Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

21 de Fevereiro de 2017, 11:55

Por

O mistério Domingues

António Domingues tornou-se para mim um denso mistério. Não o conhecendo pessoalmente, não tinha sobre ele qualquer parti pris, mas, sabendo do seu desempenho no BPI, elogiei a sua escolha para a CGD. Pareceu-me vantajoso sair do labirinto das nomeações políticas, escolher gestores com provas dadas e começar uma nova fase na Caixa. Esperava tranquilidade, cuidado e estratégia.

A primeira desilusão veio com a escolha dos 19 membros do conselho de administração (que o governo aceitou, e mal), incluindo representantes de grandes empresas que têm negócios com a Caixa e pessoas que não mereciam ter sido metidas ao barulho. A segunda desilusão veio com a dupla exigência de salários de excepção e da mudança do Estatuto do Gestor Público (que o governo também aceitou e também mal). Seiscentos mil euros para quem já tem uma reforma confortável é um pouco excessivo. Uma lei feita à medida de uma pessoa ou grupo de pessoas é certamente muito excessivo.

Os dois excessos demonstravam um facto que se tornou crucial nesta novela: Domingues e a sua equipa consideram-se acima do nosso mundo, pois exigiam um pagamento de mandarins e uma lei especialmente talhada à sua medida. Reclamavam ser reconhecidos como uma casta, imune aos deveres correntes do cidadão. A radicalização desta reivindicação de casta levou à insensatez da recusa da declaração de património, onde se perderam: o Tribunal Constitucional segue naturalmente a lei e obriga-os a todos a fazerem o registo, mesmo que só tenham passado algumas semanas no cargo; e, politicamente exposto o intuito, nem o governo nem o Presidente sustentaram esta teimosia.

De facto, Domingues e os seus podiam ter feito a declaração, que nada mais revelaria do que a evidência banal de já terem ganho muito dinheiro nas suas carreiras, e beneficiariam então da largueza do contrato que os empossou. Aparentemente, só não aceitaram a tal declaração por isso ofender esse seu sentimento de casta.

Não existe nisto qualquer particularidade nacional. Os banqueiros, ou muitos deles, recuperaram desde a crise de 2007-2008 um estatuto e um poder que permitiu que os accionistas e o público aceitassem compensações abundantes, mesmo quando os resultados são escassos. Em consequência, a autoridade de supervisão bancária europeia registou um aumento dos rendimentos dos banqueiros e, contando unicamente os 5142 que recebem mais de um milhão, temos uma conta calada de 10,3 mil milhões.

Na lista mundial, o “nosso” Horta Osório é o 11º banqueiro mais bem pago do mundo, com onze milhões, superado por gente como Jamie Dimon, da JP Morgan Chase, com 28, e Lloyd Blankfein, da Goldman Sachs, com 23 milhões, o que acordou alguns movimentos para a realidade da trapaça financeira desenvolvida por certas generosas instituições (veja-se o recente artigo de George Clooney e John Prendergast sobre os bancos ingleses). Tudo isto bem acima de um Domingues, que poderia chegar a receber um pouco mais de 600 mil, e mesmo acima daquele banqueiro português que, nos bons tempos do BCP, chegou aos três milhões. Mas impor uma lei especial para si próprio, isso não sei se os outros conseguiriam.

Temos portanto a afirmação de casta no cerne de toda a questão. Mas a partir daí é o mistério: o que quer o homem? Depois de substituído, Domingues iniciou um périplo de encontros com as mais improváveis pessoas, foi falar com jornalistas, a uns apresentou argumentos e a outros mostrou mails e SMS. Encarregou um amigo de levar ao Presidente as suas comunicações privadas não se sabe com quem. E tudo isto com uma alegria que contagiou os dirigentes do PSD e CDS e os animou a lançarem a movida das suas vidas, sugerindo arrastar para a barra de uma comissão de inquérito o Primeiro-ministro e, em pessoa ou por interposta figura de Lobo Xavier, o Presidente, com quem têm tanta conta a ajustar. Tudo isto precisa da suspeita mas também de se manter a ignorância dos SMS; entretanto, os jornais que já os conhecem não fizeram deles nada de entusiasmante e competência para tal não lhes falta.

Não sei pois o que quer Domingues, que o possa levar a lembrar todos os dias ao país que quis uma lei especial, que quis 600 mil euros e que se recusou a mostrar a declaração de património (e que ninguém mais se pode arriscar a mandar-lhe uma mensagem privada). Vingança, não pode ser: ele tornou-se a principal vítima da imprensa sobre o caso. Reparação, também não: é tudo irreparável, do erro do governo às suas próprias escolhas.

A minha pergunta então é só esta: dentro de uns meses, de que nos lembraremos? De que houve um banqueiro em que confiámos que nos disse que não confiava em Portugal e que portanto não cumpria a lei que foi concebida para prevenir a corrupção, por ter um direito especial de casta, ponto final.

Comentários

  1. O Lobo Xavier defendeu sempre os interesses nacionais a cima de quaisquer outros, até terem começado ” a crucificar” o seu amigo…, quando isso aconteceu, interesses nacionais à parte e há que vir a terreiro na defesa veemente do amigo….e isto é de pessoa muito decente…

  2. “competencia para isso não lhes falta” Eu até acho que os pasquins tem sido bem competentes no tiro ao alvo ao actual ministro das finanças(alias,nos ultimos tempos,é so SMS para cima,SMS para baixo).E se este fosse o unico “problema” deste país,estavamos nós muito bem.Mais:acho que a dita Geringonça tem estado bem.P.S-alguem viu por aí 10.000 milhões de euros a voar?

  3. Penso que a seguinte frase não está clara “Tudo isto precisa da suspeita mas também de se manter a ignorância dos SMS; entretanto, os jornais que já os conhecem não fizeram deles nada de entusiasmante e competência para tal não lhes falta.”
    Tudo isto precisa que os SMS se mantenham na ignorância, mas sob suspeita. Eu suspeito dos jornais que já os conhecem e não fizeram deles nada. Será isto que quer dizer?

  4. (1) Reflectir sobre a actividade bancária:os primórdios, as funções e a gestão.

    O princípio: grupos de indivíduos que, por espírito de caridade, se propunham conceder crédito aos mais desfavorecidos, sem cobrança de juros. Estamos nos primórdios do Século XVI, em Itália, França e Espanha. Estas organizações começam, pouco a pouco, para fazerem face a encargos de funcionamento, a cobrarem juros. Estava fundado o princípio gerador da actividade bancária.

    A expansão marítima e colonial tornou mais complexa a actividade destas organizações.

    Com o aparecimento do papel-moeda torna-se necessário a criação de contas, individualizando o património de cada depositante.

    Progressivamente são estabelecidos três tipos de moedas: a metálica(para trocos), a fiduciária(notas) e a escritural(dos registos bancários). Surgem os bancos emissores.

    (2) A gestão

    Abarca as formas de concessão de créditos; os métodos de análise dos pedidos de crédito; métodos para minimizar o risco de crédito; gestão do crédito.

    (3) Controlo de Gestão

    (4) Instrumentos de Cobertura de Risco

    (5) Inovação Financeira

    (6) O que se passou na CGD é que foram chamados comissários políticos, nomeados pelos partidos do centrão(PS/PSD/CDS), que não poderiam ter capacidades para uma boa performance profissional. Então, julgou-se por mais conveniente chamar-se gente com competências para suprir as lacunas nas competências em gestão.

    Surgem então algumas questões:

    Como é que se justifica que nesta actividade se pratiquem salários astronómicos na remuneração dos gestores bancários? A dificuldade das tarefas? Não parece. Até se pode questionar: onde está a dificuldade da coisa? Lida-se com riscos mas não é nada de excepcional. Estes lugares de gestão exigem que se tenha uma rede alargada de contactos? Talvez. As outras actividades profissionais ficam, perante isto, desvalorizadas. Poderá, inclusivamente, contribuir para quebras de produtividade em actividades cruciais para a manutenção da vida e da sociedade: médicos, cientistas, investigadores, técnicos de segurança e outros. Pode contribuir para o estado de anomia da sociedade -Durkheim acreditava que deveriam existir normas sociais para o bom funcionamento das actividades. Ora, isto dá nota da existência de um certo grau de anomia – ausência de normas, a ANOMIA. Isto é salutar para a ordem e a integração social? Quais as consequências para o comportamento de pessoas e grupos perante estas situações de disfuncionalidade? Contribuem para alargar o fosso das desigualdades na sociedade, duma forma que a esmagadora das pessoas, à luz do mais elementar bom senso, condena. Como admitir que alguém ganhe um chorudo salário sem se perceber porquê. Como se justifica esta prática?

    Gostaria de ser esclarecido sobre as questões que levanto. E até conheço algo do sector financeiro porque trabalhei nele algumas décadas. Mas esta situação da banca para mim é incompreensível.

    Não contesto o dinheiro que o Cristiano Ronaldo ganha. É bem ganho – é ele que contribui para as receitas mirabolantes que o seu clube encaixa.

    Não contesto o dinheiro que um/uma trabalhador/trabalhadora aufere. Dá o melhor de si e tem o espírito de servir o melhor que sabe.

    Mas no caso dos banqueiros só vejo que somos nós, utilizadores dos serviços bancários, que pagamos cada vez mais comissões por serviços que aparentemente nos prestam. Para cobrir salários exorbitantes.É uma actividade cara para o cliente, devido aos salários escandalosos que os gestores auferem.

    Se começamos a utilizar o homebanking em massa isto faz minorar o volume de atendimentos nos balcões dos bancos. Os bancos extinguem postos de trabalho, mas, inexplicavelmente, cobram o serviço de homebanking aos seus clientes. É um exemplo de um aparente poder-opressão que a banca exerce sobre nós.

    Um questão final: os contribuintes serão sempre chamados a cobrir os erros técnicos de gestão e as imparidades provocadas pelos comissários políticos. São milhões e milhões. Qual é a moralidade disto tudo?

  5. O garimpeiro e a quadrilha só não impuseram o que pretendiam porque não havia maioria absoluta nem de péesses nem de péessesdês. Tivessem as clientelas poder suficiente na AR e outro galo cantaria. A mim nunca me enganou, como se pode ver nos arquivos do blog.

  6. Eu, se fosse aos Geringonços, tinha cuidado, porque Rui Ramos, o cronista mais fascista do jornal fascista-fashion-trumpista-científico Observador, sempre á frente da frente coelheira, e que mete no bolso qualquer cronista coelheiro que se aproxime sequer do Coelho, já comparou o caso da mentira de Centeno para poder contratar um banqueiro de renome, o António Domingues, ao caso Watergates, e, segundo vi nas próprias SMS de Rui Ramos, para a semana o homem vai comparar com o caso à não existência de armas de destruição maciça o Iraque, envolvendo o próprio Durão Iraquiano.

    E, entretanto, o PSD corre o risco de baixar dos 20% nas próximas eleições autárquicas, e a culpa é da tal ‘percepção mútua’ que os portugueses têm, principalmente quando a comunicação social 90% de direita, teima em dar voz a quem quer á força da força privatizar o único banco português que ainda existe em Portugal (sim, para o PSD-CDS temos que ser flagelados), e depois da também ‘percepção mútua’ do PSD-CDS terem tentado mudar a Constituição uma semana depois das eleições (‘percepção mútua com esteróides’).

    1. Os deputados da República não foram eleitos para bisbilhotarem mensagens de Telemóveis. Quanto ao Sr . Antônio Domingues os últimos dias falam por si.

  7. E haverá lá alguma maior justificação para os exorbitantes salários que auferem do que o risco que correm de acabar atrás das grades, como tem acontecido a tantos outros banqueiros e agentes da alta finança? Quanto menos claros forem os rastros dos dinheiros que auferem melhor. Vale portanto muito a pena ser ousado a escamotear a vida íntima desses dinheiros auferidos e de para o efeito ter muita imaginação. É disso que nos vamos lembrar: da necessidade de escamotear e impedir transparência às custas de muita ousadia e imaginação. Consequências? Nenhumas, ou muito poucas. Até o perjúrio de quem alegadamente mentiu numa comissão de inquérito não passa de “fait-divers”.

  8. Bem, mas Domingues acabou por aceitar entregar a tal declaração ao TC. Sendo assim, deixou-se ensarilhar por redes que não dominará em vez de guardar de Conrado o prudente silêncio ? Mas no meio disto tudo, salvar-se-à a Caixa ou sera mais um banco a desmantelar, como convém à nata dos banqueiros ? Residirá aqui o cerne de toda esta questão ?

  9. A incontornável verdade é que actuação de António Domingues, manteve e continua a manter refém um ministro e a comprometer um governo , numa iniciativa de reestruturação de um banco público, a que foi convidado a presidir pelos mesmos que mantém suspensos das informações que detém.Se nos detivermos, por alguns instantes, na apreciação do que foi a história do século XXI português, até hoje, teremos que concluir que grande parte desse historial assenta nas manobras, conluios, cumplicidades que se fizeram e desfizeram, à sombra da banca e em que os sucessivos personagens e intérpretes ficaram sempre a ganhar, quase sempre longe dos olhares indiscretos e da devassa da populaça, em nome de um sigilo de fachada e da preservação do sector bancário do Armagedeon, sempre anunciado mas que acaba por deixar as vitímas em tudo o que são depositantes e contribuintes, de micro, mini e pequena dimensão. Os outros, continuam a manter o circuitos de transferência de capitais para as Bahamas, Panamá, Emiratos ou, ainda mais perto, para as ilhas do canal que, talvez, aproveitando as oportunidades do Brexit, foram retiradas da lista negra dos offshores pelas autoridades financeiras nacionais.

  10. Professor Louçã
    Muitos Parabéns, pela sua nota, concordo inteiramente com tudo o que escreveu.
    Para mim o principal erro do Ministro, foi ter convidado o senhor Domingues, que já se percebeu, não ser pessoa confiável !
    quem terá sugerido ao Ministro o seu nome ? Terá sido Lobo Xavier ? que tem tido, em tudo isto, um comportamento, muito manhoso e vergonhoso ! não sabia ele, como advogado de um grande escritório, que a lei de 83 estava em vigor, quem aconselhou ao senhor Domingues o escritório de advogados Sá Carneiro, pelos vistos tão incompetente ….

  11. O António Domingues, ao que parece, já ganhava o mesmo salário (de casta) no BPI.
    Portanto, quando recebeu a proposta não poderia pensar em outra coisa mais do que aumentar o seu curriculum e, sendo ingénuo, ajudar de alguma forma o pais com os seus conhecimentos.
    Tendo sido contactado para o cargo, fez exigências, semelhantes aliás às que já tinha no BPI, onde não tinha que declarar o seu património. Achava também que isso lhe ajudaria a encontrar uma equipa competente propagando a exigência à equipa. É certo que poderia ser santo e não as ter feito, mas fez.
    A culpa é por isso de quem aceitou as exigências. Eu se estiver cómodo com o meu emprego e receber uma proposta, posso pedir um valor exagerado e esperar a ver o que me dizem. Se aceitarem, será que depois podem acusar-me de estar a abusar do meu novo patrão ou pertencer a uma casta (à qual até já pertencia)? Duvido.

  12. Isto não me parece correcto: “Uma lei feita à medida de uma pessoa ou grupo de pessoas é certamente muito excessivo”. Não é muito nem pouco. Não é aceitável em democracia!

    1. Ah! Assim já se percebe melhor como este Domingues conseguiu construir esta enorme patranha. É que até aqui os media diziam genericamente que era um homem altamente respeitável e de grande prestígio, incluindo não ter inclinações políticas. Só se começou a perceber melhor quando se soube que L Xavier está metido nisto até às orelhas, mas agora realmente deixa de ser mistério e é mesmo um homem repugnante.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Tópicos

Pesquisa

Arquivo