As palavras devem ser usadas com sentido de precisão. Este rigor – cada vez menor – deve ser mais exigente quando se escreve ou fala no âmbito público e oficial.
O anterior Governo – creio que na esteira de precedentes formulações – entendeu que documentos oficiais e formulários da Administração Pública deveriam passar a usar um logótipo com a bandeira portuguesa estilizada e, ao lado, GOVERNO DE PORTUGAL, acrescentando a seguir o departamento ministerial respectivo.
Não me detenho aqui no potencial custo destes modernismos aliás, em linha com a constante alteração do nome dos ministérios e das secretarias de Estado, nem nessa pueril “necessidade de marketing” de se querer apor uma “marca” ao nosso Estado. O então Governo definiu a mudança como uma medida de eficiência duradoura, “uniformizando as identidades visuais dos vários organismos estatais”, assim como um meio de – imagine-se! – “reforçar a auto-estima dos portugueses”. Foi correcto o propósito de homogeneizar os logótipos departamentais que se vinham espalhando para satisfação da imaginação criativa por via de concursos.
O que achei lamentável foi o abuso de o “dono” do logótipo e da consequente parafernália documental (e não só) passar a ser o GOVERNO DE PORTUGAL. Basta olhar para uma receita médica do SNS e lá está esta expressão, como se o beneficiário tivesse que agradecer ao GOVERNO DE PORTUGAL a prescrição de medicamentos! Este modo de encimar os “papéis” não é correcto do ponto de vista linguístico e muito menos do ponto de vista político. O Governo é, politicamente, o órgão superior da Administração Pública (artigo 182º da Constituição) mas não se confunde com o Estado como um todo. Este está para além dos Executivos e tem outros órgãos de soberania desde o Presidente da Republica, ao poder legislativo e aos Tribunais.
Em boa hora, o actual Governo alterou o logótipo. Manteve o estilo e a bandeira nacional, mas passou a ler-se REPÚBLICA PORTUGUESA em vez de GOVERNO DE PORTUGAL.
Um pormenor? Certamente alguns dirão que sim, mas para mim, enquanto cidadão, trata-se de uma precisão de que não prescindo. A minha relação enquanto contribuinte, utilizador de serviços públicos, beneficiário da Segurança Social ou noutra qualquer condição é com o Estado e não é apropriável por este ou aquele Governo. Preferiria ESTADO PORTUGUÊS, mas aplaudo a alteração. Mas chega de mudanças e de “marcas”.
A expressão “pior a emenda que o soneto” surgiu quando um belo dia, uma pessoa procurou o malogrado MMB du Bocage com um soneto e pediu que o lesse e anotasse os erros. Mas, diz a lenda, Bocage não havia anotado nada. Tinha achado o texto tão ruim que nem valia a pena corrigir, porque a emenda seria pior do que o soneto.
Alterar ‘Governo de Portugal’ (soneto) para ‘Republica Portuguesa’ (emenda) é de um mau gosto institucional atroz. Mas de inocente nada tem. Esconde uma posição politica, republicanismo, estatismo, coisa publica, laicismo, socialismo, etc., etc.
Sinceramente neste caso prefiro o soneto ruim (Governo) à emenda (Republica). São duas coisas celularmente diferentes. Uma apela a propaganda mas é clara e evidente e outra é cobarde, dissimulada e esconde algo. Faz-me lembrar o “Bloco de Esquerda” que não passa da cartilha comunista, mas com muita cosmética ou a Coligação Democrática Unitária (CDU) que não é mais que Leninismo e Estalinismo na sua quinta essência.
Por vezes isto aborrece-me muito mas mesmo muito
Enfim … Os documentos oficiais, desde 1910, passando pelo 28 de Maio de 1926 (visceralmente anti-comunista) e continuando post 25 de Abril de 1974, e as moedas e notas fiduciárias, até à entrada no “Euro” e “Moeda Única”, sempre tiveram a “inscrição” República Portuguesa, tirando o breve interregno dos últimos 4 anos e umas semanas do ´pretérito Governo PSD/CDS, liderado por Passos Coelho. Segundo o comentador Rui Devesa Ramos foram mais de 100 anos de “Socialismo”, “Leninismo e Estalinismo” em Portugal. Em maré de poéticos aforismos populares, é caso para dizer que “No melhor pano cai a nódoa”.
Não concordo que a menção “República Portuguesa” seja propagandística, vejo-a como uma constatação de facto. Se Portugal fosse uma monarquia, eu não ficaria chocado com a expressão Reino de Portugal nos documentos. Um monárquico também não tem por que ficar chocado com “República Portuguesa”.
“Governo de Portugal” faz sentido para documentos do governo de Portugal, porque indica a autoria dos documentos.
Subscrevo completamente. Era bom o Parlamento ter a iniciativa de decidir de uma vez por todas o “branding” do estado português no que toca à documentação oficial, e meter um fim a esta brincadeira que entretém cada novo governo. Mas isto não passa de uma forma dos líderes dos partidos manifestarem os seus enormes egos, e por isso infelizmente é difícil de imaginá-los a desistir desse exercício.
O “Estado” poderia ser monárquico. A Constituição definiu a República como forma de Governo. Tirando isto, estou perfeitamente de acordo. A anterior “decisão” do PSD/CDS era majestática, como se o Governo fosse o Rei-Sol à sombra do qual se toleravam a Assembleia da República, o Presidente da República e os Tribunais. Ou como se Portugal fosse não um Estado e uma Nação independentes mas um Protectorado da União ou da Comissão Europeias, ao jeito da Duquesa de Mântua relativamente a Castela e Aragão.Aliás talvez tenha sido por isso que o anterior Governo do PSD/CDS aboliu os Feriados e as Comemorações da Restauração da Independência e da Implantação da República.
Penso que República Portuguesa não está mal, mas em geral era dispensável, pois a maioria dos entes públicos não levanta qualquer dúvida sobre a sua natureza. Confesso que não gosto da expressão “Estado Português” em documentos. Gostos!
Artigo claro e interessante. Concordo que não devemos perder muito tempo com as “marcas”, embora pense que a uniformização dos logotipos usados pelo Governo é uma boa ideia. Certamente todos concordamos que o Governo não é todo o Estado. Por esta razão, prefiro a opção do Governo anterior. No exercício das suas funções governativas, o Governo deve identificar-se como tal, para evitar mal entendidos. Do mesmo modo, o Presidente da República, por exemplo, também não se deve identificar como Estado Português ou República Portuguesa. De qualquer modo, não creio que os Governos, anterior e atual, tenham agido de má-fé nesta matéria.
Tem razão. Estado é uma coisa é governo é outra. Na escola fui várias vezes corrigido sobre este ponto. Aprendi e são efectivamente coisas muito distintas. É como confindir o carro com o automobilista.