No meio das muitas notícias sobre o Banif, é difícil acompanhar as “pérolas” de informação que são divulgadas no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif, bem como na imprensa.
O Público aborda o conteúdo de uma carta de 9 de Dezembro de Jorge Tomé ao Banco de Portugal (BdP) em que, entre outros pontos, protesta contra a tentativa do BdP, a 17 de Novembro, de impor imparidades de 177 milhões de euros, que contrariavam as avaliações dos auditores escolhidos pelo BdP. Se essas imparidades fossem concretizadas, o rácio de capital CET1 do Banif cairia abaixo dos 8% (valor mínimo de referência, mas que pode ser temporariamente violado). Mas, mesmo nessa hipótese, tal não seria ainda suficiente para fundamentar uma medida de resolução bancária, uma vez que o valor mínimo legal do rácio de capital CET1 – que, a não serem cumpridos, obrigam à aplicação quase-automática de uma medida de resolução – é de 4,5%.
Ou seja, a ser verdadeira a referida imposição, dá a ideia que o Banco de Portugal já a 17 de Novembro (ou seja mais de um mês antes da aplicação da medida de resolução) procurava encontrar argumentos legais para fundamentar a aplicação de uma medida de resolução ao Banif. O objectivo não parecia ser a estabilidade do Banif, nem um plano de contingência, mas sim o de reduzir os riscos legais do Conselho de Administração do Banco de Portugal caso se viesse a optar por essa via (da resolução), i.e., criar o “casus belli” legal.
A carta do CEO do Banif, de 9 de Dezembro, identifica claramente a questão e coloca em cheque o Conselho de Administração do Banco de Portugal, acusando-o de promover a instabilidade no Banif. O BdP reage, no dia seguinte, implicitamente dando razão a Jorge Tomé, emitindo o registo de idoneidade dos gestores nomeados e, aparentemente, recuando na sua tentativa de determinar imparidades de 177 milhões de euros.
Quando o Conselho de Administração do Banco de Portugal decide aplicar a medida de resolução ao Banif, a 19 de Dezembro de 2015, aparentemente entra em contradição com o que havia determinado há apenas 9 dias. E, age sem que estejam preenchidos os critérios legais para a aplicação de uma medida de resolução – porque, a 19 de Dezembro de 2015, formalmente, o Banif era solvente e cumpria os rácios de capital mínimos.
Na realidade, as medidas adoptadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal a 20 de Dezembro de 2015 são, na prática, equivalentes à imposição de imparidades, não de 177 milhões de euros, mas sim de cerca de 3570 milhões de euros[1]. Essa enorme reavaliação do valor dos activos do Banif foi efectuada não obstante e à revelia dos pareceres dos auditores do Banif sobre as contas dessa instituição.
Note-se que o Banco de Portugal continua sem apresentar as contas da resolução bancária do Banif…
[1] Poder-se-ia obter um banco com um balanço equivalente se se tivessem imposto imparidades nesse montante e posteriormente realizado as injecções de capital. Saliente-se que foram injectados 3180 milhões de euros de dinheiros públicos no perímetro do antigo Banif: 1766 milhões de euros de aumento de capital, 489 milhões de euros do Fundo de resolução, 746 milhões de euros de dívida da Oitante contra-garantida pelo Estado, 179 milhões de euros de activos por impostos diferidos. Carlos Costa na sua intervenção perante a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif só refere o “haircut” de 1400 milhões de euros no valor dos activos que passam para a Oitante e 1100 milhões de euros de provisionamento genérico. Por outro lado, o valor dos capitais próprios e da dívida subordinada do antigo Banif era de cerca de 1070 milhões de euros e cai, de acordo com o Governador do Banco de Portugal, para 680 milhões de euros. Ou seja, 3570=1766+489+746+179+(1070-680). Para o Banif mau passam, segundo Carlos Costa, cerca de 300 milhões de euros de activos residuais que, nos termos do estipulado na lei de resolução bancária, deveriam ter um valor contabilístico próximo de zero.
Ricardo Cabral
Agora só sobre o seu último parágrafo.
Por aquilo que se percebe das audições, o BP só terá determinado as imparidades de 17 de Novembro.
Já em resolução o Santander retirou do Banif cerca de 2500 M de activos que foram para a Oitante ( 2200) e ficaram no Banif (300). A DG Com impôs 66% de hair cut aos activos da Oitante. O Santander negociou, julgo que com o BP, provisões de 1133 M ( ou um pouco menos, se os 177 M já referidos entraram neste bolo ) a aplicar aos activos que adquiriu. E o Estado teve que capitalizar o remanescente, menos o que o FR pagou com obrigações, de forma a equilibrar o Activo e o Passivo.
Acresce, julgo eu, que deve ter sido estabelecido um valor ( preço ) por este pacote ao qual terá sido deduzido o valor necessário para cumprir os rácios ( tier core 1?) e capitalizar o pacote. Mas sem conhecer o perimetro não é possivel valorizar esta operação
Qual é o seu entendimento?
Obrigado
Ricardo Cabral.
Eu também acho que os 489 M não voltam. Mas para o cálculo que faz, julgo que não os deve contar nos 3180 M. Foram custo, de acordo, mas como não estavam reflectidos ainda nas contas, não podemos reclacular os activos com eles. Foram uma dotação para custod futuros.
Outra questão é como ficou ( ou não) acordado a eventual restituição das provisões de 1.133M impostas pelo Santander, Como são provisões, caso não se verifiquem ser necessárias, pelo valor remanescente, são anuladas isto é, constituem receita. Será que foi acordado que serão devolvidas pelo Santander ao Estado/FR?
Finalmente, tem alguma estimativa de qual foi o desconto ( lucro potencial do Santander ) que foi efectuado sobre o justo valor da operação?
Abraço
Caro Acácio Pinheiro,
porque se injectam os 489M€? Na prática porque se constituem “provisões genéricas” de 489M€ (dos 1100M€) para fazer face a esses custos futuros. É “quase equivalente” a constituir já imparidades de 489M€.
Parece-me que o negócio com Santander está fechado e que o Santander não está obrigado a devolver nada nem tem qualquer incentivo para o fazer.
Em relação ao lucro potencial do Santander, com a informação que tem sido aos poucos e poucos divulgada na imprensa parece-me possível estimá-lo. Irei procurar fazê-lo num futuro post.
Meu Caro
Não é facil tentar antecipar os números na ausência de informação. Por isso agradeço o seu esforço.
Julgo contudo que os 489 M não devem ser considerados ( pelo menos na integralidade ) pois parece-me que se destinam a fazer face a custos futuros ( naturalmente ainda não refletidos no Balanço do Banif).
Por outro lado, e dado o valor imposto às imparidade dos activos que transitaram para a Oitante, julgo que haverá saldos positivos quando do fecho das operações de liquidação da mesma. Só ainda não é claro se os mesmos reverterão para o Estado ou ficarão no Fundo, caso em que, na prática, reverterão para os bancos do sistema.
Quanto ás imparidades impostas ao Banif, em 17 de Novembro, julgo que a sua interpretação de recuo do BP, não se verificou, pois, segundo Carlos Costa, foi o conhecimento desse facto pelo SSM e pela DGCom, em 16 de Novembro, que determinaram o curso final do processo.
Caro Acácio Pinheiro,
agradeço o seu comentário. Mas parece-me que os 489 M€ foram pagos para a parte que foi adquirida pelo Santander Totta e não volta. As “imparidades” (ou “provisões”) impostas no processo de resolução são estimativas que me parecem muito (demasiado) arbitrárias. Se os valor dos activos for superior, as sociedades que detiverem esses activos realizam lucro (que não volta necessariamente para o Estado como bem refere no seu comentário).
Os cálculos que faço procuram medir o que ocorre ao perímetro do antigo Banif. Foram injectados 3180M€. Se o Banif continuasse a existir e mantivesse um nível de capital próprio igual ao seu antigo capital próprio mais dívida subordinada (1070M€), então tal seria equivalente a constituir imparidades de 3180M€. O valor contabilístico dos activos existentes caia 3180M€, o valor das disponibilidades líquidas aumentava 3180M€. Os activos totais mantinham-se constantes.
Como os capitais próprios caem para 680M€, na realidade é como se impusessem imparidades dos referidos 3570M€ (=3180+1070-680). Com este nível de imparidades os capitais próprios caiam para -2500M€ e após a injecção de capitais passariam a ser os referidos 680M€.
Admitamos que o BdP tinha razão e que o Banif deveria constituir 177M€ de imparidades na sequência da carta de 17 de Novembro. Como é um mês depois, no âmbito da aplicação medida da resolução, na prática o BdP determina a constituição do equivalente a 3570M€ de imparidades?
A Economia é ECONOMIA POLÍTICA, quem se esquece do Política …