Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

30 de Abril de 2017, 20:40

Por

Menos é mais, em questões de consolidação orçamental

Para este co-autor do relatório do Grupo de Trabalho sobre a sustentabilidade da dívida externa têm sido muito interessantes e, em muitos casos, pertinentes, as reacções a esse documento.

Comecemos pelo ponto de partida: a tese TINA (do acrónimo inglês “There is no alternative”) de que não haveria alternativa à estratégia de austeridade para a consolidação orçamental definida pelo Tratado Orçamental.

Existem vários critérios no conjunto de legislação e regras conhecidas por Tratado Orçamental. Sendo assim, existem diversas interpretações possíveis. O Grupo de Trabalho, após simulações da aplicação do Tratado, optou por considerar que, ao longo das próximas décadas, a regra que condicionará as contas públicas portuguesas será a diminuição da dívida acima de 60% do PIB em um vinte avos (1/20) em cada ano. Esse constitui o cenário base de referência, i.e., o cenário “TINA” adoptado no Relatório.

Trajetória da dívida pública do Tratado Orçamental

restrição dívida
Fonte: Relatório do GT

 

De acordo com esse critério, seriam necessários 50 anos para reduzir a dívida pública para perto de 65% do PIB. A dívida pública chegaria ao nível de 91,6% no final de 2032 (i.e., daqui a 15 anos).

Saldo primário do Tratado Orçamental (cenário base)

saldo primário cenário base
Fonte: Relatório do GT

 

O saldo primário é uma medida do esforço orçamental (e da austeridade) que é necessária para cumprir o Tratado Orçamental. Como o cenário base do gráfico acima sugere (não é considerado o efeito do programa de expansão quantitativa do BCE), mesmo assumindo condições relativamente benignas (em média, taxa de crescimento nominal do PIB de 3,2% por ano e taxa de juro implícita da dívida pública de 3,4%), durante quase 50 anos as contas públicas teriam de registar saldos primários de 0,5 pontos percentuais do PIB ou superiores.

Afigura-se-me que este gráfico na realidade sugere que o Tratado Orçamental é uma verdadeira missão impossível para a economia portuguesa. Não vai acontecer. Não é plausível nem racional que o país mantenha substanciais saldos primários durante um período de tempo tão longo. Acresce que, para assegurar a redução da dívida em um vinte avos em cada ano, subidas da taxa de juro ou reduções da taxa de crescimento económico resultariam na exigência de saldos primários mais elevados. Ou seja, a regra de redução da dívida em um vinte avos em cada ano parece ser pro-cíclica.

Esta não é a única interpretação possível do Tratado Orçamental. Existem interpretações ainda mais restritivas que obrigariam a um esforço de consolidação orçamental ainda mais significativo, particularmente até 2021. E é ainda possível ir além do Tratado Orçamental, como se afigura consta do PEC 2017-2021, recentemente aprovado pelo Governo.

Para muitos macroeconomistas, saldos primários elevados são virtuosos. Para outros, em que me incluo, saldos primários elevados impõem custos significativos à economia diminuindo o seu potencial de crescimento, nomeadamente porque privam o Estado dos recursos necessários para investimento, para despesa com serviços públicos e transferências para apoios sociais.

Ou seja, a redução do esforço orçamental programado para próximas décadas tornaria o processo de consolidação orçamental mais credível.

Por conseguinte, afigura-se-me que existem três alternativas: primeira, a alternativa TINA é o cenário (base) em que Portugal se sacrifica em vão durante anos para, no final, fracassar; a segunda alternativa é procurar ganhar tempo, na expectativa que o Tratado Orçamental seja revisto e que as autoridades europeias finalmente encarem o problema das dívidas excessivas de frente; e a terceira alternativa consiste em não cumprir o Tratado Orçamental, o que provavelmente resultaria em conflito com as autoridades europeias.

Saldo primário necessário para cumprir o Tratado Orçamental

saldo primário re
Fonte: Relatório do GT

 

Parece-me que o relatório do Grupo de Trabalho se insere na segunda opção.

Primeiro, as medidas propostas enumeram áreas, algumas até à data não identificadas nem exploradas, em que o Governo tem alguma margem (limitada) de actuação: permitiriam libertar alguns recursos, que poderiam ser utilizados para promover o crescimento económico sustentado, promovendo uma pequena melhoria das condições de vida dos portugueses e sobretudo ganhar tempo enquanto não muda a orientação de política da zona euro. Os ganhos das medidas estimados em quase mil e duzentos milhões de euros por ano, a partir de 2023, são pequenos, no contexto do país, mas fariam a diferença no seu desenvolvimento.

Segundo, a reestruturação de dívida proposta, pode parecer pouco ambiciosa para muitos. E de facto seria bom que fosse de maior dimensão. Mas a redução do valor presente da dívida em 39 pontos percentuais do PIB seria praticamente equivalente aos primeiros, mais duros, 15 anos de esforço de consolidação orçamental do Tratado Orçamental, que no cenário base “TINA” obrigariam a saldos primários entre 1,8% e 3,7% do PIB (novamente, não considerando os efeitos do PSPP do BCE).

Os portugueses já viveram 17 anos de estagnação. A vida destes portugueses é esta, não é outra. Essa vida não espera pelo fim da crise e da austeridade durante mais 15 anos. E, por conseguinte, a reestruturação de dívida proposta pelo Grupo de Trabalho, a realizar-se no âmbito de um processo europeu em que se responde ao problema de dívidas excessivas, seria de dimensão suficientemente relevante para fazer a diferença para esta geração de portugueses que já passou por tanto.

Como dizem os alemães, “weniger ist mehr”. É muito melhor prometer menos, mas cumprir, do que prometer o mundo e falhar redondamente … perante os portugueses. E por essa razão, estamos obrigados a olhar o problema da dívida de frente!

Comentários

  1. Excelente trabalho e síntese. Esperemos que o seu cenário possa ter acolhimento externo – quantificar e detalhar claramente os números facilita discussões e compreensão.

    De facto seria uma injustiça incompreensível que a próxima geração de portugueses tivesse de arcar com toda a irresponsabilidade dos bandalhos que levaram o país para esta situação insustentável, e que – desaforo da canalhice – nem foram julgados como são aqueles que hoje beneficiam do sistema que lhes garante privilégios que nunca ninguém teve – nem terá.

  2. Notas:
    (1) Saldo Primário = Receitas Efectivas – Despesas Primárias(exclui Juros).

    (2)O G.T. da Dívida fez simulações com base nas hipóteses indicadas. A análise é dinâmica na medida em que incorpora novos acréscimos de dívida, descidas de montantes de juros a pagar, redução do valor global da dívida. Ao fim de 50 anos teríamos um nível de dívida de 65% do PIB – redução de 50%. Um compromisso com contornos de perpétuo… e isto obrigando a saldos primários de 0,5%…Isto vai dar para muito tempo…

    Teremos que esperar que o Tratado Orçamental seja revisto. Macron, em França, após Mélenchon ter dito que “Le Pen nunca”, lá acabou por concordar que, em nome da França(dividida em dois blocos e a caminhar para o abismo – pronunciou a palavra “frexit”, o que é relevante), vai impor a renegociação dos tratados europeus. É a única esperança.
    Este relatório da Dívida acaba por ser uma mera intenção: fontes da UE já rejeitaram a hipótese de discussão de tal proposta.

    Entretanto, fixe-se a seguinte posição do site “Economia on line”, de 28/04/2017(adepto do cenário previsto no Tratado Orçamental)::

    “criar condições para que as taxas de juro possam voltar a reduzir-se e com isso ir substituindo dívida por taxas de juro mais baixas” -em intenção aproxima-se da linha azul do gráfico: ser bom aluno europeu, conseguir abaixamento do rating e obter, desta forma, taxas de juro mais baixas. Maior consolidação orçamental, menores défices orçamentais, menores acréscimos de Dívida Pública.

    A posição do post é a seguinte:”redução do esforço orçamental ao longo das próximas décadas tornaria o esforço de consolidação orçamental mais credível” – linha vermelha do
    gráfico.Menores saldos primários; promover a melhoria de vida das populações do país.

    Tudo a postos, com os olhos em França(para o próximo Domingo e para o próximo mês de Junho-Legislativas) e na Alemanha(para Setembro próximo – o papão
    Merkel-Schauble vai embora?). Os tratados europeus serão renegociados? O Tratado Orçamental será modificado?

  3. Obrigado por este sumário do relatório, e pelo estudo aturado que descortino no documento completo. Votos para que seja lido e analisado por todos os que querem ter uma opinião informada sobre este tema. Enquanto passo à leitura fica-se me a pergunta se há alguma iniciativa já em curso de criar um espaço público de partilha de dados e de links a análises relacionadas, nomeadamente de vídeos de entrevistas e sínteses jornalísticas que vão concerteza começar a aparecer no YouTube.

  4. E que tal parar de pedir dinheiro emprestado? Que tal fazer um pequeno esforço para o défice ser inexistente? Porque é que um país não há-de poder dar lucro? Esse esforço até podia ser do lado da despesa tremenda que temos em tachos, tachinhos, ppps, donativos de biliões a salgados e loureiros. Era fácil. Em vez de estar a falar constantemente em pedir empréstimos. Quem só vive de empréstimos, não se sabe governar.

    1. PC, tem de ler o relatório antes de opinar a vulso. A dívida Pública a quando da entrada no euro era de 50%. Com o euro tivemos estagnação econômica, erosão social e endividamento insustentável. Nem no ano de 2066 no seu cenário suicida estaríamos de volta ao pre-euro. Os que querem o euro ou pensam um bocadinho antes de abrirem a boca ou estará na altura de saírem da sala. Até ver são responsáveis por um crime hediondo sobre o futuro da nação (nunca referendado) que começa a merecer punição. Crime e castigo, as vossas dívidas para com a nação já estão muito para lá de serem apenas pecuniárias.

    2. Um Estado não é uma família. Para começar, um excedente orçamental do Estado significa DESTRUIR dinheiro, que deixa de estar disponível para a economia (tanto pública como privada). Por outro lado, a dívida privada é muito superior à pública e é ela que constitui o famoso “mal-parado” que tantos problemas causa à banca nacional – mas por razões ideológicas, só a dívida pública parece existir. De resto, o debate sobre se um país deve emitir dívida pública já foi discutido durante os primeiros anos dos EUA, e James Madison ganhou.

    3. Para Tiago um estado que tem superavit é um mau estado onde as pessoas vivem mal porque um excedente orçamental do Estado significa DESTRUIR dinheiro. Já em contrapartida um estado endividado é um bom estado onde há mais dinheiro e as pessoas são mais ricas. Pena é que a realidade o contradiga de forma tão gritante.

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