Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

António Bagão Félix

9 de Agosto de 2016, 12:26

Por

Não há remédios técnicos ou códigos de conduta para insuficiências ou “distracções” éticas

A mais ínfima verdade pode superar a mais poderosa mentira.

 

A mais insignificante das perfeições é preferível à mais sonante das imperfeições.

A mais desinteressada autenticidade é superior ao maior palco do fingimento.

O custo da mais cristalina coerência é mais gratificante do que o ganho da mais oportunista incoerência.

A lei formal é o patamar da ética, mas jamais poderá ser o seu edifício completo. O conjunto do que é moralmente aceitável (o legítimo) é mais exigente do que é juridicamente aceitável (o legal). Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não impõe, mas que se nos devem impor.

Na rota das ilusões, os princípios não têm valor de troca por maior que seja a mordomia ou por mais reles que seja o potencial favor ou ganho.

E o que vemos?

O elogio privado, público e social da mentira, da imperfeição, do fingimento, da batota.

A escassez e o atrofiamento do senso comum.

O esfarelamento da noção kantiana de dever.

O direito reclamado sem o inerente dever.

O verbo parecer a obnubilar o verbo ser, esmagado, por sua vez, pela medida do verbo ter.

A coerência da incoerência (logo, o descrédito) a troco da aparência de se ser diferente enquanto se é (algum) poder ou (algum) contrapoder. Se é dos meus é bom, se é dos outros é mal, mesmo que seja exactamente o mesmo que se está a qualificar: umas vezes a benigna compreensão e a dúctil ou envergonhada crítica para quem, antes, vociferava sem contemplações. E vice-versa. No fim, todos perdem respeitabilidade. Perdemos todos.

A ética intensiva a enfraquecer-se pelo, ora em moda, “benefício do contexto” condicional. Por isso, a indigência moral e a indiferença ética medram quando se lhes junta um indulgente ou falacioso “se”, “mas”, “talvez”, “quase sempre”, “salvo se”, “mais ou menos”.

Não há remédios técnicos para insuficiências ou “distracções éticas”, nem para pretensas justificações adversativas. Nem reparações monetárias para anestesiar potenciais conflitos de interesse. Nem códigos de conduta para “amnistias retroactivas”. Nem manejáveis palavras de circunstância, que fazem dos outros idiotas ou paspalhões.

Em ética pública, não há o meio-termo, lugar geométrico da indiferença onde tudo vale por nada valer. Mesmo que se lhe chame código de conduta e que, como o novo código da estrada, preveja 12 pontos para infracções. Há atitudes que se devem ter, aprender e robustecer nos embates da vida e na mais genuína pedagogia do direito ao erro. Sobretudo em situações em que até uma criança com a sua ingenuidade sabe distinguir. Mesmo que a criança não saiba o que significa Goldman, Galp ou outra coisa qualquer.

A ética da convicção e a ética da responsabilidade não são contraditórias. Completam-se uma à outra e constituem no seu conjunto a expressão do “homem autêntico, assim resumiu magistralmente Raymond Aron a medida certa para o exercício de funções de grande responsabilidade pública. O resto é poeira, poluição, falta de nível, oportunismo, pântano ético. Mesmo com todos os códigos de conduta na parede do(s) poder(es).

Comentários

  1. O remédio é combater as políticas com outras políticas. Derrotar politicamente os adversários políticos em vez de usar o terrorismo social, a calúnia pessoal e a confusão de conceitos de política com ética.
    Estamos num momento triste de grande confusão por ausência de alternativas políticas que não estejam já politicamente derrotadas. Ocorrem estes momentos de trevas na vida política, económica e social. Então, nas trevas, jogam-se jogos baixos e outras baixezas.
    Qual é a alternativa política à política Social-Democrata do governo do Partido Socialista? O regresso de Passos e as suas políticas de empobrecimento, precariedade e privatização ao desbarato para privados estrangeiros enquadrados pelos “Catrogas deste mundo”? Não. Ninguém quere o regresso de Passos e seu “bando” com suas políticas de subjugação de sabotagem das empresas públicas e bancos para entregar tudo capitalizado à concentração capitalista da Eurozona para tentar salvar os bancos alemães e franceses.
    Resta a calúnia e a confusão da calúnia com a ética e esta com a política.
    Disso resulta a abstenção e o populismo. Depois escandalizem-se com Temer, Trump, Le Pen, …

    1. Por falar em etica,nunca esquecerei uma frase do dr.passos coelho:”as pessoas viveram acima das suas possibildades”,e nem uma palavra para as manhas dos bancos.E o que nós andamos para aqui chegar,dr.coelho,até porque ninguem neste momento sabe o que significa a palavra Etica…

  2. Os mais éticos são sem dúvida os anarquistas!
    Apesar de até aí haver deslizes que cheguem… Mas isso da ética também é uma linha fina. Há grandes fdps que são muito éticos e gajos pouco éticos boa gente. É preciso saber qual a ética em prática? É complicado… Mas tem todavia razão em achar o panorama dos políticos profissionais uma anedota. Mais que isso digo eu: pouco higiénico, manifestamente pestilento!

  3. Diz muito também sobre o povo que ele governa que António Costa possa imaginar que esse povo dará como saneado o vício encontrado com a devolução de uns cobres e com um “código de conduta”. E então a proposta de “castrar” os secretários de Estado é de gritos, ninguém sente que lhe estão a chamar parvo ou atrasado mental?

    1. “Castrar” é claramente de gritos. Mas são actos bárbaros caro Liberal. Ou por acaso, associa a virilidade do secretário de estado aos euros que ele faz? Se for isso :/ ainda bem que usa pseudónimo. É melhor assim.

  4. Em Portugal ascender ao poder é ter acesso a um conjunto de regalias. É chegar ao mundo do “arranja-me isto”. De modo que um burgesso que é secretário de uma coisa qualquer fiscal arranja bilhete para a bola e lá vai ele. Nem pestaneja. É bola! É a coisa mais importante da nação. E o ordenado faustoso não chega para esses luxos. E os superiores o que dizem? Nada, porque fazem igual. Distraiu-se, coitado. Também foi só à bola. De avião. Com tudo pago. Porquê? Porque é boa pessoa? A Galp não anda a dormir. Ofereceu a este porque sabe que é corrupto e que pode contar com ele. Outra pergunta. Esse senhor tem horário? Como é que foi a assiduidade nos dias da bola? E quando joga o clube dele? Falta e nós pagamos na mesma? É um lugar comum dizer que a classe política em Portugal não presta. Pois. Mas não presta mesmo.

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