Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

2 de Abril de 2017, 19:52

Por

Crescimento no século XXI

O Banco de Portugal reviu em alta as perspectivas para a economia portuguesa em 2017, prevendo agora uma taxa de crescimento real do PIB de 1,8% (anteriormente, 1,4%).

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Como é possível constatar dos gráficos acima, o país está em estagnação económica desde o início do milénio. O PIB a preços correntes somente ultrapassou o nível atingido em 2008 na segunda metade de 2015, sendo que em termos reais a economia ainda não regressou ao valor do primeiro trimestre desse ano. Mesmo com taxas de crescimento real de 1,8%, apenas no último trimestre de 2018 será possível atingir o nível registado no último trimestre de 2007. Mais de uma década sem crescimento económico real.

Mais importante, porém, é a evolução da procura interna, que se afigura reflecte melhor o nível de vida dos portugueses (através da despesa de consumo final e do investimento). Em termos reais, o país regista em 2016 um nível de procura interna similar ao atingido em 1999. Ou seja, 17 anos de estagnação económica.

A política económica neste período pode, em parte, ser interpretada como tendo o seguinte objectivo: travar o crescimento da procura interna para procurar reequilibrar as contas externas, transformando o país de cronicamente deficitário em cronicamente excedentário nas suas trocas com o exterior, nomeadamente, ao travar o crescimento dos salários, do rendimento disponível e do emprego.

Será que foi uma boa estratégia macroeconómica?

Afigura-se que não. Se a tendência anterior de crescimento da economia se tivesse mantido, a procura interna real (e o nível de vida dos portugueses) seria cerca de 40% superior ao efectivamente registado em 2016. E, note-se, o país teve sorte porque beneficiou da queda do preço do petróleo, da desvalorização do euro e do boom das exportações do turismo. Travou-se a procura interna para melhorar as contas externas, mas a melhoria em termos reais da balança comercial de cerca de 18 mil milhões de euros (em relação à tendência) traduz-se num hiato, face à anterior linha de tendência de crescimento da procura interna, em termos reais, de cerca de 75 mil milhões de euros. O “bang for the buck” é desapontante: foi necessário “sacrificar” cerca de 4,2 euros da procura interna por cada euro de melhoria na balança comercial.  A dívida pública cresceu, mas foi possível estabilizar a dívida externa.

Enfim, após quase duas décadas de estagnação económica o crescimento económico, embora ainda fraco, regressa. Mas é preciso muito mais…

Comentários

  1. Qual era o nível de dívida e do déficit no fim do mandato do Guterres? Não tenho os dados presentes, mas duvido que justifiquem a culpa que o Sousa da Ponte atribui ao Guterres.

  2. Adenda: Concluo que 4,2 é a relação entre os declives das rectas de ajustamento da procura interna e dos saldos da balança comercial(balança de mercadorias+ balança de serviços). É esta a divisão : 72/18 dá aproximadamente 4,2.
    Melhoria da balança comercial: 18 * 10^9 euros
    Melhoria da Procura Interna: 75* 10^9 euros. Daí a conclusão: a tendência daria mais de 40% para a procura interna.

    Regressões por 22 anos. Com dados trimestrais dá 88 dados. Bons históricos. Regressão Linear pouco ajustada.

    O R quadrado com grande certeza baixo, menos que 0,5.

    Gostei deste post. Economia ciência social com firmeza – tem contas.

    Estagnação porque a 1ª, observação e a última observação ficam ao mesmo nível de ordenada(o eixo perpendicular – chamado de y)

    1. Obrigado pelos comentários. A tendência linear foi calculada com base nos dados 1T1995 ao 2T2008. R2 de 0,767.

    2. Creio ter agora percebido tudo: a regressão dos dados da procura interna(54 trimestres entre 01.01.1995 e 30.06.2008) conduziria a um resultado de mais 75 mil milhões, não fosse a restrição de a diminuir, para tornar os produtos mais competitivos mediante corte de salários. Essa restrição da procura interna de 75 mil milhões conduziu a que somente se ganhasse mais 18 mil milhões na balança comercial. Conclusão:cada euro ganho na balança comercial fez perder 4,2 na procura interna( 75/18 = 4,2).

    3. Peço desculpa. Foi lapso. Onde se lê “72/18” deve ler-se “75/18”, como, aliás, se depreende do restante texto.

    4. Mas há um pormenor que têm tendência a esquecer: é a economia que determina as vossas contas e não as vossas contas que determinam a economia. Quais teriam sido as consequências de a procura interna crescer 75 mil milhões e um prejuízo de mais 18 mil milhões na balança externa?

  3. Um post com muito interesse.

    Com a integração no euro Portugal perdeu o controlo da política monetária.

    As crises no pós 25 de Abril, nomeadamente as duas primeiras intervenções ainda antes da adesão ao euro, nomeadamente a primeira ainda na década de 70 e outra já na década de 80, em 1983, foram mais ou menos bem resolvidas pelo fenómeno da ilusão monetária. A moeda – o escudo – era desvalorizado em, por exemplo, 30% e os aumentos de salários acordados entre os sindicatos e os patrões estabeleciam aumentos de 20%. A perda de poder de compra era de 10% mas, por ilusão monetária, quase passava despercebida.

    Hoje as coisas são bem mais difíceis. Não existe desvalorização monetária, mas sim desvalorização interna, através da perda de poder de compra dos salários. Ou seja, retracção da procura interna em troca de maior competitividade externa. É uma opção que se revelou insensata: o retrocesso e a conflitualidade sociais cresceram. O equilíbrio demográfico do país perdeu-se; o país está mais envelhecido e o futuro dos mais novos ficou comprometido. O país tornou-se desigual, ,muito desigual, viciado em níveis de consumo excessivos desadequados à fragilidade social; os níveis de poupança são muito baixos.

    Em suma: trocou-se o instrumento da desvalorização monetária pela possibilidade da desvalorização material e social do factor trabalho.

    A parte do trabalho no PIB na óptica do rendimento perdeu para o capital e para os impostos.

    Esta opção é discutível. Foi a melhor opção ou foi a possibilidade que a integração no euro obrigou?

    É tempo de pensar se valeu a pena: as gerações qualificadas abandonaram o país. O país está a debandar para o litoral, desertificando o interior. Os níveis de pobreza são elevados. A precariedade laboral aumentou.

    1. Com a integração no euro Portugal perdeu o controlo da política monetária.
      O problema não está em Portugal ter perdido o controlo da política monetária, está em Portugal, pior do que ter continuado como se nada fosse ter seguido políticas que iriam fatalmente agravar o efeito dessa perda.
      Champ em particular a atenção para a política de agravamento do endividamento seguida por Guterres antes da entrada no euro.
      Fazem asneira e depois culpam os outros.

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