Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

5 de Maio de 2016, 08:03

Por

As lágrimas amargas do FMI

Lágrimas amargas ou, alguém diria lágrimas de crocodilo, parece ser tudo o que o FMI tem hoje para oferecer. Durante anos, a instituição foi um pilar dos “programas de ajustamento” que, testados em África e na América Latina, conduziram sempre a um mesmo resultado, transferência de rendimento para o topo da escala, destruição da pequena agricultura e urbanização, privatizações e especialização de cada economia no sector exportador, com consequências sociais devastadoras no empobrecimento e desemprego para parte importante da população. Mais recentemente, esta competência técnica foi usada para desenhar os programas para a Grécia, Irlanda e Portugal, e o resultado foi do mesmo tipo, recessão e destruição. Mas nem num caso nem noutro, no “Terceiro Mundo” ou na Europa, nunca os dirigentes do FMI mostraram alguma vulnerabilidade em relação aos efeitos da sua política. Até aos dias de hoje.

O problema para o FMI é que o efeito destas estratégias sobre o conjunto da economia foi totalmente insatisfatório. Não só as desempregadas e os desempregados perderam (por razões óbvias), como perdeu quem está a trabalhar (redução de salários e precarização dos contratos) ou na reforma (redução das pensões), todos afectados ainda por aumentos de impostos. E a economia perdeu capacidade de expansão, ou seja, o processo de acumulação ficou prejudicado. Pior ainda, há escassas alternativas de política económica que possam compensar uma nova crise financeira ou uma nova recessão, porque os juros estão próximos de zero. Enfim, um colossal fracasso.

Alguns dos dirigentes do FMI parecem por isso ter percebido agora o buraco em que se meteram (e, pior, o que cavaram para as suas vítimas), e choram lágrimas amargas. Um director, Carlo Cottarelli, que é responsável por Portugal, aparece a criticar a dureza do FMI contra os países periféricos. Outro director, Nogueira Baptista, vai ainda mais longe: está tudo errado. Vítor Gaspar, que agora dirige o gabinete de estudos do FMI, apela ao aumento do investimento público, o que precisamente foi interdito pelos programas de ajustamento que apoiou. Ninguém se entende no Fundo?, pergunta um jornal nacional.

Não é difícil concluir que estas palavras e boas intenções têm por ora pouco impacto. Quanto o Fundo está a conduzir uma política concreta num programa para um país, estes protestos de generosidade social são evidentemente ignorados. O caso da Grécia tem sido o mais exuberante: Poul Thomsen, o chefe da operação, foi já apanhado a ameaçar sair do resgate, para assim pressionar o governo alemão, como depois foi apanhado a propor que fosse provocada a bancarrota, para acelerar a aceitação das suas propostas. Tudo gente fina.

No meio dos arrependimentos e das malandrices, chega agora a vez do susto. Durante a recente conferência para apresentação das previsões da instituição para 2016, Maurice Obstfeld, o economista-chefe, reconheceu que já temos crescimento muito débil desde há demasiado tempo e que esse resultado está ligado a baixos salários, além de criar a ideia de que elite económica é que beneficiou do tempo da austeridade (Press Conference on the Release of the April 2016 World Economic Outlook“, 12 de abril de 2016; um estudo do FMI considerava mesmo que uma das causas da recessão é o aumento da desigualdade nos últimos anos). O Boletim do FMI, do dia seguinte, vai mais longe e reconhece uma deterioração da dívida pública, de novo  (Faire face à une nouvelle réalité“, Boletim do FMI, 13 de abril de 2016). Não saímos da cepa torta.

O FMI sugere uma solução: aumentar o investimento em infraestruturas, sobretudo o investimento público, ou seja, expandir os orçamentos( “Is it time for an infrastructure push? The macroeconomic effects of public investment“, FMI, World Economic Outlook, capítulo 3, outubro 2014). Por outras palavras, fazer exactamente o contrário do que tem vindo a propor ou a impor aos vários países.

Será suficiente? Depende. William White, da OCDE, avisa que a próxima crise pode ser pior do que a de 2007 (podemos ter bacarrotas “épicas”, diz ele, em World faces wave of epic debt defaults“). Talvez tudo resulte de ter sido fácil demais: lucros exagerados, sugere o The Economist, e especulação sem freio.

Era exactamente o que o FMI preconizava: libertem os capitais de regulamentos e restrições, soltem o monstro e teremos prosperidade. O resultado é o que está à vista e o FMI assusta-se com a sua criatura.

Comentários

  1. Tem a certeza de que o problema era dos programas de ajustamento e não da África e da América Latina…? É que antes, durante, e depois dos programas, os problemas que aponta sempre existiram, e existem sobretudo desde que esses países assumiram os seus destinos com a independência. Quanto à Grécia, Portugal e Irlanda, parece-me que as situações são muito distintas, embora a esquerda portuguesa e sobretudo o seu Partido façam tudo para reduzir as diferenças que nos separam da Grécia! Finalmente, quem passa a vida a pedir benefícios sabendo que não há dinheiro, devia perceber que se não fosse o sector financeiro internacional, que investe na Dívida que os países devedores acumulam para satisfazer esses desiderata, não havia salários, pensões nem subsídios… e muito menos dinheiro “suficiente” para o “Investimento Público”…

    1. Eu diria antes que o sector financeiro internacional investe em activos ruinosos para o país, levando este a contrair dívida para, entre outras coisas, evitar os contágios. Não serão as multinacionais que operam em Portugal (portuguesas e estrangeiras) que a poder da optimização fiscal, descapitalizam o erário público? Não serão os bancos e fundos de arbitragem internacionais que entram no capital dos bancos nacionais e nas melhores empresas para formatar os procedimentos à realização de mais valias a distribuir pelos accionistas? E quem são esses accionistas? E para quem trabalham os dirigentes dessas empresas se ao optarem por formar dividendos em vez de investimento levam as empresas à falência ou as deixam debilitadas? Não acredite em fadas boas, um investimento estrangeiro é antes de mais uma traição, o contrário só será provado com os resultados, mas como bem demonstram o desempenho e as contas do reino, temos sido tomados por tolos.

  2. Para compreendermos os aparentes paradoxos das intervenções do FMI nos descalabros económicos “cada vez mais frequentes”, temos que ir à sua génese. O FMI propunha-se intervir para acudir os governos a enfrentar a degradação da balança de pagamentos, quando esta ameaçava esgotar as reservas do país. A injecção de capital obedecia a critérios negociados que iam no sentido de os governos mudarem as suas políticas macroeconómicas, política orçamental (despesa pública e fiscalidade) e política monetária e cambial. Por volta do último quarto do século XX, os interesses da casa começaram a intrometer-se na reestruturação do sistema bancário e a sugerir a privatização de empresas estatais, sem compreender minimamente o quadro social e patrimonial que representavam essas nacionalizações.
    No Brasil apareceu rodeado dos grandes bancos que tinham créditos (privados e públicos) em risco de incumprimento. Como sempre, impõe que o país compre menos e que venda mais ao exterior, a intenção é, à evidência, destruir o mercado interno e colocar as empresas de relevo sob controlo de investidores…da casa. Ao colocar o ónus sobre as exportações visa facilitar a movimentação de capitais no sentido da recuperação dos créditos em risco, grandes massas de capital mudam de mãos dentro das orientações do acordo de resgate, umas com luvas pelo meio, outras nem isso, o mosto esse, fica apegado à austeridade. O povo aguenta “ai aguenta, aguenta” dizia há tempos um vendido.
    No início dos anos 1990 o crescimento dos países asiáticos era sobretudo fundado pela poupança interna, balanças comerciais deficitárias, importavam capital externo por meio de investimento industrial directo e divida pública que, sendo bem administrada, obtinha notas excelentes de solvabilidade. Mas tudo descambou com a chegada do FMI, que iniciou uma campanha de incitação à liberalização dos movimentos financeiros, de forma a captar capitais estrangeiros em abundância. Dito e feito, todos caíram no engodo, os capitais entraram efectivamente, mas em carteiras de acções e obrigações que seriam despachados à primeira contrariedade. O dinheiro abundava e o investimento industrial fez-se de forma sobrevalorizada (como em Portugal), a capacidade produtiva do equipamento superava várias vezes a mais optimista das procuras. Entretanto os fluxos de capital deixam de compensar os défices das operações comerciais. Para compensar o descalabro das moedas, os bancos centrais começam a vender as reservas em divisa estrangeira, a especulação contra as moedas nacionais entra em cena, os investidores fogem como ratos, salvando o que podem, os bancos e as empresas tornam-se insolváveis, é a bancarrota, mas… Adivinhem quem vem jantar? O FMI, que se apresenta para resgatar os haveres caídos em desgraça e que por força da lógica deverão ser convertidos em austeridade para futura compensação dos familiares, “la famiglia”, com juros e garantindo a tutela das empresas caídas em desgraça, quiçá os estados como reféns.
    A Malásia foi o único país que recusou a investida do FMI e foi o primeiro país da região a sair da crise.
    Em Portugal e na Grécia…não…fico por aqui, toda a gente conhece a história.
    Quando o FMI empresta dinheiro a um Estado, a intenção é sempre a de recapitalizar os bancos para que estes possam, em primeira instância, pagar aos bancos estrangeiros e por tabela impedir que os mercados caiam a pique, desvalorizando os investimentos estrangeiros, de social nada, de estrutural nada, de crescimento treta nenhuma.

  3. «Mais recentemente, esta competência técnica foi usada para desenhar os programas para a Grécia, Irlanda e Portugal, e o resultado foi do mesmo tipo, recessão e destruição».

    Recessão e destruição na Irlanda? Ainda no ano passado o crescimento do PIB irlandês foi de 6%! o maior em toda a Europa. Chama a isso recessão e destruição? Deve estar a brincar, ou então, o facciosismo cega-o no que à Irlanda diz respeito.

    1. Aumento do défice até 30% para cobrir o buraco bancário. Vá lá, um pouco de tino.

    2. A situação da Irlanda nada tem a ver com os outros PIIGS.
      O Estado Irlandês absorveu uma dívida do sector financeiro, mas não tinha antes défice estrutural na S/administração.
      Logo, uma vez gerida ESSA dívida, o Sector Público não funciona como lastro porque não necessita perpetua e estruturalmente de se financiar com dívida.

  4. As politicas da maior parte dos governos, bancos centrais, multinacionais e companhia, têm uma só preocupação que é, realizar a governança de forma a que os cerca de 80% + ou – pelo menos esta percentagem de gente se mantenha pobre para assim manter o equilíbrio do rebanho produtivo que permite aos donos dos países da terra manterem as riquezas que permitem o domínio das populações e dos países, é isso que permite vida faustosa á casta detentora do poderio económico a todos os níveis, terem a vida de abastança que só está ao alcance dos deuses, ao povo resta-lhe trabalhar e passar mal, é por isso que aos olhos dessa gente é preciso meter fome no povo, para que sejam obrigados a trabalhar por uma sopa pobre e mal feita, algum povo já aprendeu e já não faz escravos para servir essa gente, e isso está a tonar-se num problema para os donos dos rebanhos, estão a ficar com os animais velhos e improdutivos, visto que os mais novos não querem seguir as pisadas dos pais e não querem condenar os seus filhos á miséria, assim não os trazem a este mundo cão.

  5. Dado que não tenho voz noutros lados deste blog, nomeadamente nas postas do Ricardo Cabral (mas também já aconteceu nas suas) gostaria que o professor fala-se com os seus colegas de blog para publicarem de uma vez por todas quais são ou não os comentários admissíveis, e quais as regras deste blog. Claramente não se trata de usar uma escrita cívil e educada. Não, isso claramente não é critério. Eu e outros já fomos barrados e sem perceber porquê e com um português que se pode repetir ao padre conservador. Este tipo de discricionismo não ajuda o blog. Isto assim como está não é plural. Se o critério é subjectivo e depender de como se acordou de manhã, por mim não há problema mas digam isso e talvez o jornal público não seja a melhor porta de entrada para o blog. Estabeleçam regras, mas permitam que dentro dessas regras a livre expressão e livre opinião.

    1. Sou um dos proscritos deste blog das boas maneiras, ainda que, como o Adriano,tente adivinha-las. Parece haver nesta geraçao de intervencionistas uma patética obseçao pelo discurso polido, à imagem dos debates do regime que colocam especialistas de tudo a debater questöes de nada. Contudo, que fazer das imprecisöes que estes três bloguistas teimam em vender como verdades sem remédio. Acontece que se o discurso do contraditório tem a raiva à flôr da pele, talvez seja por ser descartado de forma sistemática, como se a boa percepçao dos factos fosse coisa de especialistas.

  6. Caro Louçã, reenvio o comentário seguinte. Como foram, entretanto, publicados comentários mais recentes, deduzo que se terá perdido devido a algum problema informático.

    Nada com juntar algumas verdades e algumas meias verdades para que a propaganda passe por verdade. E o mestre é exímio. As lágrimas de crocodilo também não faltam.

    Se o FMI é assim tão mau tão mau, porque é que os países continuam a recorrer ao FMI? Será que não têm nenhum Louçã que esclareça as cidadãs e os cidadãos sobre os desígnios maléficos do FMI?

    Porque será que a Grécia, governada por esse pináculo da iluminação que é o Syriza, onde pontificam mentes tão brilhantes como Louçã, recorreu a um resgate que inclui as receitas demoníacas típicas do FMI? Será que Bruxelas ameaçou bombardear Atenas e matar as atenienses e os atenienses?

    Se a Irlanda foi assim tão empobrecida pelo FMI, porque é que a Irlanda tem o segundo PIB per capita da União Europeia, apenas menor do que o do Luxemburgo. As senhoras leitoras e os senhores leitores leram bem: o PIB per capita da Irlanda é superior ao da Alemanha que, segundo os amigos de Louçã, tem andado a explorar as coitadas das irlandesas e os coitados dos irlandeses.
    http://www.pordata.pt/Europa/PIB+per+capita+(UE28+100)-1534
    http://www.pordata.pt/Europa/PIB+per+capita+(PPS)-1778
    A Irlanda está mesmo a precisar de uma geringonça que faça descer o PIB per capita para valores mais de acordo com as teorias de Louçã!

    1. A constante obsessao com um ou dois indicadores economicos para justificar todo o tipo de politcas economicas sem referencia as especificidades de cada economia tem sempre o perigo de conduzir a conclusoes erradas.
      A ”recuperacao” da Irlanda nao se deve ao sucesso das politicas de austeridade impostas pela Troika: estas politicas se contribuiram alguma coisa foi para a hemorragia de talento e mao-de-obra especializada – o que vai comprometer o desenvolvimento economico da Irlanda por muitos anos – e a manutencao artificial de uma taxa desemprego relativamente baixa comparada com outros paises em situacao similar.
      A razao fundamental da recuperacao irlandesa reside no facto dos seus principais mercados de exportacao irlandeses serem os EUA, o Reino Unido e a China- curiosamente tres paises que tem mantido deficits fiscais relativamente elevados para combater a crise. Portanto o suposto milagre irlandes assenta em deficits fiscais de terceiros – a vida e curiosa. A Irlanda e o unico pais da Zona Euro que exporta mais para fora da Zona Euro do que dentro dela.
      O maior mercado exportador irlandes dentro da Zona Euro e a Alemanha, e entre todos os paises da Zona Euro e dos que menos tem sofrido com a crise.
      Por ultimo uma porcao elevada do crescimento do GDP irlandes e uma ilusao porque se trata de transferencias de lucros de grandes multinacionais. Estes lucros nao representam uma mais valia automatica para o irlandes comum.

    2. Caro Senhor Rocha, eu sabia que haveria uma boa justificação para o paradoxo e, afinal, apesar dos bons indicadores, a Irlanda talvez esteja no caminho da recessão e da destruição, como diz Louçã. Confesso que não consigo perceber a justificação e, por via das dúvidas, preferia que Portugal estivesse na ilusória situação irlandesa.

      Existe uma outra situação paradoxal que também me intriga. Há mais de um ano, o Syriza começou a aplicar na Grécia a política que consiste em acabar com a austeridade, acabar com as privatizações, promover o crescimento económico, aumentar os rendimentos dos cidadãos, expulsar a troika, etc., enfim, a mesma política que a coligação da esquerda começou a aplicar mais recentemente em Portugal. Por outro lado, os acontecimentos e os indicadores, esses ilusionistas, parecem indicar que a Grécia está a avançar exatamente na direção oposta. Mesmo que eu não consiga perceber, acredito que o senhor e Louçã também têm uma boa justificação que mostra que, ao contrário da Irlanda, a Grécia está no caminho do crescimento e da reconstrução.

    3. A malta agarra-se ao FMI porque é o balão de oxigénio que adia a asfixia. Nós aqui em Portugal bem podemos falar: afinal que problemas se resolveram com a vinda da troika? Nenhuns! Então que é que eles vieram aqui fazer? Vieram resolver os problemas dos credores privados ((substituindo os seus créditos por capital público).

      Registo que «a» pimentinha, ou «o» pimentinha, referiu que o Louçã mistura mentiras com verdades mas «esqueceu-se» de iluminar os incautos. Essa também é uma técnica conhecida; chama-se FUD.

    4. Caro Filipe Martins, sou homem de pouca fé e sofro sobretudo com o D (Doubts). Por isso, fico-lhe muito grato, e também a Louçã, pelos esclarecimentos. Em geral, a esquerda autodefine-se pela defesa do interesse público e, em particular, pela defesa dos interesses dos mais desprotegidos (o que me parece muito meritório) e define a direita por ter objetivos opostos (o que me parece pouco meritório, pois não sou maniqueísta). Os meus comentários aqui partem destas definições que são usadas por Louçã nos seus artigos.

      Eis mais umas dúvidas que me atormentam. Se a troika não resolveu nenhum problema (como diz) e serviu interesses privados (como diz) em vez de servir os interesses públicos (como Louçã diz acima), porque é que a esquerda, em 2011, convidou a troika para Portugal? E porque é que a “geringonça que funciona” não se recusa a pagar a dívida aos credores da troika e, em vez disso, pede uma indemnização? Não foi um secretário de estado da geringonça, Pedro Nuno Santos, que disse “Estou-me marimbando para o banco alemão, estou-me marimbando para os credores, nós temos uma bomba atómica que deve ser usada, não pagamos, não pagamos!!! Os alemães que se ponham finos ou não pagamos a dívida!!!”? Porque é que o Syriza, em 2015, convidou a troika para a Grécia? Porque é que a esquerda diz umas coisas e faz o contrário? Porquê? Porquê, meus deuses?

      Se lhe ocorrer, ou a Louçã, que a melhor forma de responder é desviar a conversa e apontar as contradições da direita, não me perguntem. Perguntem à direita.

    5. Caro Filipe Martins, permita-me fazer uma correção. Eu usei a palavra propaganda em vez de mentiras. Propaganda nem sempre significa mentiras. Muitas vezes, propaganda consiste em afirmações cujo valor lógico, verdade ou falsidade, apenas depende do que uma mulher ou um homem ou uma criança quiser. Por exemplo, “O Pai Natal dá presentes na noite de Natal”. Tenho uma filha que, quando tinha 4 anos, jurou ter visto o Pai Natal na sua tarefa anual. (Em “uma criança”, não consegui usar a “linguagem inclusiva” adequada. A língua portuguesa está a precisar de uma reforma!)

  7. ”Pior ainda, há escassas alternativas de política económica que possam compensar uma nova crise financeira ou uma nova recessão, porque os juros estão próximos de zero.”

    Este argumento tem sido usado e reusado ad-nauseam por varios comentadores e jornalistas, mas irrespectivamente das condicoes economicas em qualquer ponto do ciclo economico o Banco Central Europeu, a Reserva Federal e todo os outros bancos centrais que emitem moeda propria tem a sua disposicao todos os instrumentos economicos necessarios para combater qualquer crise, recessao ou depressao: esse instrumento chama-se politica fiscal e advem da capacidade de emitir moeda, por outras palavras os deficits podem e devem aumentar contra-ciclicamente. Que eu saiba nao existe nenhuma barreira real ao aumento dos deficits no caso presente – a inflacao nao e essa barreira concerteza, dada a presente situacao e dado o numero de desempregados que existe por essa Europa fora.

    1. E os bancos centrais dependem de quem? Que eu saiba, apesar da sua tao velada independencia, continuam a cumprir os estatutos aprovados por um parlamento, congresso ou outra corpo de representacao democratica, nao?

  8. O FMI e uma dessas instituicoes internacionais que maior sofrimento e devastacao tem causado entre as nacoes mais probres do planeta. O papel do FMI em Africa nos anos 80 e uma das paginas mais negras da historia da instituicao. Nacoes como o Mali sofreram e continuam a sofrer os resultados da miopia ideologica desta instituicao. Em 2011 as conclusoes de uma avaliacao interna sobre o papel do FMI na crise de 2008 sao davastadoras:

    ”finds that the IMF provided few clear warnings about the risks and vulnerabilities associated with the impending crisis before its outbreak. The banner message was one of continued optimism … The belief that financial markets were fundamentally sound and that large financial institutions could weather any likely problem lessened the sense of urgency to address risks or to worry about possible severe adverse outcomes. Surveillance also paid insufficient attention to risks of contagion or spillovers from a crisis in advanced economies.”

    E as razoes apontadas para o falho na vigilancia do sistema financeiro internacional nao sao menos embaracosas e preocupantes:

    ”The IMF’s ability to correctly identify the mounting risks was hindered by a high degree of groupthink, intellectual capture, a general mindset that a major financial crisis in large advanced economies was unlikely, and inadequate analytical approaches. Weak internal governance, lack of incentives to work across units and raise contrarian views, and a review process that did not “connect the dots” or ensure follow-up also played an important role, while political constraints may have also had some impact.”

    Os modelos economicos utilizados pelo FMI estao infectados por este pensamento de grupo e tem conduzido a instituicao a retracoes embaracosas. Durante anos como justificacao da austeridade e contra o uso de politica fiscal no combate a crise economica o FMI tem preconizado que por cada unidade monetaria (dolar, euro, libra) que um Governo gasta o impacto na riqueza bruta da nacao e apenas metade disso – baseado numa das construcoes mais bizarras do pensamento economico, chamada ”Ricardian equivalence”. Hoje, o FMI admite que o impacto e positivo e o retorno estima-se estar entre 1.2-1.5. Entretanto milhoes de pessoas sofrem e estao desempregadas.

    1. Caro Senhor Rocha, estou aterrorizado com essa instituição diabólica, o FMI, que tão detalhadamente está a ser apresentada por si e por Francisco Louçã para nosso benefício. Fico-lhe muito grato.

      Há apenas umas questões menores que me intrigam e que talvez me possa esclarecer. Quem é que obriga os países soberanos a pedir dinheiro ao FMI? Estando um país soberano a negociar um empréstimo com o FMI, o que impede esse país de recusar no caso de as condições exigidas não serem aceitáveis? Em último caso, tendo um país soberano recebido dinheiro do FMI, quem é que o obriga a devolver o dinheiro se não quiser? O FMI tem um exército para obrigar esses países? Recorre a um exército de outro país, talvez dos Estados Unidos, essa Babilónia do capitalismo?

  9. Os capitais existem para benefício do próprio capital. Regras, intenções, práticas, leis de instituições financeiras terão sempre como objectivo último capturar capital onde ele possa existir e acumulá-lo (de preferência o mais rápido e intensamente possível). Por outro lado a globalização , com exigências e necessidades crescentes, exige concentrações cada vez mais astronómicas de massa capitalista por forma a modelar o mundo e as suas sociedades de forma mais equilibrada até se atingir essa quintessência alquímica da harmonia universal. O domínio dessa aritmética escapa ao comum dos mortais, à política de cácárácá e às próprias nações secundárias pelo que será sempre inglório esperar daí facilidades. Andaremos nisto até esse dia mirífico onde , sob a batuta do capital, tivermos atingido esse ponto luminoso da harmonia. Até lá, bom, até lá continuaremos a ser enganados sem saber como nem porquê, sempre com razões e argumentos em transformação que satisfaçam de algum modo esta necessidade humana de compreender.

    1. Não se trata tanto de compreender, mas de deixarem as pessoas serem felizes… em harmonia com a natureza.

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