Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

António Bagão Félix

20 de Fevereiro de 2017, 10:16

Por

Erro de percepção mútuo

Erro de percepção mútuo” é um novo eufemismo na política portuguesa. Algures entre inverdade, mentira entre aspas, omissão, inexactidão, lapso ou “e-mentira”.

Como o adjectivo foi dito no masculino (“mútuo”) poderemos concluir que se refere ao erro, ao contrário do que foi noticiado com o adjectivo no feminino, logo associado à percepção.

Foi no que deu uma troca de mensagens, vulgo SMS. Escreve-se A e percebe-se B e, ao invés escreve-se B e percebe-se A. Ou seja, uma das partes escreve A e percebe A do que leu da outra parte e esta escreve B e B também percebe do que leu da outra parte. Ora sendo A e B diferentes, o erro mútuo seria evidente. Acontece que a percepção é igual, pela simples razão que, no fim de contas, A e B são a mesma coisa ou, dito de outra forma, A é o que uma parte chama B e B é o que a outra parte chama A. Confuso quanto baste e como convém.

Quase parece, matematicamente, uma involução, ou seja, uma função que é inversa de si própria. Ou, em linguagem popular, dizendo-se que tanto faz estar de pernas para o ar, como de cabeça no ar. Em suma, uma involução na evolução.

No caso que ora se discute urbi et orbi, o ministro diz que não disse depois de ter dito que havia dito (há tempos, emitiu comunicado a reafirmar a interpretação de que a nova lei isentaria os novos administradores da apresentação de declaração de património). Como se vê, um erro mútuo, se considerarmos o do próprio, antes e o do próprio, agora.

Caricaturalmente, bem se poderia aplicar a este imbróglio o princípio atribuído ao filósofo alemão do século XIX Gustav Fechner: “a sensação (percepção) varia como o logaritmo da excitação”, sabendo-se que, muitas vezes, a percepção não é mais do que uma ilusão.

A outra palavra da rebuscada frase – “mútuo” – é, apesar de tudo, mais objectivável. Mútuo, neste caso, quer dizer algo que aconteceu (o erro) reciprocamente, isto é, entre duas pessoas. Só que não faz muito sentido que uma das partes considere que houve um erro mútuo, quando a outra parte, até agora silenciosa, nada tenha dito sobre o assunto e até tenha decidido no pressuposto de não ter havido erro.

Também parece que o PM nada sabia da mutualidade do erro. E muito menos da percepção. A lei aprovada passou-lhe ao lado. Estava distraído, certamente.

Uma lei que, pelos vistos, foi concebida por advogados mútuos. Ou melhor, o legislador delegou no não legislador para que não houvesse “erro de percepção mútuo”. Tanta prevenção e zelo, e mesmo assim, correu mutuamente mal.

A propósito deste caso, já há apostas (mútuas) quanto ao seu desfecho, ainda que o PM tenha dado o assunto por encerrado administrativamente, como é seu hábito, sempre que se sente acossado.

Mas haverá alguma alminha que acredite nesta “história da carochinha”? Mesmo César & Galamba, que tudo fazem para que o erro fique mutuamente envolto num ignoto nevoeiro? Notável o argumento da confidencialidade em função do instrumento usado e não do assunto em causa: ofício, não sigiloso; email, depende, telemóvel, jamais!

O caso até parece insignificante. Só que a verdade ainda tem valor. Pelo menos ético, logo político. E, por falar em mútuo, há ainda o valor ético do respeito mútuo. Sobretudo honrando a sensatez e a paciência dos portugueses que assistem a tudo isto perplexos e fartos. É sempre preferível assumir um erro sem tibiezas do que se enredar ou deixar enredar numa teia de mentirolas e incoerências travestidas.

Como dizia o poeta Mário Quintana, “a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.”

Comentários

  1. O autor do post julgou por conveniente trazer o assunto à discussão. Por mim, resolvi escrever um pequeno glossário. O resto já todos sabemos e lamentamos.

    (1) Involução

    É uma coisa que se define por ela própria. Anda em ciclo, não sai do mesmo sítio.

    Se f(x) = x claro que f(f(x))= x, porque x=f(x). Quer dizer: volta, dobra ou gira para dentro, para o interior.

    (2) Excitação e sensação(percepção)

    Excitação / Sensação/Percepção (em logaritmos decimais)

    10 /1(10^1 = 10)
    100/2(10^2=100)
    1000/3(10^3=1000)
    Como se vê a sensação(percepção) cresce muito pouco com o aumento exponencial da excitação. O objectivo é fazer muito barulho só para desviar as atenções,

    (3) Mutualidade – princípio que se baseia na entidade mútua, na contribuição de todos para benefício individual de cada um dos contribuintes. Mutualidade do erro – todos contríbuiram para a encrenca e todos saíram prejudicados por ela. …

  2. Que discussão tão importante.
    Só não cheguei a perceber foi o resultado do A + B = ?
    0 será?
    Enquanto que o irrevogável foi-nos muito caro e ainda não houve nenhuma comissão.
    E agora figiram 10 mil milhões e todos fizeram vista grossa.
    Pergunto eu, discutiamos o quê mesmo?

  3. O que terá a dizer o autor deste texto sobre a fuga aos impostos que a Maria Luísa Albuquerque fechou os olhos! Isto, sim, é que temos direito a saber. Porque cortaram salários e pensões aos mesmos de sempre e isentaram os especuladores!!!! Só a prisão me deixava descansada. Tanta gente ficou sem casa, trabalho, salário e pensões!!! Quero lá saber dos SMS!!!

  4. Farto, sim, mas é das romarias da Oposição. A mentira é grave? É. Houve intenção de dolo? Aparentemente não. Um pedido de desculpas em devido tempo tiraria o pão da boca à Oposição.

    É pena não ter havido tanta celeuma nas desventuras de uma certa Maria com certas swaps ou quando um certo Pedro não quis fazer o «streap-tease» das suas contas. Mas agora quer o strep-tease do telemóvel do Mário. Deploráveis!

  5. Ora Ora ! no meio deste imbróglio com Frei Tomás, Madre Tomásia e Montesnegros como pudibundas virgens ofendidas sem que o espelho lhes diga qual delas é mais mentirosa diz o roto para o nú. «Entre mentirosos/as, entre passes e cristas na onda, venha o diabo finalmente e que escolha quem vence o “campionato” das inverdades e possa dizer desta água nunca bebi.»

  6. Ou, se quisermos parafrasear Berkeley, o filósofo irlandês idealista para quem a percepção é a única realidade que existe, “Quem diz que não existe tal coisa como um homem honesto é ele próprio desonesto”.

    A expressão usada, como eufemismo, é excelente, de facto. Mas nada convincente, há que dizer.
    O eufemismo pretende nos convencer que quem mentiu e/ou enganou não sabia que o estava a fazer. Mas as partes envolvidas não se podem descartar com essa facilidade de um imbróglio em que estão tão intimamente envolvidas. “Só se estivéssemos lelés da cuca”, como escreveu David Diniz há dias, aqui no PÚBLICO.

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