Quando visitei pela primeira vez a Venezuela, Carlos Andres Perez era a figura dominante. Vagamente social-democrata, o presidente era um dos arautos da Segunda Internacional na América Latina, ainda abalada pelas ditaduras. Mas o seu poder baseava-se sobretudo em ser o organizador de uma sociedade que começava a receber as divisas do petróleo, mas em que um restrito grupo social vivia faustosamente sobre um mar de pobreza. A violência e a corrupção eram as armas da governação.
Perez foi duas vezes presidente, de 1974 a 1979 e depois de 1989 até à sua deposição pelo Supremo Tribunal e pelo parlamento em 1993. Foi condenado a uma pena de prisão e exilou-se nos Estados Unidos, onde tinha as suas contas bancárias. O jovem oficial que se destacou num primeiro golpe militar contra ele e pelo qual veio a ser condenado, Hugo Chavez, viria a ser depois o presidente eleito e reeleito (1999-2013), já sem golpes.
A vitória de Chavez, cuja política se foi transformando ao longo dos mandatos, abalou a sociedade venezuelana nos seus alicerces. Creio que as duas maiores mudanças foram a alteração do padrão de uso dos recursos petrolíferos e a ampliação do espaço público com a entrada dos pobres na cena política. Assim, o orçamento petrolífero passou a ser usado para financiar centros de saúde nos bairros populares, com milhares de médicos cubanos, ampliar o sistema de escolas, melhorar salários e pensões e melhorar a condição dos militares. Essa mudança criou ódios de classe que só cresceram desde então. Para mais, o resultado não foi uma alteração dos sistema produtivo, mas sim uma distribuição da renda. Mas a elite venezuelana, muito próxima das forças dominantes da América Central e do Norte, ainda menos podia tolerar a segunda grande transformação, a participação política das populações das periferias das cidades e dos bairros pobres, que normalmente não votavam e que passaram a apoiar a maioria chavista.
Chavez, ao longo dos seus mandatos, marcados por um estilo carismático na tradição latino-americana, como na história de Bolívar, de que se reclamou intensamente, foi evoluindo para a defesa de formas novas de organização popular. Sempre com grandes e tantas vezes inconsequentes declarações (a proclamação da Quinta Internacional foi uma delas), Chavez fez parte de um movimento que, por grande parte da América Latina, anunciou uma maior autonomia em relação a Washington e recusou o consenso neoliberal. Tinha a vontade e sobretudo os meios para isso, devido ao benefício do elevado preço do petróleo.
Para a população mais pobre da Venezuela, este período permitiu a recuperação da sua voz e portanto a afirmação da sua dignidade. A Constituição chavista reforçou essa confiança, estabelecendo direitos sociais e democráticos e garantias universais. Algumas formas de organização, sempre muito dependentes do partido chavista e da tutela do Estado, davam corpo a essa vontade de participação. No entanto, foram um poder sem poder, porque está na natureza da concepção consular da política que se mantenha ou reforce uma centralização absoluta, deixando às massas o papel de espectadores ou de apoiantes.
Com a morte de Chavez e, logo depois, com a queda do preço do petróleo e as crescentes restrições orçamentais, este modelo entrou em colapso. Maduro, o novo presidente, tem vindo a desgastar a maioria eleitoral, seja pela oposição feroz da elite e pelo impacto da polarização na “classe média”, seja porque as populações mais pobres começam a sentir os efeitos da incerteza, da falta de alimentos, da tensão e, sobretudo, do esgotamento de alternativas.
O recente decreto presidencial instituindo o estado de excepção é uma prova de fraqueza que acelera a crise política. Suprimindo a forma de governo estabelecida na Constituição, o decreto militariza a condução política mas não define os limites e contornos do estado de excepção. É evidente que tem como principal objectivo impedir a recolha de assinaturas pela oposição de direita para um referendo revogatório que conduzisse à demissão do Presidente. O problema é que essa possibilidade está definida pela Constituição e, ao usar os meios mais extremados para impedir a iniciativa, o Presidente está não só a abusar do seu poder como desde já a declarar-se vencido no terreno da luta democrática.
Esta radicalização dos dois campos beneficia a direita. Depois do fracasso do anterior decreto que estabeleceu a emergência económica e que não conseguiu assegurar o abastecimento de produtos alimentares e medicamentos, a decisão de Maduro pode vir a agravar o afastamento de parte da sua base social e política, tanto mais que a gestão económica é desastrosa, com o uso da receita de exportações para pagar a dívida, sem poder portanto garantir a compra de medicamentos e alimentos.
O governo de Maduro não precisava de ter chegado aqui. Mas não tem muito para onde ir, se perde o apoio popular.
A Venezuela está a crescer.
A recessão em Portugal foi muito maior.
Na Colômbia há droga, fome e crime organizado.
Há muita gente desesperada com o sucesso da Venezuela.
Temos pena. Viva a Venezuela.
O cepticismo neo-liberal de alguns comentadores é indesculpável. Então os senhores não sabem que o Maduro até fala com passaritos e que, em Portugal, as vacas já voam? Os feitos da esquerda devem ser comentados com muita reverência.
Só esqueceu um pormenor. A corrupção que o governo de Chávez gerou e o roubo de milhões de dólares por parte dos que à sua volta gravitavam. Aliás a sua própria família “abotoou-se” com muita “platica”. Chávez dizia que “ser rico es malo” , ele e os seus seguidores odiavam a burguesia e o “Império” , mas todos gostam de fazer compras e comprar imóveis no”Império”.
Conforme exposto no artigo criação de riqueza zero. Governo limitou-se a delapidar os recursos enquanto existiam sem pensar no amanhã e embarcando na “compra” de apoios. Chávez permaneceu 14 anos no cargo deixando sucatear a indústria petrolífera e não diversificando minimamente a economia. Ainda fez um sucessor sem a mínima capacidade para o cargo. Um desastre completo.
Além do que está relatado no artigo é importante destacar que durante os governos Chávez houve graves acusações de corrupção, favorecimentos a parentes e amigos,… Infelizmente o foco não eram só os pobres como está exposto no artigo.
Um pouco à imagem do que o PT pretendeu fazer no Brasil onde nos últimos 10 anos a despesa cresceu espantosos 93% acima da inflação. Logicamente que um dia o dinheiro ia acabar e a economia ficar em frangalhos como ficou.
É uma pena que se continuem a cometer este tipo de erros e depois quem paga é o contribuinte.
Pelo percebi pelos dois últimos parágrafos, o que mais lhe preocupa é a “perca de apoio popular” ou “beneficiar a direita”. Não acha que a tragédia actual está bem para além do vulgar combate politico e que as politicas falharam a todos os níveis? Mais miséria foi criada do que a que exista com a desigualdade “neo-liberal”.
Mais do que manter o apoio popular, não é óbvio que a única solução passa por desistir de politicas fracassadas?
Um revolucionário não é susceptível a sentimentos humanistas tipicamente burgueses. Que importa a vida de cem ou cem mil quando se tem em mente a criação do céu na terra? O que unicamente importa é o valor teórico e abstracto do ideal!!!!
Eu em 2006 atravessei a Venezuela de norte a sul. Achei o país “normal” ainda com muitas desigualdades e um pouco militarizado de mais. Vi manifestações diversas, mas apesar de indagar junto da população o que achavam do regime de Chavez, ninguém queria conversar muito sobre isso comigo. É um país muito rico em recursos. Gente simpática. Já na Amazônia tive o apoio de um melitante do partido que me ajudou tremendamente a chegar a uma base militar na fronteira com o Brasil e a Colômbia. Era um chavista convicto, a quem fiquei a dever muito e não pude agradecer convinientemente dado a internet ser semi-fechada nessa altura, dizia que nem tudo estava bem mas incomparavelmente melhor do que com o regime anterior. Estavam a ser postas em pratica na altura medidas de combate à pobreza e redestribuição da renda.
Tenho muita pena se as coisas andam mal, mas podem crer que se andam mal muito tem haver com potências capitalistas exteriores, que fazem tudo o que podem para o regime cair, desde assasinar o presidente Chavez a embargos de toda a ordem é feitio.
É de uma ingenuidade total pensar que no actual sistema, sob domínio da máfia omnipresente e globalizante do capital selvagem atrás de lucros astronómicos e da sua autopreservação, seja possível a sobrevivência isolada de qualquer projecto de governação de rosto humano. É uma ilusão da qual nos termos de libertar se queremos mesmo afrontar a besta negra do capital selvagem e a sua devastação. A mente humana está formatada para a ganância, para o roubo, para o esforço competitivo e não colaborativo, e para o lucro a qualquer custo teorizada pelo modelo socio-economico anglo-saxonico de comando americano que impõe a actual globalização e império do capitalismo . A sobrexploração, a maximização do saque à força do trabalho, a desigualdade de acesso ao beneficio da riqueza e a própria indigencia de uma parte substancial da sociedade humana são ferramentas fundamentais do próprio sistema. Por isso tentar com as regras do próprio inimigo construir sociedades justas, orientadas para o interesse humano e para a dignificação da vida é um disparate. Vale mais ficar quieto.
Francisco Louçâ não conhece a Venezuela nem a sua história. Os governos de AD e COPEY foram de ladrões sem a menor das dúvidas, mas o actual é de ladrões e incompetentes que levaram um grande e rico país à miséria.
Fiquei sem perceber.
A culpa da situação da Venezuela é ou não é da falta de liberalismo económico?
Ou é culpa do EUA e dos neo-liberais?
É que só era possível um país viver exclusivamente do petróleo (algo que sempre definiu economicamente a Venezuela) vendendo-o aos países capitalistas.
E já agora, quando dinheiro é que realmente recebiam os médicos cubanos e quanto é que ia para o respectivo Governo? O Francisco Louça apoia essa escravatura moderna?http://www.theguardian.com/world/2013/aug/28/brazil-doctors-jeer-cubans
Concedo o mérito de não culpar países e forças externas pelo que se passa na Venezuela.
É, muito comum, atribuir os falhanços do comunismo a uma qualquer força exterior capitalista, o que, não abona muito a favor da resiliência, autonomia e supremacia da primeira sobre a segunda.
Mais do mesmo. Não é por torturar a veracidade dos factos que eles passam a ser mais favoráveis às nossa teorias ou orientações políticas. A Venezuela já estava de rastos antes da queda do preço do petróleo, já havia falta de produtos essenciais com frequência, a corrupção já estava disseminada, tanto ou mais do que nos idos tempos de Andrés Perez. Repare que o percurso é mais ou menos o mesmo do que foi seguido no Brasil: o que chama de inclusão dos pobres tem uma grande componente de aparelhamento do Estado e utilização de recursos para se manterem no Poder. Apenas numa coisa estou 100% de acordo consigo: as elites deste mundo, especialmente da América Latina, um dia hão de perceber que quando todos os pobres deixarem de ser pobres e tiverem todas as necessidades básicas satisfeitas (pelo menos) toda a economia beneficiará e também os ricos, se o quiserem e não forem ociosos, serão mais ricos.
Este comentário não tem qualquer verdade.
De rastos está Espanha ou Portugal devido às políticas da troika.