto pior melhor”. Aliás, uma grande parte das atuais estações televisivas mais não faz do que ” alienar” o povo português.
    O poder político agradece. Cria-se a ilusão de que está tudo bem!

  5. É uma overdose futebolística com aroma a refogado; há também este exagero com a gastronomia – vale um ser humano por saber cortar cebola . ..
    Este tipo de televisão é comum em países ditatoriais com intenção de alienar.
    Se acrescentarmos a isso o clima sentimental transbordante ….desde as lágrimas da ministra aos abraços do presidente que admoesta o anterior com o respeitinho… tudo isto é fado
    triste

    1. Os donos das televisões nacionais,agora são “paises”????!!!e ainda por cima querem alienar o povo???!!!muito me conta,vou já propor ao Francisco Balsemão,uma integral do Visconti em horario futebolesco,tipo 19.45,pode ser? P.S-O actual presindente ,tambem já não pode falar? muito democratico,sim senhor.

    2. Sr . João Lopes, tem razão. Aqui nem as tv.s privadas nem a pública têm intenção de alienar ninguém. Têm programas estupidificantes e repetitivos porque lá calha.

  6. Parabéns pela crónica, Dr. Bagão. De facto há muita má auto-imitação nas televisões e média em geral.

    Mas o que mais me tem dado espécie, é ver que este ano se bateram records na captura de incendiários, e, da comunicação social portuguesa, nem uma imagem desses incendiários à saída dos tribunais, e muito menos à entrada. Além da pouca ou nenhuma reportagem de investigação sobre os mesmos incendiários, e o que os move para provocar tanta dor aos outros (e afinal para que servem os observatórios, universidades e outros organismos, alguns deles do Estado?).

    Preferindo os média fazer reportagens predatórias, com microfones encostados à boca de vítimas, que nem na Síria em guerra os jornalistas fazem a uma família que acabou de perder a casa…

  7. Dr. Bagão Félix, a recente transmissão do “Tudo Isto É Ópera”, é uma reposição na programação da RTP2, uma vez que o programa já havia sido emitido, há alguns meses atrás, semanalmente, aos Sábados à noite. Como curiosidade sobre o poliglotismo de Ramón Gener, também o vi falar (ainda que pouco) num português do Brasil perfeito!

  8. Dr. Bagão Felix: obrigado pela sua crónica tão assertiva que teve, pelo menos para mim – que sou visionário – o gosto de “ver” os círculos ondulantes que costumamos ver quando uma pedra cai num charco de águas salobras e infectas que é, infelizmente, o culturalmente correcto emitido pelas TV´s.

  9. Não poderia concordar mais. Muito bem!
    Eu acho que se passa-se em horário nobre as audiências não eram tão más como isso precisamente pelas razões que o professor apresentou. É verdade que o povo “papa” o que se lhe dá. Se nos derem coisas boas papamos coisas boas. Não é por o meu cão gostar de comer lixo que eu lhe dou lixo para comer.

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