“À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”
provérbio popular baseado na frase que Júlio César utilizou para justificar o seu divórcio da sua mulher Pompeia: “Eu não quero … que minha esposa seja sequer suspeita”
Não passa um mês sem que a Comissão Europeia ou o FMI alerte sobre o Orçamento do Estado: sobre como as contas públicas vão derrapar, sobre como é necessário um plano B com medidas de austeridade adicionais, sobre como terão de ser aplicadas multas a Portugal devido ao alegado incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (em consequência do resgate ao Banif que a própria Comissão exigiu), ou ainda, as notícias de ontem: a redução das perspectivas de crescimento da economia portuguesa em 0,1 pontos percentuais e a previsão de que o défice ficará em 2,7% e não 2,2% do PIB (um desvio de 900 milhões de euros face à previsão do governo).
Como compreender e qual é explicação para todos estes alertas sucessivos?
1. Em parte será, por certo, o impacto do trabalho técnico da Comissão Europeia, que periodicamente produz relatórios sobre Portugal e outros países membros. Por exemplo, é provável que os modelos macroeconómicos utilizados resultem em flutuações nas previsões. Mas mais ou menos 0,1 pontos percentuais de crescimento económico (i.e., 180 milhões de euros numa economia de 180 mil milhões de euros), como na previsão publicada agora (a previsão anterior da Comissão era de Fevereiro de 2016) parece-me um resultado, no mínimo, irrelevante ou, para parafrasear a eloquente expressão de Keynes, uma previsão “exactamente errada”. A Comissão deveria dizer que não é significativo e encerrar o assunto por aí, tanto mais que tais previsões dependem dos “inputs” utilizados bem como das características do modelo. Se os “inputs” utilizados não são completamente objectivos (e nunca o são), então essas pequenas variações podem resultar de enviesamentos diversos. Note-se que a previsão anterior da Comissão era de um défice de 3,4% do PIB para o défice, antes de considerar as medidas impostas para dar a sua “aprovação” ao projecto de OE 2016. Agora (os 2,7%) já entra em conta com essas medidas subjacentes ao OE 2016. Convenientemente, as previsões de Bruxelas para o défice nominal e para o défice estrutural ficam 0,5 pontos percentuais acima da previsão do Governo, ou seja são “suficientemente” distantes para que a Comissão possa “exigir” a tomada de medidas adicionais;
2. Será porque as contas públicas estão a evoluir negativamente? Não! As contas públicas até estão a evoluir razoavelmente bem … dado que o OE 2016 só há pouco entrou em vigor… as contas públicas estão essencialmente em piloto automático desde que o Tribunal Constitucional chumbou o corte dos salários dos funcionários públicos e de pensionistas a 30 de Maio de 2014 e em Agosto do mesmo ano chumbou o corte permanente das pensões. A partir dessa data o governo anterior desistiu de introduzir novas “reformas”. Essa estabilidade nas políticas públicas em combinação com contenção na despesa, permitiu a consolidação orçamental entretanto obtida;
3. Será que se trata de teatro Kabuki em que se procura encenar uma situação de crise artificial para forçar não se sabe bem o quê – e.g., crise de dívida, descida do rating, queda do governo – a la Poul Thomsen do FMI? Vamos acreditar que não;
4. Será que o receio da Comissão Europeia e do FMI é que a actual política do governo dê certo? Que, no curto prazo, a despesa pública aumente e o défice diminua? Esse seria de facto um cenário catastrófico após anos de austeridade, porque poria em causa a tese de que a austeridade é virtuosa e que é o único caminho – a tese “TINA” (de “There Is No Alternative”). Note-se que se me afigura que, no curto prazo, se irá verificar uma melhoria das contas públicas. Mas infelizmente, não obstante flutuações temporárias virtuosas, a trajectória, com austeridade ou sem austeridade, dados os cerca de 130% do PIB de dívida pública, é clara;
5. Ou será que o objectivo destes “alertas” todos é apenas estratégia negocial, i.e., reforçar a posição negocial da Comissão Europeia, para conseguir que o Governo de Portugal seja flexível noutras matérias em que a posição negocial da Comissão seja mais fraca. Dois exemplos meramente hipotéticos: a Comissão arranja todos estes argumentos para pressionar o Governo português e consegue que este desista de apresentar uma queixa no Tribunal Europeu devido à forma como a Comissão e o BCE actuaram no caso Banif, ou consegue que o Governo deixe o Banco de Portugal vender o Novo Banco a um banco estrangeiro.
Parece-me que, destas hipotéticas explicações para o comportamento da Comissão, a 1 e a 5 serão as mais plausíveis.
Estranha União esta, em que o cerne (e o prazer) do jogo é, na realidade a negociação entre representantes de governos e entre estes e Comissão e /ou BCE. A negociação é nas aparências civilizada q.b., mas é duríssima, com “quid pro quo” deselegante e inaceitável, parecendo-se mais (como já antes referi) com as intrigas de uma corte real do que com órgãos de governo.
Parece-me, contudo, que a Comissão – e a Direcção Geral de Economia e Finanças (DG-ECFIN) em particular – está, para usar uma expressão anglo-saxónica, a “jogar mais do que as cartas lhes permitem”. Porque ao negociar desta forma, alheando-se dos factos e dando pouca relevância aos dados sobre a execução de 2015 e de 2016, parece alinhar-se mais com um campo político do que com outro. E, ao querer impor a sua vontade a todo o custo, parece às vezes esquecer que a boa-fé, a confiança e a isenção devem nortear a sua acção.
Ora, a Comissão não pode esquecer que além de ser honesta deve também parecê-lo…
“Parece-me que, destas hipotéticas explicações para o comportamento da Comissão, a 1 e a 5 serão as mais plausíveis.”
Bem o ponto dois não explica nada sobre a comissão, por isso dificilmente seria plausível.
“Estranha União esta, em que o cerne (e o prazer) do jogo é, na realidade a negociação entre representantes de governos e entre estes e Comissão e /ou BCE”
“é apenas estratégia negocial, i.e., reforçar a posição negocial da Comissão Europeia, para conseguir que o Governo de Portugal seja flexível noutras matérias ”
Este artigo é sério? Portanto a teoria da conspiração é que a CE o que realmente quer e do qual tira prazer é através de números e comunicados negociar e ameaçar um dos países que é membro para vender bancos à força?!.
Ou isto é mesmo assim e então o melhor é sairmos já deste covil de malfeitores que só nos querem roubar, ou então…
Metem o chapéu de alumínio que acabámos de entrar no universo da fantasia do Ricardo Cabral
Caro António Santos Pereira,
está a ser deselegante e não merecia resposta, mas é esse género de “tomá lá, dá cá” que ocorre repetidas vezes nas negociações com as instituições europeias, as quais nem sequer procuram ocultar o facto. Por exemplo, a DG-Comp só autorizou, a prorrogação da garantia estatal para obrigações do Novo Banco e em prorrogar por um ano o prazo para a sua venda, a 21 de Dezembro de 2015 (http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-6381_en.htm), ou seja, imediatamente após o fim-de-semana fatídico (de resolução) do Banif. Acredite em mero acaso se assim entender …
Talvez seja útil considerar a constituição da “CE”, o modo como foi constituída, a anulação factual do poder de iniciativa do chamado Presidente da Comissão, o condicionamento do poder das instituições à sobrevivência do poder alemão e satélites, a posição francesa nesse jogo de forças, a eficácia da única instituição da chamada “UE” que funciona e já conquistou poder próprio que é o BCE e a força do total falhanço das políticas impostas nos últimos 10 anos e as limitações da chamada “bazuca”.
Aquilo são criaturas sem poder, sem legitimidade, mas comprometidos com grupos de pressão e com a sua própria sobrevivência. A sua força vem de quem cede soberania à insinuação de posse de poder que essas criaturas transmitem em informação chantagista contraditória e intoxicante pela frequência e por alimentar todas as clientelas provocando movimentos alternativos do conflito político e social e das expectativas de uns e outros incluindo a comunicação social que se flagela em notícias frequentes e desmentidos frequentes.
A força daquelas criaturas vem-lhes do caos e insegurança que geram e de na emergência os efetivos detentores de soberania delegada pelo voto cederem essa soberania traindo os seus eleitorados.
Estou a chegar à conclusão que a UE (e o euro) são para Portugal uma fonte de problemas.
É caso para repensar se nos convém ou não lá permanecer. Se não nos resolve problemas mas só os cria…
Como se Portugal não conseguisse criar problemas “orgulhosamente sozinho”… Tivemos o privilégio de ter uma Troika europeia benevolente a tratar dos problemas que Pinto de Sousa criou, em vez de termos levado com o tratamento completo do FMI, mas esperar gratidão de um tuga é o mesmo que esperar uma moeda de ouro na lixeira.
Exmo. Sr.
O artigo é muito interessante.
Sugiro, contudo, que estude a história por trás desta infeliz frase atribuída a César e quão injusto foi o julgamento de Pompeia. Utilizar esta frase como exemplo de moral é um erro.
Cordiais cumprimentos,
Cristiani Oliveira
Argumentos para o contraditório do afirmado pelo articulista?
Zeroooo!
Cristiani, há argumentos nessa cabeça, ou é mesmo só boçalidade levada ao extremo?
Cordiais cumprimentos,
Nuno Silva
Caro Nuno Silva,
Concordo, de uma forma geral, com o ponto de vista do artigo.
O que não concordo é com a expressão utilizada no título. Expressão esta muito utilizada por comentadores.
Devíamos era estar preocupados com o que “César” está a fazer e não com a aparente honra da sua mulher. Caso contrário corremos o risco de termos o mesmo destino que Pompeia, cujo crime foi um adultério que não chegou a existir.
Cara Cristiani Oliveira,
agradeço o seu comentário. Hesitei em utilizar o provérbio precisamente à sobranceria e injustiça da frase de César em relação a Pompeia. Mas para mim, o provérbio hoje é utilizado com um sentido distinto, nomeadamente em relação à actuação de decisores e de instituições públicas. Foi só com esse sentido que pretendi utilizar o provérbio no post.
…e Krugman, mais uma vez, responde a essa coisa dita “Comissão” (o “Politburo” do PPE)…e diz, simplesmente; “não há boas razões para se ser religioso quanto às metas orçamentais”… querendo dizer; são uns fanáticos – mas e apenas e só com para a brasa na sua sardinha…
Como costume, RC põe o dedo na ferida. Consequência? 15 minutos depois aparece o contraditório, alheado de ideias, agastado de azedume, desprovido de pensamento critico construtivo. Que tristeza jovens cabeças…
Caro senhor doutor Cabral,
Desde Novembro, venho reparando que o senhor doutor se tornou um otimista, quando antes era das pessoas mais pessimistas que andava a escrever na Blogosfera.
Como não duvido da sua imparcialidade, assumo que tal mudança só se possa dever a algum medicamento/droga que ande a tomar. Sendo eu pessimista por natureza, o que me cria alguns constrangimentos, pedia-lhe encarecidamente que partilha-se o nome do medicamento/droga que anda a tomar ou, se for um medicamento/droga de prescrição médica obrigatória, pelo menos me possa dar o nome do médico que lha prescreveu.
Tenho esperança de poder ver, tal como o senhor doutor, um mar de rosas em todas as ações do governo português.
Na certeza da sua colaboração, agradeço a sua boa vontade.
Atenciosamente,
António Teixeira
É que o Dr. Ricardo Cabral sabe fazer as continhas e demonstrar aquilo que afirma.
Coisa que os clubistas da política como o António não estão óbviamente interessados.
Resta-lhes a ofensa e a calúnia como manifesto da sua frustação.
Caro António Teixeira, O que lhe falta, a si, não é um medicamento/droga. O que lhe falta, a si, é fé. Para ser otimista é precisa muita fé na ideologia dos amanhãs que cantam e na geringonça que a executa. Recomendo-lhe que leia, com devoção, as crónicas de Ricardo Cabral e que leia, com devoção duplicada, as de Francisco Louçã porque ele tem uma fé particularmente comovente.
Caro António Teixeira, penso que não precisa de um medicamento/droga. Precisa de ter fé. Para estar otimista é preciso ter muita fé na ideologia dos amanhãs que cantam e na geringonça que a executa. Recomendo-lhe que leia, com devoção, os artigos de Ricardo Cabral e que leia, com devoção duplicada, os artigos de Francisco Louçã porque ele tem uma fé particularmente comovente.
Caro Ricardo Cabral,
Poderia me informar por que razão a minha resposta ao António Teixeira não foi publicada?
Quando se pôe em causa a idoneidade da Comissão Europeia, está-se a questionar todo o sistema em que vivemos. Sempre houve um comissario Português. Enquanto choveu dinheiro da CEE, em Bruxelas só havia cavalheiros…
Nem mais. Os europeus, em vez de chatearem, deviam mas era trabalhar para sustentar o nosso défice. É que nós por cá defendemos o princípio da solidariedade, isto é, da solidariedade dos outros para connosco.
O que os Portugueses mais fazem é sustentar o défice provocado pelas vigarices dos Banksters privados Donos disto tudo … Criam buracos com o dinheiro que criam do nada em benefício próprio … que depois todos estamos obrigados a pagar… Nada mais justo.
Caro MP, espero que, pelo menos, a geringonça trate das vigarices, uma vez que é ela que agora manda em Portugal.
Caro MP, esperemos que, pelo menos, a geringonça saiba tratar das vigarices. Afinal é ela que agora manda em Portugal.