Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

15 de Março de 2017, 21:38

Por

Revisitando “a rã, o avestruz e o franco suíço”…

Passaram já dois anos sobre a intervenção do Banco Nacional Suíço (BNS) quando, a 15 de Janeiro de 2015, repentinamente, abandonou o “peg” ao euro e deixou o franco suíço apreciar-se. Esta semana, o Financial Times voltou ao tema, analisando a intervenção dos bancos centrais da Suíça, Dinamarca e República Checa, países com elevados e recorrentes excedentes externos, cujos bancos centrais têm, num passado recente, realizado intervenções cambiais, emitindo nova moeda para a vender nos mercados, comprando divisa estrangeira, com o objectivo de evitar uma maior apreciação da moeda nacional.

Figura 1: “Investimentos” em divisa estrangeira do Banco Nacional Suíço

BNS divisas 2
F: BNS

Em teoria, países com bancos centrais próprios seriam sempre capazes de impedir uma valorização da moeda nacional, “imprimindo” mais moeda (que na maior parte dos casos é simplesmente moeda electrónica).

Mas a teoria é quase sempre muito diferente da realidade.

Na prática, o acumular de divisas estrangeiras em grande escala tende a assustar os responsáveis dos bancos centrais que, com receio de perdas futuras, desistem, a certa altura, de manter a taxa de câmbio fixa (o “peg”) em relação a determinada moeda, resultando em elevadas perdas para o erário público desses países.

No caso do Franco Suíço (CHF), o BNS acumulou reservas de divisas de 510 mil milhões de francos até Dezembro de 2014, cerca de 425 mil milhões de euros (em diferentes divisas) se avaliados ao câmbio fixo de 1€=1,2 CHF (425=510/1,2). Ao deixar o CHF apreciar-se para cerca de 1€=1,05 a 1,10 CHF, essas divisas passaram a valer cerca de 455 mil milhões de francos suíços (~425*1,07). Por conseguinte, em 2015, os resultados do SNB deterioraram-se cerca de 58 mil milhões de euros em comparação com 2014, não obstante crescimento do seu balanço, quase exclusivamente em resultado da apreciação do franco suíço face a divisas internacionais e ao ouro.

Na realidade, como aqui argumentado, cerca de duas semanas após abandonar a taxa de câmbio fixa, o Banco Nacional Suíço  aparenta ter introduzido novamente, não oficialmente, um intervalo fixo para a taxa de câmbio de 1,05 – 1,10 francos suíços por euro. Ou seja, o BNS permitiu uma apreciação do franço suíço face ao euro, entre 9% a 14% face ao anterior “peg” de 1€=1,2 CHF, como se pode constatar da Figura 2, abaixo.

Figura 2: Cotação de um euro em francos suíços entre março de 2012 e março de 2017

taxa de câmbio EUR-CHF
F: onvista.de

 

Contudo, para o fazer, viu-se obrigado a fazer intervenções significativas no mercado cambial, desde Fevereiro de 2015, emitindo novos francos suíços e comprando divisa estrangeira, com as reservas de divisas a subir muito rapidamente como revela a Figura 1, acima.

Porque será que o BNS, após decidir abandonar a taxa de câmbio fixa face ao euro a 15 de Janeiro de 2017- que causou uma apreciação abrupta na sua moeda – introduziu de novo o “peg”? Ou seja, porque é que aceitou apenas uma apreciação tão pequena do franco suíço face ao euro?

Figura 3. Balança corrente da Suíça

balança corrente da Suíça
F: Eurostat

 

E, se olharmos para os excedentes da balança corrente da Suiça (Figura 3), eles continuam gigantescos, representando 11,5% e cerca de 10% do PIB em 2015 e 2016, respectivamente. O excedente da balança corrente de 2015 e 2016 deverá totalizar cerca de 110 mil milhões de euros (cerca de 120 mil milhões de francos suíços). Todavia, os investimentos em divisa estrangeira aumentaram cerca de 186 mil milhões de francos suíços nesse período, sendo que parte desse aumento poderá ser explicado pela apreciação do dólar face ao franco suíço nesse período.

Ou seja, a origem do capital que entra na Suíça não parece ser o resultado exclusivo da acção de especuladores, mas sim sobretudo dos elevados e recorrentes saldos da balança corrente, particularmente da balança comercial, os quais explicam cerca de 2/3 do aumento dos “investimentos” em divisa estrangeira, sugerindo que o franco suíço continua “subvalorizado”.

Afigura-se-me que existem duas razões para a alteração de minimis do BNS à política de intervenção cambial desde 2015, com a taxa de câmbio fixa a alterar-se de 1,2 CHF para 1,05-1,1 CHF por euro. Primeiro, o governo não parece querer que o franco suíço se aprecie mais para não prejudicar as empresas exportadoras do país. Segundo, e mais importante, as perdas que resultam da apreciação do franco suíço são porventura demasiado dolorosas para os responsáveis do BNS, que não as querem assumir publicamente.

Aparentemente, os responsáveis do BNS preferem enterrar a cabeça na areia –  qual avestruz –, a deixar o franco suíço apreciar-se mais. Mas o aumento das reservas de divisas do BNS, muito superior aos excedentes da balança corrente, sugere que os especuladores continuam atentos, aumentando gradualmente e de forma significativa a pressão sobre o BNS.

A continuar assim, é certo que, quando a apreciação do franco suíço finalmente ocorrer, as perdas do BNS serão imensas …

Comentários

  1. Para que serve afinal um Estado, senão para acumular prejuízos? É uma “especialidade”! Olhem suissinhos, comprem “bitcoins”, e assim podem sair mesmo de tanga! Mas há esperança para vocês no euro-dólar, essas moedas esplêndidas têm muito para cair. Mas se quiserem mesmo fazer um bom investimento, comprem Portugal, é muito acessível, e eu agradeço!

    1. Aproveito a dualidade apreciação/depreciação, para mencionar o défice comercial dos EUA em finais de 2016 e atendendo às conversações EUA-Alemanha de ontem,dia 17:

      – O déficit comercial cresceu 0,4% em 2016, relativamente ao ano anterior, atingindo 502,2 * 10^9 dólares(407,4 mil *10^9 euros);
      – A Balança Comercial de Mercadorias acusa um deficit de 750 * 10^9 dólares, ao passo que a Balança Comercial de Serviços detem um saldo positivo de 247,8 * 10^9 dólares.

      A responsabilidade pelo déficit americano não é atribuível somente à capacidade exportadora dos principais parceiros comerciais dos EUA, resultando igualmente da estrutura da economia, com baixas taxas de poupança das famílias. O ritmo de crescimento da procura interna é superior ao do crescimento do PIB, o que provoca a manutenção do déficit comercial. Porém, a política económica expansionista que Trump pretende implementar não irá resolver a questão.

      EUA – Balança Comercial – Em 10^9 Dólares

      Ano/Export./Import/Saldo

      2012/ 2219/ 2756 / -537

      2013/ 2293/ 2755/ -462

      2014/ 2377/ 2867/ -490

      2015/ 2261/ 2761/ -500

      2016/ 2209/ 2712/ -503

      EUA – 10^9 Dólares – 2016 – Principais Déficits Comerciais – 10^9 Dólares

      País / Déficit Comercial

      China / 347

      União Europeia / 146,3 (a)

      Japão / 68,9

      México / 63,2

      (a) Dos quais 64,9 estão adstritos à Alemanha e 15,9 à França.

      FONTE: USA CENSUS BUREAU(LE MONDE)

      (O déficit comercial de 2016 dos EUA equivale a aproximadamente a três vezes o valor do PIB português).

    2. O déficit comercial de 2016 do EUA é, mais exactamente, 407,4/170 = 2,38, aprox. 2,5 vezes o PIB português.

  2. Percebe-se o que o post refere se considerarmos:

    (1)Balança Comercial: Exportação de Mercadorias – Importação de Mercadorias,;
    (2)Balança Serviços: Exportação de Serviços – Importação de Serviços;
    (3)Balança Bens e Serviços: (1) + (2);
    (4)Balança Rendimentos: Rendimentos Recebidos Estrangeiro – Rendimentos Pagos Estrangeiro;
    (5)Balança Transferências: Transferências Recebidas Estrangeiro – Transferências Pagas Estrangeiro;
    (6)Balança Corrente: (3) + (4) + (5);
    (7)Balança Capitais: Entrada Capitais – Saída Capitais;
    (8)Balança Pagamentos: (6) + (7).

    Vista a definição de Balança Corrente acima descrita, se o franco suiço continua subvalorizado então é um caso parecido ao que neste momento gera confronto entre a Alemanha e os EUA. A Alemanha detém resultados favoráveis nas relações comerciais. Trump alega que o Euro é o marco subvalorizado.

    Quanto ao parágrafo final: se a moeda aprecia compra mais com o mesmo dinheiro e vende menos com o mesmo dinheiro, ou seja, importa mais que compra e é negativo o saldo de (3) :se a moeda deprecia passa-se o contrário e o saldo de (3) é positivo.

    Os minimis são apoios do BNS aos bancos do mercado.

    A luta entre a rã e a avestruz – especuladores e banqueiros..

    Mais uma referência: peg é o regime de taxas de câmbio que permite depreciação ou apreciação(neste caso relativamente ao Euro). Parte variável dum regime de taxas de câmbios fixos.

  3. Há uma coisa que também não entendo.
    O Banco nacional Suíço não é o dono da «mina»? Se o produto que está na mina se valoriza…

  4. Sou leigo nesta matéria, mas gostava de perceber a lógica da valorização/desvalorização da moeda, neste caso do franco suíço. Se o valor da moeda reflecte/incorpora o valor da sua economia,o excedente da sua balança comercial. Por outro lado também me parece lógico que as taxas de juro negativas para impedir a atractividade de franco e a emissão de novos francos tende a desvalorizar a moeda; daí não perceber o raciocino: “A continuar assim, é certo que, quando a apreciação do franco suíço finalmente ocorrer, as perdas do BNS serão imensas…” A minha pergunta é: neste contexto porque é que o franco se deva valorizar?

    1. O Franco Suíço não flutua livremente. O BNS intervém no mercado para evitar que este se aprecie. Ao fazê-lo acumula divisas que estão a crescer muito rapidamente (Figura 1), cerca de 100 mil milhões de francos suíços só em 2016. Tal processo pode continuar por vários anos e pode até acelerar. E, em algum ponto, pode levar os responsáveis do BNS a deixar o CHF apreciar-se de novo. O volume de perdas depende da quantidade de divisas estrangeiras que o BNS acumular até essa data.

    2. Obrigado por a sua resposta.

      É óbvio que o BNS defende a barreira de 1.05 CHF o gráfico comprova isso, e a finalidade é proteger as exportações, tendo em conta que a zona euro representa 53.74% do total exportações suíças.

      Mas o cenário da valorização do franco não perece causar pavor aos investidores privados dado que a acção BNS valorizou 89% de Janeiro a Novembro 2016 ( 40% das acções da BNS pertencem a privados).
      Em 2016 o BNS teve um beneficio de 24,5 mil milhões de francos.

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