Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

8 de Janeiro de 2016, 10:41

Por

Marcelo Rebelo de Sousa versus Sampaio da Nóvoa

novoa marceloUm debate picado, no limite do frenesim nervoso, em que ambos os candidatos quiseram sublinhar as diferenças, foi assim ontem.

Marcelo Rebelo de Sousa teve que sair daquele papel de príncipe que recebe com bonomia os seus camponeses em dia de festa, para passar a discutir ideias. Até agora, tinha sido o candidato que acena delicadamente quando discute com Tino de Rãs. Agora passou a ser o homem que tem que defender o seu passado e quer ser presidente.

Sampaio da Nóvoa teve que sair do seu discurso redondo e lançou uma bateria de críticas contra o adversário. Até agora, tinha sido o homem da preocupação com as clivagens sociais, mas sempre vago e com uma campanha triste. Agora, passou a ser o candidato que quer dar luta.

Para os dois, este confronto foi portanto uma vantagem. Rebelo de Sousa estava a conduzir a campanha no limite da indolência, arriscando-se portanto a promover a abstenção no seu próprio campo (fazer notícia do acto de comer a sandes de queijo e umas bolachas Maria com os bombeiros é dizer aos seus eleitores que podem ficar em casa porque o assunto está resolvido), e a abstenção da direita ainda o pode levar a uma segunda volta. Nóvoa precisava de um suplemento de alma, depois de ter começado mal e de ter mantido uma campanha nos interstícios das quezílias do PS, que tudo lhe prometeu e em tudo o enganou. Ambos ganharam por isso com o debate.

Forma e conteúdo do debate

Na forma, cumpriram quase sempre bem o seu roteiro. Revelaram apesar disso uma animosidade pessoal excessiva e aqui e ali incontrolável vontade de ajustes de contas (é conhecido que o reitor Nóvoa pôs um processo disciplinar ao professor Rebelo de Sousa, isto no “tempo antigo”) e nem o quiseram esconder – o que não os beneficiou. Mas no resto sabiam bem o que queriam. Nóvoa tinha que insistir na oscilação de posições, Rebelo de Sousa tinha que insistir na falta de posições. Um critica o excesso de presença e a sua variação e outro argumenta a ausência e o seu silêncio.

Assim, Nóvoa seguiu o guião e, quando Marcelo por duas vezes o interpelou sobre o 25 de Novembro, soube não responder e não se desviar. Provou maturidade nessa escolha. Já quando veio a rasteira dos gastos de campanha, não soube manter a mesma frieza. Também teria feito melhor em evitar a conversa sobre quem decidiu, como decidiu e quando decidiu ser candidato, creio que os telespectadores só se podem aborrecer com essa derivação. Finalmente, terceiro erro, não vejo como Nóvoa pode insistir na acusação a Rebelo de Sousa sobre a participação na última campanha eleitoral: é uma acusação forte e verdadeira, é um ponto fraco do candidato da direita, mas não sentirá Nóvoa que lhe podem perguntar porque é que, se tinha tanto empenho na viragem política, não participou também ele na campanha que decidia essa viragem, mesmo que fosse com a distanciação de um candidato presidencial? Ou, se era tão importante, onde andaste tu?

Em tudo o resto, acho que Nóvoa ia bem preparado e, sempre que seguiu o guião, marcou pontos. Ganhou com uma referência sólida aos limites que a direita quis impor ao Serviço Nacional de Saúde (a resposta de Marcelo, de que o PS concordou depois com isso, é verdadeira mas já veio tarde), ganhou na crítica ao discurso de Marcelo sobre a escola pública e ganhou em insistir nas muitas posições muito vagas em muitos momentos diferentes por parte do seu adversário.

Pontos fortes e pontos fracos dos candidatos

Ponto fraco de Nóvoa: os três ex-presidentes que lhe explicaram que ele era o homem indicado para Portugal. É uma referência constante e é excessiva. Percebe-se porque o faz, o défice de notoriedade leva-o a procurar associar a imagem de três pessoas muito conhecidas, que ainda para mais sugerem uma abrangência política ampla (Eanes presidiu à Comissão de Honra de Cavaco Silva os Sampaio e Soares dirigiram o PS). Mas isto tem dois problemas. Um é que é muito exibido, é portanto uma confissão de fraqueza – quanto mais Nóvoa fala dos ex-presidentes mais sublinha que lhe falta alguma coisa. Outro é que é algo arrogante: é péssimo o candidato dizer que as pessoas importantes lhe disseram que ele é o homem indicado. Bastava os ex-presidentes aparecerem na campanha e o efeito estava conseguido, sem o candidato ter que cansar os eleitores com a ansiedade pelo atraso no seu reconhecimento.

Ponto forte de Nóvoa: querer abrir a política, ser generoso na sua visão do país e ter causas fortes, como a educação.

Ponto fraco de Marcelo: presença demasiada é risco demasiado. Para mais, ele seguiu de perto a “narrativa da austeridade” e foi tudo demasiado. Já se viu no debate com Marisa Matias, repete-se com Nóvoa, o candidato da direita comentou, analisou e falou, mas não combateu e por vezes apoiou ou tolerou a cruzada de autoritarismo, desigualdade e fanatismo ideológico que o seu partido impôs a Portugal.

Ponto forte de Marcelo: é muito popular e sabe disputar as eleições. Tornou-se o mais entusiasta apoiante de António Costa, concorda com tudo o que o governo faz, percebe tudo o que o governo pensa, aceita tudo o que virá a fazer no imediato.

E agora chegamos à recta final

Finalmente, este debate impôs uma mudança aos dois candidatos. Não sei se a queriam, mas é certo que ambos estavam numa posição calculista e o calculismo nunca é uma estratégia consistente. Isso acabou ou começou a acabar.

Desde o início, Nóvoa e Rebelo de Sousa escolheram apresentar-se como candidatos de centro, porque é aí que acham que se ganham as eleições. Ora, Nóvoa, que é um homem de esquerda, passou por isso a declarar que a sua candidatura não é de esquerda, ou seja, que ele não é ele. Rebelo de Sousa, que é um homem de direita, passou a declarar que só se sente bem ao centro, ou seja, que ele não é ele.

Com essa fisgada, cada um tentou encostar o outro para o lado. Rebelo de Sousa referindo o apoio do MRPP e do Livre a Nóvoa, o que é evidentemente irrelevante, e Nóvoa sugerindo que Rebelo de Sousa é o caminho para a desforra de Passos Coelho (a tese, agora esquecida, de que o novo presidente dissolveria o parlamento em Março para eleições em Junho). Nenhum dos jogos tem consistência. Ora, com o debate de ontem, Nóvoa teve que se situar à esquerda, o que pode causar engulhos a quem é candidato na área do PS, e Marcelo teve que se situar à direita, o que lhe dá um baço institucionalista que ele queria evidentemente evitar.

Um debate picado, candidatos seguros a seguirem o seu guião e com raros deslizes para debates pessoais, algumas ideias em discussão, visões diferentes do papel do Presidente, quase tudo em benefício das eleições.

Comentários

  1. Professor Francisco Louçã, muito muito obrigado pela análise. Foi a mais imparcial e astuta que encontrei sobre este debate. Concordo em pleno.

  2. Caro Louçã,

    Olhe que não é uma fantasia. Infelizmente, é mesmo verdade, como pode comprovar aqui:
    http://www.balkaneu.com/greek-government-proposes-pension-cuts-opposition-slams-reform-plans/

    “Greek Labor Minister Giorgos Katrougalos presented the government’s social security reform plan to the President of the Hellenic Republic, Prokopis Pavlopoulos, and the leaders of opposition parties in a series of meetings held on Monday.

    The proposals of the Greek government on the overhaul of the social security system were also delivered to the country’s “quadriga” of creditors for an initial assessment before formal talks could begin over the plan.

    The proposal foresees cuts to the main pensions of all those retiring from 2016 onward ranging from 15% to 30% affecting pensionsers receiving above 750 euros while supplementary pensions will be slashed too.”

    Enfim, pode sempre dizer que não são necessariamente 30% : em princípio, os cortes variarão entre 15% e 30% (e apenas para pensões acima de 750 euros). E pode também dizer que o governo do SYRIZA não está a “capitular perante a Troika”, longe disso: está apenas a “negociar com a Quadriga” (percebe a diferença?).

    E também pode dizer que o BE não apoia o SYRIZA (ou será que apoia?).

    1. Encontrará notícias com propostas muito diferentes, se procurar com algum cuidado na imprensa grega.

    2. Obrigado pela informação, fico mais descansado (apesar de tudo, ainda me considero apoiante do SYRIZA). Sendo assim, agradeço que aqui divulgue os links para essas “propostas muito diferentes”, se possível com a indicação sobre o que é “realidade” e o que é “fantasia”. Logo que possível, não tem que ser de imediato.

  3. Não concordando com tudo o que Francisco Louçã escreve, tenho que reconhecer que estamos perante um texto inteligente e honesto, Trata-se de um contributo para a democratização do comentário político.

  4. Marcelo e enganador serve.se da TV para iludir os portugueses , nao queremos um PR.desvairado ( paloeiro ) queremos um PR. Vindo da sociedade civil e que defenda a Patria e os Portugueses

  5. Assisti ao debate e este é o primeiro ponto que devo salientar, porque ausente do país, até data recente, foi o primeiro a que assisti.Na minha perspectiva, encontrei um candidato que representa a política de direita, a economia controlada pela direita, a lusitanilidade assumida, como exclusivo pela direita, preocupado com a divisão entre os portugueses e empenhado na cruzada para reunir as duas metades de um país, que encontrou um opositor que se assumiu, pela primeira vez, como representante de uma das partes, sem exclusividade de ideias e sem a pretensão de fazer qualquer quadratura, muito menos num círculo.De resto, a sua análise, Francisco Louçã, não desmerece de outras, pela consistência e estrutura, talvez, com o detalhe de não acentuar, que um dos contendores, MRS, foi atingido na sua zona mais vulnerável, a sua faceta optimista que o fez convencer, que além de candidato é, acima de tudo, o vencedor.

  6. Marcelo não se quer encostar «para o lado», à direita, Sampaio da Nóvoa não se quer encostar »para o lado», à esquerda e, surpresa das surpresas, Francisco Louçã não quer reconhecer a derrota de Marcelo no debate. Faz mesmo uma avaliação muito light do desempenho do candidato «esganiçado», qual metralhadora falante que sempre teve opinião sobre tudo, incluindo festivais gastronómicos, futebol…Que sempre cultivou um ar de cavalheiro e que, no debate, mostrou a sua raça: descontrolado, agressivo, mal educado. Onde estava Nóvoa no 25 de novembro? Onde estava Marcelo no 24 de abril? A escrever ao «padrinho» Marcelo Caetano, enviando informação sobre comunistas?
    Estranhamente, ainda ninguém perguntou ao candidato «esganiçado» e hipotético presidente da República,logo hipotético comandante máximo das Forças Armadas, se cumpriu ou não cumpriu o serviço militar e se cumpriu por que razão não participou na guerra colonial.Eu cumpri, o meu pai não era ministro.

  7. Bem sei, Francisco Louçã, que tem ainda em campanha sua candidata Marisa Matias, para poder ser realmente isento e reconhecer a vitória de Sampaio da Nóvoa no debate de ontem. Em vez do empate que está subjacente na sua análise, Nóvoa encostou Marcelo às parede e isso é a grande novidade de ontem. Já se tinha percebido a grande dificuldade de Marcelo Rebelo de Sousa em lidar com a crítica no debate que com Marisa Matias. Vê-se que, habituado à bajulação, faz um esforço de fazer dó para se manter em silêncio quando as críticas são frontais. Habituado a ver-se a si próprio como a estrela que domina a sua galáxia, ao ter que lidar de igual para igual sente-se perdido. O seu olhar e expressão facial revelam insegurança, nervosismo e um grande esforço para manter o controlo. Esta análise não está no texto de FL, mas pode influenciar mais o eleitor do que o que é dito. Sampaio da Nova foi assertivo, seguro, sereno e contundente. Marcelo ficou completamente encurralado e não foi capaz de se segurar. Ensaiou tentativas de conta-ataque que se revelaram histéricas e descontroladas. Sampaio sorria serenamente, com a noção clara de que estava por cima e o seu adversário se espalhava ao comprido. Marcelo mostrava grande imaturidade emocional e grande falta consistência política. Os seus argumentos chegaram a ser patéticos, ridículos. Parecia um puto azougado numa zaragata e o contraste com a segurança e tranquilidade de Sampaio da Nóvoa esmagavam-no. Onde estava a dignidade de Chefe de Estado? Não é certamente em Marcelo. Não tem perfil psicológico, emocional nem político para ser Presidente da República. Oxalá as sondagens venham a revelar uma viragem que este debate representa.

  8. Vi o debate e, sinceramente, não estava à espera que Marcelo “mostrasse os dentes” de uma forma tão agressiva, desadequada e deselegante como o fez. Creio que Nóvoa também ficou algo confuso, e atónito, com os ad hominems consecutivos de Marcelo. Numa primeira abordagem, Nóvoa ia quase cair na armadilha de Marcelo e responder ao mesmo nível, baixo nível. No entanto, recuperou a sensatez de se mostrar um indivíduo muito mais equilibrado e contundente do que Marcelo. Mas o que me deixou mais perplexo foi o que se passou posteriormente: os comentadores escolhidos pela SIC e a sua “explicação” sobre o que se passou no debate.

    O senhores “fazedores de opinião” não perderam tempo em dar a vitória a Marcelo (Como se alguém tivesse ganho o quer que seja). Mas nada a estranhar, são todos virados à direita. Não tendo qualquer interesse em que me façam opinião, achei deplorável a escolha e o que foi dito. Inusitada foi a escolha de Brilhante Dias para este espectáculo novelesco de opinião, que no seu muito natural tom provinciano de “seguidista” da facção pró-socrática do PS, veio com um grande sorriso nos lábios apoiar Maria de Belém, quando a opinião deveria ser sobre Marcelo e Nóvoa. Foi caricato, enquanto na primeira “explicação” tínhamos Ricardo Costa e uma senhora que era indubitavelmente de direita a tentar salvar Marcelo. Na segunda “explicação” de Brilhante Dias e Nuno Magalhães, pouco ou nada se alterou. Só mesmo Brilhante Dias a tentar não “malhar” em Nóvoa mas a fazer campanha por Maria de Belém e, por outro lado, Nuno Magalhães em mais uma das suas investidas parciais, sectárias e pouco esclarecedoras, na tentativa de salvar Marcelo.

  9. Francisco Louçã consolida uma posição de grande destaque no espaço público de critica politica nacional. Completa e aprofunda alguns dos vectores mais emblemáticos do magister empolgante e imprevisivel de J. Pacheco Pereira. Só que, atenção, os limites da intervenção mediático-parlamentar- tácticas hoje tão profundamente analisadas por um Alain Badiou ou um Jacxques Rancière- podem inviabilizar um projecto de real e indispensável alternativa ao sistema oligárquico moderado e fracote que nos governa. E quer se queira quer não, o que une inefavelmente liga as candidaturas e de Sampaio da Póvoa e Marcelo, reside numa iniludivel convergência teórica e politica na defesa do tão anquilosado modelo social de mercado.O paradoxo do melindre da situação real da politica portuguesa, só pode ser ultrapassado com a audácia de uma intervenção que conjuge Debord e Lénine, a critica radical do ” sistema ” e o fujlgor dos…sovietes post-modernos, um pouco à imagem do que melhor já realizaram Coluche e Beppe Grillo noutras latitudes.

    1. o que é um comentário (político ou não) se não se espraiar pelo name droping inconsequente e narcisista? Felizmente que há comentadores à esquerda como Francisco Louçã.

    2. Não percebi mesmo nada do que quis dizer … E eu acho que não sou burro de todo. O que e que se há-de fazer? Devia saber que quando se escreve em público ė para que os outros nos entendam. Assim é melhor não se dar a tanto trabalho.

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