Na política nacional, há uma longa prática que foge à regra de que qualquer regra tem excepção. E qual é ela? Se as coisas estão a correr mal, eis que a culpa reside no exterior. Se as coisas estão a correr melhor, logo se conclui que assim é em resultado da nossa exclusiva boa governação. Por outras palavras, soberania limitadíssima para justificar o negativo, soberania completa para explicar as boas notícias. E o curioso é que há quem continue a acreditar nesta dicotomia, quando se sabe que mesmo quem o diz ou anuncia não acredita.
De algum modo relacionada com esta ambivalência, está a apreciação das previsões, relatórios ou recomendações de organizações nacionais independentes ou internacionais. Por cá, refiro-me sobretudo ao isento e competente, por isso, incómodo trabalho da UTAO, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, junto da Assembleia da República e aos criteriosos documentos emanados do Conselho das Finanças Públicas. E, ainda, ao Banco de Portugal e aos escassamente respeitados relatórios do Tribunal de Contas. Lá fora, temos, entre muitos outros, a OCDE, o FMI, o Eurostat, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e as agências de notação que acompanham as instituições portuguesas. E se é certo que, não raro, estas organizações com toda a sua expertise falham rotundamente e tiram o cavalinho da chuva quando lhes convém, vivendo sob o manto da sua inércia de respeitabilidade, a atitude das autoridades nacionais é delas falar em função das conveniências. Assim, são bem-vindas e certificadoras da excelência nacional se as notícias são agradáveis, mas as mesmíssimas instituições são erráticas, pessimistas e pouco importam se nos trazem más notícias para o que se quer fazer passar por boas novas. Agora sem a tróica, às vezes são olhadas como uma espécie de “cavalo de tróica”, que só atrapalha e desilude. Bipolarmente, temos assim: UTAO, umas vezes certa, outras incompleta. OCDE, prestigiada ou desactualizada. FMI, amigo ou inimigo. Comissão Europeia, estimulante ou decepcionante. Agências de notação, justas ou injustas. Etc.
Entretanto, voltou o espectro do “Grexit”, para surpresa de alguns distraídos e optimistas empedernidos. Voltou sobretudo por uma tão simples, quanto velha razão: problemas estruturais exigem soluções de fundo, ou seja, não se resolve a questão da dívida pública apenas com reformas (se, de facto, as houver), mas, concomitantemente, enfrentando, sem hesitação e sem o simulacro europeu do “faz-de-conta”, a própria avaliação e gestão da dívida. A Europa, de vez em quando, soluça, faz uns relatórios, discute numas cimeiras este crucial assunto para o futuro da União, mas, no fim, nada acontece. Uma indigência que talvez convenha ao sossego do directório europeu e do “gravy train” bruxelense, mas uma procrastinação que torna cada vez mais insolúveis os problemas do futuro dos países em dificuldade.
Como diz um amigo meu, a situação do mundo está tão imprevisível (e não apenas incerta) que já nem o futuro é o que era. EUA, Brexit, China, Rússia, migrações, radicalismos, próximas eleições na Alemanha, França e Holanda são factores cujos estilhaços podem provocar situações incontroláveis nos fundamentais dos países europeus mais vulneráveis.
Mas cá na nossa terra, vai tudo na melhor. Até o paupérrimo crescimento é motivo de satisfação. Dívida, essa então, vade retro satanas! Coisa menor, que o tempo e a fezada super optimista resolverão. Reformas, só se discutem as contra-reformas. Sistema financeiro, “vai bem e recomenda-se”. Valha-nos o BCE.
Não sei se era a intenção do Bagão Félix, mas a conclusão a retirar do seu texto é que os de cá são trengos e os de lá trengos são. Salva–se o Bagão Félix e eu.
Texto extremamente bem escrito. Informativo e muitíssimo prazeroso de ler como é disso apanágio todo o historial deste blog.
No seu texto [Na política nacional (…) Valha-nos o BCE] contam-se 553 palavras.
Para a coisa ficar mais matemática podíamos adicionar duas palavras, que as sociedades tanto precisam: BAN SMOKING.
Ficaríamos assim com 555 palavras e o texto ficaria perfeito.
Como engenheiro que sou gosto de fazer contas. E pensei, e se calculássemos quanto tempo demoram os reclusos, em penitenciárias portuguesas, atualmente a cumprir pena a fumar 555 cigarros?! Vai ser giro ver o resultado, não acham? Aceitam o desafio? Vamos a isso!
Para tal vou precisar de alguns dados. Quais?
Bom, pensemos um pouco. Vamos ver.
Sugiro então:
a) Número de presos que fumam. (Vamos usar número total de presos em Portugal multiplicado pela média mundial de percentagem de pessoas que fumam. Deve ser fácil de encontrar na net. Acho que é um em cinco. Vamos usar um em cinco para não ter que ir ver ao google o valor exato).
b) Número de cigarros que cada um fuma por dia. Vamos supor que são dezasseis. É um número que eu gosto e que me parece razoável supor. Não deve ser muito mais, nem muito menos. Anda ali. Uns dezasseis cigarritos por dia para cada recluso. Mais coisa menos coisa.
c) E finalmente, número de segundos de um dia, pois queremos a resposta final em segundos. 24 horas X 60 minutos X 60 segundos = 86,400.
Então, vamos à net e tal, e vem então:
a) 14,000
b) 16
c) 86,400
Número total de cigarros fumado por dia é: 14,000 X 16 = 224,000 (É um número bem bonito e que devia, digo eu, aparecer na televisão…)
Portanto, os nossos presos fumam um cigarro a cada (224,000 / 86,400 ) segundos.
Dá 2.(592)s (Não é um número tão bonito mas, digo eu, devia também aparecer na televisão…)
Podemos dizer, que é a cada dois segundos e meio, sem ninguém ficar chateado e a dizer que não estamos a ser rigorosos?
Dois segundos e meio, está bem? Espero que sim. Então vá.
A cada dois segundos e meio, um recluso em Portugal fuma o belo do seu cigarrito. Em média, está claro.
Ora, voltemos ao ponto inicial. Queremos saber quanto tempo demoram os nossos presos a fumar 555 cigarros.
Com efeito, se fumam um a cada dois segundos e meio, fumam 555 em (555 X 2.5 = 1387.5) 1388 segundos.
Ou seja, uns vinte e três minutos. Se eu demorasse 23 minutos a ler este texto, um preso teria fumado um cigarro por cada palavra lida.
Não está mal. Foi mais ou menos o tempo que demorei a ler e a escrever esta minha resposta ao interessante texto.
PS. Dei conta que não usa o corretor ortográfico da Porto Editora, pois começa com política, que sendo esdrúxula merece acento parlamentar… Ah ah!
Devemos começar pelo mais fácil. Em Latim: dīvide et īmpera.
Ah! Afinal não era assim tão difícil. Cá está. #BANSMOKING #555
Oops, esqueci-me de dividir 14,000 por cinco.
Mas, não faz mal porque o número de reclusos que fumam deve ser muitíssimo elevado.
Já percebi, também estou na mesma fase, no meu caso com champix posso relatar à segunda semana dor de cabeça e prisão de ventre. Força companheiro!!