Entre a verdade e a mentira, ou eufemisticamente, entre a verdade e a inverdade, ou, ainda – na mais actual, científica e pós-moderna perspectiva – entre verdade e pós-verdade, ouve-se, com inusitada frequência, o mais superlativamente reles instrumento de argumentação: o insulto.
É triste e desolador sentir a facilidade com que, em múltiplas sedes de discussão política, técnica, futebolística, religiosa, etc., se vai directo ao carácter de cada um, à míngua de argumentação.
Já lá vai o tempo, na nossa Assembleia da República democrática, em que a dura discussão era feita de sólida argumentação e de uma ironia inteligente. Agora, é “normal”, rende nos telejornais do dia e torna-se endémico nas redes sociais, gritar muito, insinuar sem substância, afrontar sem nexo, denegrir a contraparte, abusar de formas efémeras de poder. Com larga ressonância por todo o país, os opróbrios logo são excitadamente reproduzidos e difundidos até à exaustão. O curioso é que, quase sempre, a discussão nesses casos acaba com o habitual contorcionismo de “não queria ofendê-lo!”.
Há políticos (e não só) que ostentam o exclusivo da verdade com tal veemência e incapacidade de escutar o outro com tão suprema desconsideração, que nos deixam esmagados e condenados a uma visão paroquial dos assuntos (mal)tratados. Perante personalidades tão implacavelmente perfeitas e isentas de dúvidas ou erros, donos absolutos das suas “certezas”, nós, comuns mortais, que erramos com naturalidade, só lhes podemos estar gratos.
Estas considerações são partidariamente transversais. Todavia, a esquerda sempre se apresenta, classicamente, como mais monopolista, designadamente quando falamos de questões ideológicas, sociais, distributivas ou culturais. Há uma frase do humorista brasileiro Millôr Fernandes que, caricaturalmente, aborda o modo como os lados da política se envolvem na argumentação: “A diferença fundamental entre Direita e Esquerda é que a Direita acredita cegamente em tudo que lhe ensinaram, e a Esquerda acredita cegamente em tudo que ensina”.
Aristóteles com a sua “Retórica” bem pregava que a argumentação é o resultado de uma tríade: Logos, Ethos e Pathos. De um modo geral, num mundo global apressado, efémero, virtual, emocional, o Logos é cada vez mais o da “pós-verdade”, em jeito de contrafacção da razão e da falsificação do conhecimento, senão mesmo o da indigência lógica e intelectual. O Ethos está pelas ruas da amargura quanto à decência e credibilidade ou falta delas. O Pathos afasta-se da autenticidade, do carisma consistente e do rigor comunicacional, para se querer insinuar pela via do espectáculo, pela rota das redes sociais e pela emocionalismo artificial.
O paradoxo é que há quem fale do futuro paradisíaco ou tenebroso (em função de se ser um qualquer poder ou de não o ser), sempre e só invocando (em vão) o passado. Será que não se aperceberão que tal forma de argumentar é, por demais, cansativa e gera, mais tarde ou mais cedo, descrédito? E que a uma acusação (ainda que justa) de falta de coerência, sempre o lado oposto encontra a mesma ou semelhante incoerência do acusador? Neste aspecto, a politics está cada vez mais parecida com a discussão futebolística, onde sempre se pode encontrar a defesa de uma coisa e do seu contrário.
Oscar Wilde, com o seu sarcasmo imbatível, bem avisou: “se disseres a verdade, vais ver que, mais tarde ou mais cedo, vais ser descoberto” … É só uma questão de tempo, esse incontornável e soberano juiz!
O que há é uma representação. Basta perguntar para quem se representa? Antes da popularização da televisão representavam uns para os outros onde uns e outros tinham os mesmos hábitos culturais. Casos como o da primeira república onde pegavam-se à chapada são excepções explicadas pela presença de intrusos que não respeitavam os códigos de boas maneiras. Hoje representam para a TV e os noticiários e o que conta não são os argumentos mas poder-se dizer no fim que o PM esteve melhor ou que o chefe da oposição ganhou o debate. Por muito indigente que seja o debate que isso não importa.
Está muito benévolo. Os argumentos são montes de clichés, frequentemente os factos são imprecisos quando não errados e as maneiras nunca seriam usadas numa corte, isto é, corteses. Ideias e respeito poucos sabem o que quer dizer.
E isto de porem sistematicamente pseudo-esquerda contra pseudo-direita é de uma estupidez inaudita. Já se sabe que cada um vai para ali debitar os lugares comuns que lhe encomendaram no partido. Em que país vê fazer a informação política sistematicamente segundo este modelo obstruo?
“Já lá vai o tempo, na nossa Assembleia da República democrática, em que a dura discussão era feita de sólida argumentação e de uma ironia inteligente.”
Eu cá, não me lembro desta altura. Na primeira república pegavam-se à chapada. De resto com excepções singulares de 20 em 20 anos não estou a ver qual a “argumentação sólida e ironia inteligente” de que fala. Devo andar distraído.