Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Ricardo Cabral

11 de Abril de 2016, 23:33

Por

União Bancária ou Furacão Bancário?

A União Bancária é de novo um dos casos em que receamos – com fundadas razões e exemplos – a má utilização dos novos poderes que se transferem e que se confiam a instâncias europeias.

É certo que a tarefa das instituições europeias no que se refere à União Bancária não é fácil: durante demasiados anos “empurrou-se o problema com a barriga” e os supervisores nacionais foram condescendentes com os “campeões nacionais” (i.e., os bancos nacionais).

Contudo, as soluções não podem ser decisões arbitrárias, não devidamente fundamentadas e explicadas. E não podem ser decisões à revelia de direitos e princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático. Não podem ser farsas, como referido por dois deputados à Assembleia da República na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif.

Não se pode aceitar que tendo sido criados dentro (e fora) do BCE mecanismos para procurar isolar o processo de decisão da política monetária, dos processos de decisão da supervisão bancária (Mecanismo Único de Supervisão) e dos processos de decisão relativos a resolução bancária (Mecanismo Único de Resolução), na prática seja o Conselho de Governo do BCE – responsável exclusivamente pela política monetária – a tomar sozinho e de forma arbitrária todas as decisões importantes para a supervisão bancária e para a resolução bancária, à revelia dos órgãos competentes.

Com efeito, como evidencia o que já veio a público na Comissão de Parlamentar de Inquérito ao Banif, foi isso que aconteceu: o Conselho do BCE determina o congelamento do financiamento ao Banif numa semana, mas segundo António Varela, terá determinado e informado o Banco de Portugal (mas não o próprio Banif ou a CMVM) que retiraria o financiamento ao Banif na segunda-feira seguinte, dando assim sinais de que pretendia que se aplicasse a medida de resolução ao Banif durante esse fim-de-semana.[1] Ou, no caso da recapitalização do Novo Banco, em que terá sugerido ao BdP que se impusessem perdas a alguns credores seniores.

São estas as formas certas de tomar decisões, nos bastidores, sem assumir responsabilidades, sem qualquer transparência, escolhendo os compradores?

Certo é que toda esta arbitrariedade dificilmente terá bons resultados. Está a resultar em “activismo”, ou seja, em movimentações não se sabe bem com que sentido e em que direcção no sistema bancário, em que accionistas de bancos, gestores de bancos e governos sentem que têm de fazer algo rapidamente: em quedas e volatilidade nas bolsas, em fusões, em injecções de capital, em criação de fundos públicos e outros instrumentos públicos para “apoiar” a banca, etc.

Em Itália, o governo de Matteo Renzi pretende criar um banco mau, para ficar com 200 mil milhões de euros de crédito mal parado da banca e criar um fundo público para injectar capital na banca italiana.

Em Portugal, o primeiro-ministro sugere medida similar para a banca portuguesa e preparam-se grandes fusões na banca, com o BPI a ser adquirido pelo La Caixa espanhol, a perspectivar-se a aquisição do BCP por empresa do grupo angolano de Isabel dos Santos, e a aquisição do Novo Banco pelo La Caixa. Ou seja, uma enorme concentração do mercado bancário.

Na Grécia, a Direcção Geral da Concorrência (DGComp) da Comissão Europeia deu o seu aval a injecções de capital público em grandes bancos privados no final do ano passado, considerando que não ocorreu ajuda estatal ilegal, uma vez que as injecções de capital contaram com uma grande participação do sector privado. Ora, entre os accionistas “privados” que participaram no aumento de capital de alguns desses bancos gregos, estão: fundos soberanos de riqueza, o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento e a International Finance Corporation do Banco Mundial. Ou seja, esses fundos soberanos e esses bancos multilaterais públicos utilizam dinheiros públicos para “investir” em acções da banca grega apostando, naturalmente, em mais-valias. Mas, numa pequena parte graças a esses investimentos, a ajuda estatal passa de “ilegal” a “legal”, de acordo com a Comissão Europeia e com a Comissária Margrethe Vestager. E alguns desses bancos têm planos de reestruturação e de recapitalização que se sucedem há anos.

Piraeus

Fonte: Comissão Europeia

Na Áustria, este fim-de-semana, o supervisor financeiro reestruturou cerca de 8 mil milhões de euros de dívida sénior do banco mau do Hypo Alpe Adria – o Heta Asset Resolution AG – em 54%, convertendo todas as maturidades para 2023 e impondo perdas de 100% a toda a dívida subordinada. Este é um processo que já se arrasta desde 2009 e o estado austríaco já gastou 5,5 mil milhões de euros a suportar o Hypo Alpe Adria. Só que parte dessa dívida do banco mau é garantida por um governo regional da Áustria.

As verdadeiras questões são, por um lado, se todo este “activismo” que se verifica no sector bancário de alguns países da UE, resulta da União Bancária, como parece ser o caso, e se, por outro lado, se esse “activismo” faz sentido em termos económicos, ou seja, se além de todas as perdas que já foram realizadas, não se estará a gastar mais dinheiro público desnecessariamente.

Os sinais, claramente, não são bons. Porque, note-se, um dos principais problemas da banca da periferia da zona euro é a sua dívida externa e não é substituindo dívida externa privada por dívida externa pública que se resolve o problema da banca.

Afigura-se, por conseguinte, que as instituições europeias – e o BCE em particular – estão a cometer um enorme erro, criando fundadas dúvidas sobre a qualidade e a fundamentação do seu exercício do poder e, mais importante ainda, sobre a sua isenção durante esse processo…

 

 

 

 

[1] O Banco de Portugal poderia, se quisesse, substituir a liquidez do Eurosistema pela Assistência de Liquidez de Emergência, mas tal seria um sinal que não concordava com a decisão do Conselho do BCE. Aparentemente o BdP preferiu não assumir essa “diferença de opinião”.

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