Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

27 de Agosto de 2017, 17:35

Por

Os fundos soberanos e seus investimentos (Parte I)

A história do desenvolvimento da indústria do petróleo da Noruega e do maior fundo soberano (i.e., público) do mundo – o Fundo de Pensões Global do Governo da Noruega – é muito interessante.

Esse fundo norueguês, criado em 1990, começou a receber uma percentagem dos lucros derivados da extracção do petróleo e gás natural a partir de 1996 e, desde então, com esses recursos, passou a fazer aplicações financeiras exclusivamente no estrangeiro. Em 1998, o fundo dispunha de 18,6 mil milhões de euros à taxa de câmbio actual e, em Junho de 2017, o seu valor era de cerca de 868 mil milhões de euros, i.e., 167 mil euros por habitante da Noruega.

O objectivo do fundo foi preservar património para gerações futuras, património obtido da exploração de recursos (petróleo e gás natural) que se sabiam finitos. Foi desenhado para aplicar todos os seus recursos financeiros fora da Noruega (voltarei a este ponto na parte II deste texto).

Inicialmente, cerca de 40% do fundo era aplicado no mercado de acções e 60% em títulos de dívida. Em 2009, o Ministério das Finanças do Governo norueguês decidiu aumentar a percentagem do valor do fundo aplicado no mercado de acções para 60% (na realidade, desde 2007 excedia claramente o limiar dos 40%). E, já em 2017, o limite foi aumentado para 70% numa altura em que, devido à subida, para novos recordes, dos índices das acções nos mercados: o fundo detinha cerca de 65% dos seus recursos nestes títulos.

O fundo norueguês é tão grande que detinha, em Junho de 2017, 1,38% do valor total das acções das empresas cotadas no mundo inteiro (2,38% das acções das empresas cotadas da Europa). Ou seja, é um dos maiores accionistas a nível global.

Registou uma taxa de crescimento anual média de 5,9% (4% em termos reais, líquida de custos de gestão) desde 1998. Desde 1996, foram aplicados no fundo 364 mil milhões de euros dos lucros de exploração do petróleo e gás natural. E o fundo gerou, em termos acumulados, desde 1996, cerca de 500 mil milhões de euros de ganhos de capital, líquidos de custos de gestão. Cerca de um quinto deste valor resulta de ganhos cambiais, presume-se, da desvalorização relativa da moeda norueguesa.

Graças a esses extraordinários resultados financeiros o fundo soberano norueguês e a sua estratégia de gestão, tornaram-se uma espécie de “vaca sagrada”, a ideia de “como ficar rico sem nada fazer”.

Este fundo soberano da Noruega não foi o primeiro do seu género. O primeiro fundo data de 1854 (Texas Permanent School Fund) e o fundo soberano de Abu Dhabi (o segundo maior fundo soberano do mundo) foi criado em 1976. A estratégia destes fundos soberanos foi replicada por outros países, nomeadamente, pela China, que em diversos fundos (China investment Corporation, Safe Investment Company, Hong Kong Monetary Authority Investment Portfolio e o National Social Security Fund), detém quase 2 biliões de dólares de investimentos.

Estima-se que o conjunto dos grandes fundos soberanos do mundo detenha 7,4 biliões de dólares de activos, a maior parte dos quais activos estrangeiros (poupança externa). Por conseguinte, estes fundos têm um papel importante no financiamento das economias, uma vez que a poupança externa controlada por estes fundos soberanos representa cerca de 9,7% da dívida externa bruta total de todos os países do mundo, que ascende a cerca de 76 biliões de dólares.[1]

Em 2016, pela primeira vez, o Governo norueguês retirou dinheiro do fundo para fazer face a um elevado défice público, sendo previsto que em 2017 retire 15 mil milhões de dólares do Fundo para financiar o elevado défice público de quase 8% do PIB, segundo a Bloomberg.

Olhando para a “performance” passada, parece difícil criticar a estratégia do fundo norueguês. No entanto, esta estratégia é uma forma de países com excedentes externos aplicarem as suas poupanças externas (os seus superavites), evitando valorização cambial que seria natural e automática para países com tal desempenho das contas externas. É, por conseguinte, uma forma de adiar a correcção de desequilíbrios externos.

E, sobretudo, afigura-se uma estratégia desadequada e problemática, se a receita que teve sucesso no início, continuar a aplicar-se até à exaustão, e se for adoptada por muitos países com excedentes externos.[2]

O recurso ao fundo norueguês em 2016, e previsivelmente em 2017, para financiar o elevado défice público, apesar de internamente muito criticado, constitui um sinal encorajador, pois é bom que quem tanto poupa também gaste algum, assim contribuindo para o crescimento da economia mundial.

 

 

 

[1] Note-se que, uma vez que só uma parte da carteira de activos desses fundos soberanos são títulos de dívida, a dívida detida por esses fundos representa uma percentagem inferior da dívida externa bruta global.

[2] Com efeito, é inconcebível que um país com tais riquezas poupe tanto a ponto de, por exemplo, a polícia de Oslo só dispor de um helicóptero, que não foi utilizado devido a restrições orçamentais, num ataque terrorista por um neo-nazi norueguês, que resultou na morte de 68 jovens noruegueses em 2011.

Comentários

  1. interessante pensar que o mundo seria um sítio melhor se o jubileu descrito no antigo testamento voltasse a ser prática corrente. O que terá acontecido àquela gente antiga para lhe consagrarem os espaço tão privilegiado? Talvez tenha sido alguma coisa importante que esquecemos …

  2. É demagógico afirmar que os Estados que gastam à custa da poupança acumulada, que delapidam assim capital, contribuem para o crescimento da economia mundial – quem delapida capital, público ou privado, contribui para o descrescimento da economia mundial, por lhe retirar um dos factores de produção. O Estado português, que o faz por sistema desde 1995, em nada tem contribuído sequer para o crescimento da economia nacional, estagnada desde pouco depois de essa política da cigarra ter sido posta em prática. É só um exemplo, e desde Adam Smith que sabemos que é a poupança o motor do crescimento económico a longo prazo. É isso mesmo, são as formigas e não as cigarras que prosperam. Observamos em permanência isso mesmo por todo o mundo, mas sabe-se lá porquê há quem insista em não aprender.

    1. Se fosse verdade que são as formigas e não as cigarras que prosperam não haveria tanta miséria, fome e desigualdade no planeta mas pelo contrário quase todas as pessoas seriam abastadas. O Ricardo Salgado não trabalhou 10000 vezes mais do que o cidadão comum…

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