Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

António Bagão Félix

27 de Abril de 2017, 08:34

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IRS: reforma e contra-reforma (II)

No texto da passada terça-feira escrevi sobre os efeitos das alterações relativas às deduções à colecta do IRS em 2015. Hoje, baseando-me na mesma publicação da Autoridade Tributária, assinalo alguns pontos sobre a progressividade do imposto. Assim:

1. Variando as taxas nominais dos escalões de IRS entre 14,5% e 48% (não se considerando aqui a taxa adicional de solidariedade para rendimentos colectáveis superiores a 80.000€ e que varia entre 2,5% e 5%, nem a sobretaxa de IRS), verifica-se que a taxa efectiva de tributação bruta (ou seja, a divisão entre o IRS liquidado e o rendimento bruto não isento) foi descendo de 9,94% em 2013, para 9,70% em 2014 e para 9,24% em 2015 para os rendimentos de trabalho e de pensões. Se a estes juntarmos todos os rendimentos de outra natureza, a taxa efectiva foi diminuindo, também, de 12,93% em 2013 para 12,87% em 2014 e 12,23% em 2015.

2. Para a variação global negativa de IRS liquidado em 2015 (- 4,15%), todos os escalões de rendimento beneficiaram da redução de tributação efectiva (com maior redução na classe média dos 27.500€ aos 40.000€ de rendimento anuais), excepto o escalão acima dos 250 mil euros, que teve um aumento de tributação efectiva (+10,15%). Apesar das críticas do actual Governo e dos partidos que o apoiam sobre o que diziam ser a menor progressividade do IRS (sobretudo a propósito do quociente familiar), os dados publicados demonstram que a essência redistributiva do IRS através da progressividade foi até aprofundada.

3. Os dados do relatório sobre a distribuição do esforço fiscal em 2015 indicam que para 48% dos agregados não foi apurado qualquer valor de IRS, os 16% de sujeitos passivos que obtiveram um rendimento bruto até 10.000 € anuais contribuíram para a receita de 2,6% do IRS e os que tiveram rendimentos entre 10.000 e 19.000 € (35% do total) pagaram 9% do IRS total. Em contrapartida, os rendimentos entre 40.000 e 100.000€ (13% dos sujeitos passivos) pagaram 40,65% do imposto e os que obtiveram rendimento bruto superior a 100.000 € (1,4% do total) contribuíram em 19% para o total do valor de imposto liquidado.

4. Finalmente, há um ponto, que para mim é algo surpreendente: 96,87% dos casais optaram pela tributação conjunta, e só os restantes 3,13% se decidiram pela tributação separada, o que parece induzir a ideia de que esta medida foi relativamente irrelevante para a redução da carga fiscal do IRS.

Muito há, ainda, a fazer para aumentar a justiça e equidade fiscais no IRS. Não podemos esquecer que uma pessoa com 800 euros de salário mensal já é, muito provavelmente, atingida por uma taxa marginal de 28,5% (a que acrescem os 11% da TSU)! Uma outra com 1.800 euros suporta uma taxa marginal de IRS de 37%. E sobre rendimentos acima de 40.000 euros anuais, a taxa marginal já chega a 45%. Por outro lado, a taxa máxima (aplicada a partir dos 80.000 euros de rendimento colectável) passou de 40% em 2004 para os actuais 48% (aumento de 20%), a que acrescem a sobretaxa (ainda) e a taxa adicional de solidariedade, entre 2,5% e 5%. Por outras palavras, as famílias com um salário mensal de 1800 euros são consideradas fiscalmente ricas . Excepto se o seu rendimento provier de capitais ou de rendas, em que o IRS se fica pelos 28%…

Bom seria que a política fiscal nos seus mais estruturantes parâmetros fosse objecto de compromissos que garantissem estabilidade, coerência e previsibilidade, em vez de se andar sempre neste corrupio de mudar hoje o que ontem se fez, só por mudar. Seja com taxas e taxinhas, com adicionais e sobretaxas, com impostos camuflados ou “gasolinados”, quem perde, afinal, é o país.

Comentários

  1. Uma pequena correção porque ainda há muita gente que se baralha na utilização de “%” ou “pp” (sei que não é o seu caso e que se trata meramente de uma gralha):
    “(…) passou de 40% em 2004 para os actuais 48% (aumento de 20 p.p.) (…)”
    O aumento é de 20% e não 20 pp.

    Cumprimentos

  2. Muito obrigada por nos explicar a hipocrisia política que não se importa de prejudicar o país com a instabilidade fiscal, desde que isso sirva para propaganda.

    1. Agora que falou de hipocrisia, lembrei-me dos pantomineiros que diziam que o Banif estava bem, o BES estava resolvido, e que a CGD estava na maior. Eram os mesmos do «horizonte de prosperidade»…

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