Dificilmente a actuação do BCE (Mecanismo Único de Supervisão) e da Comissão Europeia em relação ao Monte dei Paschi di Siena poderia ter sido mais destrutiva.
Primeiro, ao criar desde 2014 uma enorme incerteza sobre toda a banca europeia, nomeadamente com o aumento dos requisitos de capital de forma relativamente discricionária e com a introdução de novas regras de resolução que só deixam um único instrumento disponível para todos os problemas: o “bail-in” (eufemismo que significa confisco) de depósitos, de dívida senior e de dívida subordinada, que restringe de forma drástica a capacidade de intervenção de um Estado membro na sua banca. Não é de admirar que, desde então, se tenha tornado progressivamente mais difícil realizar aumentos de capital na banca.
Segundo, ao criar a “ficção” (via Direcção Geral da Concorrência da União Europeia) que só se admitiriam soluções de recapitalização por parte do sector privado em bancos, por exemplo, com um balanço de 160 mil milhões de euros (como o do Monte dei Paschi).
Terceiro, ao desenhar testes de stress, em conjunto com a Autoridade Bancária Europeia que, na prática, ao contrário do determinado pela directiva europeia CRR/CRDIV e pelos acordos de Basileia, obrigam os bancos de países do Sul a manter rácios de capital mais elevados do que a banca dos países do Norte.
Quarto, ao permitir que grandes bancos desenvolvam modelos teóricos para modelar o risco dos seus activos, que sugerem que esses bancos apresentam menor risco do que na realidade possuem, e ignorando rácios de capital mais simples – o rácio de alavancagem – que sugerem precisamente o contrário.
Em resultado de todos estes constrangimentos artificiais, verdadeiramente um conjunto de impossibilidades, a Itália perdeu mais de um ano a desenhar uma solução “privada” para recapitalizar a banca italiana, solução essa nado-morta à nascença, porque complicada e de dimensão claramente insuficiente face à escala dos problemas.
Nos últimos meses, a Itália insatisfeita com as “soluções” de Bruxelas e de Frankfurt, resolveu seguir o seu próprio caminho, tendo recentemente aprovado um fundo público de 20 mil milhões de euros para recapitalizar a banca, dos quais, 5 mil milhões de euros seriam destinados ao Monte dei Paschi.
Mas entretanto, devido a toda a pressão do BCE e aos requisitos de testes de liquidez dos acordos de Basileia, que supostamente indicam que o banco não cumpriria os requisitos de liquidez no futuro (“29 dias depois”), sendo obrigado a recorrer a outros instrumentos de liquidez disponíveis se ocorresse uma saída de depósitos de 10,4 mil milhões de euros no mês seguinte, “surprise surprise”, segundo o próprio BCE, acentua-se uma corrida aos depósitos no Monte dei Paschi entre o final de Novembro e 21 de Dezembro, num banco que já tinha visto sair 14 mil milhões de euros de depósitos (18% do total) nos primeiros nove meses do ano.
O BCE autoriza finalmente uma “recapitalização precaucionária” pelo Estado Italiano do banco Monte dei Paschi di Siena, mas exige um aumento de capital de 8,8 mil milhões de euros, e não de 5 mil milhões de euros como exigia antes, i.e., 76% mais do que exigia anteriormente, simplesmente porque o pode fazer. Alega que a deterioração da posição de liquidez do banco – note-se que causada pela própria actuação do BCE – leva ao aumento das necessidades de capital do banco.
Ora esta decisão: não tem precedentes; não parece ter fundamento com base nas actuais regras; e vai gerar muito mais instabilidade na banca da zona euro. O sector passa a saber que o BCE pode exigir, precisamente na altura mais crítica, quando ocorrem fugas de depósitos, aumentos de capital drásticos com base precisamente em fugas de depósitos.
Acresce que o Presidente do Bundesbank e outros responsáveis alemães, acrescentam lenha à fogueira argumentando que a recapitalização do Monte dei Paschi deve estar sujeita a um cuidadoso escrutínio.
O único aspecto positivo a retirar de mais este episódio lamentável, é que a recapitalização do Monte dei Paschi representa o princípio do fim, menos de um ano volvido, da entrada em vigor do Mecanismo Único de Resolução, das regras da União Bancária que obrigam ao bail-in de depósitos e de dívida no caso de dificuldades, que não ocorre neste caso. E ainda bem que tal ocorre. Não destroem o Monte dei Paschi como ocorreu em Portugal com o Banif e com o BES. É só pena que Portugal tenha, de forma voluntarista e naïve, autodestruído o seu sistema bancário para cumprir regras que só se aplicam aos países fracos e pequenos da zona euro.
P.S.(29.12.2016, 16:47h): O Governo italiano (primeiro-ministro e ministro da economia e finanças, entre outros) reagiram com surpresa e desagrado à decisão do BCE (http://www.reuters.com/article/us-eurozone-banks-italy-montepaschi-idUSKBN14I17F?il=0).
P.S.S. (5.1.2017): Corrige “Siena”.
Como nota, “É só pena que Portugal tenha, de forma voluntarista e naïve, autodestruído o seu sistema bancário para cumprir regras que só se aplicam aos países fracos e pequenos da zona euro”. A pergunta que resta fazer é em que ponto desta continuada desagregação da ideia de haver regras para todos estamos autorizados a descrever o “europeismo” como um programa colonial. Imagino que alguém na sua área de estudos económicos listou os sintomas desse modelo, de forma que se os tivermos podíamos agora ver quantos deles são já efetivos para Portugal.
Quem destruiu o BPN foram os donos e administradores. Quem destruiu o BES foram os Espíritos Santos. Quem quase destruiu o BCP foram querelas dinásticas e apetites políticos. Quem esteve na fonte dos problemas da CGD foram intromissões do poder político que nomeou administradores de reconhecida desonestidade e insistiu em aventuras estrangeiras e investimentos ruinosos. A novela da CGD está para durar, agora já se foi a urgência da recapitalização. O que adensa mais as duvidas em tornou dela.
Quem lucra? Grandes bancos estrangeiros. Entre os quais o Goldman Sachs. Muito se falou recentemente na ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs. É mau. Mas há algo muito pior que tem passado relativamente ignorando: a quantidade de ex-quadros do Goldman Sachs que infestam muitas instituições internacionais e de países europeus.
Como diz caro Sousa da Ponte. Fica ainda mais perto de casa o seu aviso quando descobrimos que até o “nosso” simpático comissário Carlos Moedas é ex-funcionário da GS (não é segredo basta consultar a sua página na CE, ou na Wikipedia etc). Estamos nas mãos de uma pandilha
A maneira de retirar poder a essa pandilha é substituir a eleição dos deputados, onde só podemos escolher entre candidatos que passaram pelo crivo da corrupção, pelo sorteio.