Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

14 de Junho de 2017, 13:45

Por

De resolução em resolução …

Apesar de elogios e auto-satisfação (e.g., p. 3 e 4 deste relatório), a União Bancária não vai bem. Numerosas intervenções na banca europeia, sobretudo nos países do sul, e a aplicação de várias medidas de resolução são disso sinal.

A segunda maior medida de resolução de sempre acabou de ser aplicada, na semana passada, ao Banco Popular, de Espanha, e agora é o Liberbank, outro banco espanhol, que está sob ataque especulativo, com o regulador a proibir a venda de acções a descoberto. Outros dois pequenos bancos italianos estão também sob pressão, mas protegidos pelas palavras e pela acção do ministro das finanças italiano, alguém que, até agora, não se tem deixado intimidar, nem pelo BCE nem pela DGComp.

Em Portugal, desde 2014, todos os bancos de média e grande dimensão foram afectados pela União Bancária, sob a ameaça permanente, subliminar ou explícita, da aplicação de uma medida de resolução, ou mesmo através da aplicação de tal medida: Millennium BCP, BPI, BES, Novo Banco, Banif, CGD, Montepio e Banco Popular e até o Santander Totta.

Sinal de que estava tudo mal antes e que agora finalmente o sector começa a ser reequilibrado? Ou, sinal que os “checks and balances” não são apropriados e que os poderes públicos concedidos ao BCE e ao Conselho Único de Resolução, no âmbito da União Bancária, são excessivos?

A banca em Portugal (e também na zona euro) está a ser reinventada de um dia para outro e, em consequência, não obstante rácios de capital crescentes, o crédito ao sector privado tem continuado a cair em Portugal, não obstante a “elevada” taxa de crescimento da economia. Em consequência, a banca nacional está a contribuir para travar o crescimento da economia nacional.

É fundamental a existência do instrumento de resolução bancária, mas não deve, não pode ser utilizada pelo supervisor – como na prática foi – como mecanismo de pressão e arma de “destruição maciça” para ameaçar bancos existentes, para ameaçar políticos, para promover fusões e aquisições a preço zero e para promover política industrial na zona euro.

Com efeito, a directiva europeia de resolução bancária não é adequada: em vez de ter como objectivo primeiro preservar actividade económica e prevenir crises bancárias, os seus objectivos parecem sobretudo políticos: a medida de resolução é a medida de primeiro recurso parecendo que procura encontrar e punir culpados e assegurar que o Eurosistema – principal credor da banca da zona euro – não sofre quaisquer perdas nas suas operações de política monetária. O actual desenho da resolução bancária, firmemente sob a mão do BCE, que é simultaneamente credor e supervisor, contribui para precipitar e acelerar a corrida aos depósitos de bancos em situação difícil.

A resolução bancária é um instrumento que beneficia de uma excepção ao regime normal de falência e liquidação de empresas, porque é reconhecido o papel crucial de um banco numa economia de mercado. Tem de ser, por conseguinte, um instrumento de excepção, porque de facto se situa nas ”franjas” do estado de direito democrático. Implica factos consumados: expropriação de propriedade, encerramento de empresas, despedimentos e redistribuição de riqueza, sem que as partes afectadas com a medida de resolução possam defender, previamente, os seus direitos, nomeadamente, fazendo-se representar em Tribunal.

A forma como a medida de resolução foi aplicada ao Banco Popular foi “assustadora”. Em comparação com o BES e com o Banif, nem sequer foram criados bancos de transição ou novos bancos. Pura e simplesmente foi “tirada” a propriedade a uns e “transferida” para o Santander … por um euro.

Fácil para o supervisor e Conselho Único de Resolução que assim resolveram o Banco Popular e não têm mais … “chatices”. Mas o que distingue, então, a sua acção do modus operandi de Estados que não são estados de direito?

O Banco Popular desaparece. Cerca de 3000 funcionários perderão o seu emprego e haverá encerramento de balcões. Haverá menos concorrência no mercado bancário espanhol e português. As comissões cobradas irão previsivelmente subir. E, devido à forma como os bancos estão obrigados a limitar o risco de crédito que têm junto dos seus clientes empresariais, alguns destes clientes, que antes possuíam crédito com o Santander e com o Popular, terão de procurar outro banco, porque provavelmente será ultrapassado o limite de crédito no banco conjunto. Vidas e actividade económica que, de um dia para outro, sofrem uma reviravolta completa, determinada pelos reguladores.

E o problema é que o sinal foi dado. O Banco Popular não estava numa situação financeira robusta. Mas, mesmo que estivesse, a mensagem na zona euro parece ser: a única maneira de escapar à resolução é tornar-se num banco gigante, demasiado grande para falhar, como o Santander, ou o Deutsche Bank. De contrário, se um banco na zona euro for atacado pelos mercados, o fim é certo.

Se continuarem a ser aplicados cegamente os mesmos critérios, o Banco Popular terá sido, apenas, mais um de muitos a cair depois de um ataque especulativo e uma corrida aos depósitos. Um remake do que acontecia nas crises bancárias de outrora, em que corridas a bancos precipitavam a sua queda!

Mas embora todos sejam iguais, há sempre uns mais iguais que outros! Por isso, é natural que sejam alterados os critérios, discretamente, para assegurar que a resolução de bancos não vire “a linha de montagem” que tem sido desde a nova legislação sobre a União Bancária na zona euro. O problema é que essa alteração já virá tarde demais para países como Portugal.

Comentários

  1. Não faz mal, o BCE é uma pessoa de bem! Para os seus Estados membros, quero eu dizer… No fundo o Ricardo Cabral acerta no alvo quando declara que o BCE é o grande credor, mas simultaneamente o crédito é cortado ao sector privado. Está-se mesmo a ver para onde ele está a ir, é ou não é?

  2. Lamento que este artigo seja tão superficial e tão pouco técnico.
    Vamos a casos concretos, deixando de lado o choradinho de nos “estarem a tirar os bancos”. BPN: porque caiu? Gestão danosa, fraudulenta, meio de usar dinheiro de clientes para financiar negócios megalómanos e ruinosos que beneficiaram muitos cujos nomes ainda custa a conhecer. BES: porque caiu? Gestão danosa, fraudulenta, meio de usar dinheiro de clientes para financiar negócios megalómanos e ruinosos que beneficiaram muitos cujos nomes ainda custa a conhecer. Banif: porque caiu? Gestão no mínimo duvidosa, empréstimos de altíssimo risco que beneficiaram muitos cujos nomes ainda custa a conhecer. Popular: porque caiu? Não sei, mas fico contente que não tenham sido os contribuintes portugueses a pagar.
    Aliás, porque não inclui o autor na lista de “tragédias bancárias” o BPN? A razão é simples: é que esse, justamente, não foi sujeito a resolução, por isso nem se pode bem dizer que tenha caído, porque o estado e os contribuintes lhe puseram a mão – e muito dinheiro – por baixo. A factura ainda aí anda e vai continuar a andar. Mas já foi há muito tempo, é mais fácil queixarmo-nos dos nuestros hermanos do que admitir erros passados, mesmo os que nos saíram caro.
    Quanto à questão da “expropriação”: sim, acho muito bem que quem tem um banco interiorize que gere um negócio muito especial, que pode dar muito dinheiro mas que também pode dar para o torto. Se não estão preparados para suportar os riscos de levar para a frente um negócio sistémico, abram uma gelataria, que essa não é sujeita a resolução, certamente.
    A concorrência vai diminuir? Sim, já diminuiu. As comissões vão subir? Provavelmente, para isso aponta a lei da oferta e da procura. Mas é mais justo ter cada cliente bancário a pagar mais uns euros em comissões do que ter todos os contribuintes a pagarem mais uns milhões para segurar bancos mal geridos. Se os espanhóis sabem gerir bancos e os portugueses não, então mais vale que os bancos sejam espanhóis. Eu também não compro pastéis de nata aos finlandeses, que nunca deram mostras de os saberem fazer.

  3. Os posts do Professor são sempre instrutivos. Academicamente. Mas, por vezes, a realidade é traiçoeira…Os seus posts são bem fundamentados com links. Mas escapa sempre algo: a realidade económica é complexa. Vejamos o seguinte caso( que reconheço não estará directamente relacionado com o tema do post de hoje):

    – Muitas vezes se fala em desemprego e taxas de desemprego. São elas reais? Vamos relacionar Inflação, desemprego e Curva de Philips: o próprio Draghi chama a atenção para os chamados empregos de fraca qualidade. Quando se fala em desemprego de que se fala?;

    – Que enviesamentos provocam os empregos de baixa qualidade(sub-emprego, trabalhar três horas por dia, a que os franceses chamam “jobs de merde”)? A taxa de desemprego é de 9,3% na Zona Euro. O próprio BCE diz se forem acrescentadas as pessoas desencorajadas, as que estão em tempo parcial, AS CAPACIDADES NÃO UTILIZADAS ELEVAM-SE A 18% DA POPULAÇÃO ACTIVA NA ZONA EURO. E NOS EUA ESTA CAPACIDADE NÃO UTILIZADA ASCENDE A 8,4% DA POPULAÇÃO ACTIVA;

    – E isto tem a ver com a taxa de inflação baixa. Quando uma economia atinge um nível de pleno emprego ou quando a taxa de desemprego está a um nível inferior ou igual à taxa de desemprego estrutural, os salários começam a aumentar, o que fará elevar a inflação e permite ao BCE rever as suas taxas, a fim de evitar que a inflação não passe os 2%(objectivo primordial da actuação do BCE). A Curva de Philips sustenta haver uma relação estável e inversa da taxa de variação do salário nominal e a taxa de desemprego, sendo esta taxa de desemprego entendida como uma medida do excesso de oferta ou de procura no mercado de trabalho. A Curva de Philips ainda funciona bem perante isto? A variação dos salários alimenta a variação da inflação?

    – E o BCE não ajusta as taxas e o quantitative easing continua, para desespero da Alemanha e conforto dos países do Sul, incluindo Portugal. A realidade teórica nada nos diz sobre a miséria encoberta de milhões de pessoas que têm “jobs de merde”… A economia trata da realidade virtual? Não importa rever os modelos?

    – Os burocratas de Bruxelas , nesta questão da União Bancária, avaliam mal e à distância. Não estaremos condenados a não conseguir atingir a verdadeira natureza dos problemas económicos e financeiros? Talvez os economistas estejam mais interessados em governar a vidinha, multiplicando-se em diversas actividades e empregos, satisfazendo o seu ego, mas investigando pouco, quando não mesmo pondo os seus dotes ao serviço de causas não bem-sucedidas, com foi o caso do economista José Ferreira Machado e a cobertura que deu às teses do Governo Passos-Portas;
    – Daí salientar a posição diferente do Prof. Ricardo Cabral na defesa de uma menor actuação ortodoxa no caso da política orçamental, libertando verbas para as funções sociais e com o alvo nas pessoas de recursos débeis.

    1. Atendendo às declarações de Draghi esta semana em Sintra. seria interessante a abordagem das relações entre taxa de inflação, estagnação dos salários, subemprego e Curva de Philips, na sequência do que acima está referido, em próximo post.

  4. … já se está a ver que se/quando essa correção for feita, a espanholização forçada de bancos como o BPI não será revertida. Estou a tentar imaginar as consequências para o tecido produtivo português não ter um setor bancário que faça parte dele. Quando comparo como os EUA, onde resido, e onde há bancos locais em toda a parte, muitos com apenas um par de agências configuradas para conhecer e servir os negócios locais, o contraste é brutal. Será altura de começar a tentar criar bancos como como o WIR na Suíça (https://en.wikipedia.org/wiki/WIR_Bank)? Imagino que o BCE nunca o permitiria, será mesmo assim?

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