Paulo Portas anunciou a decisão de não se recandidatar ao cargo de presidente do CDS, depois de 16 anos em que se evidenciou como deputado, dirigente político e governante.
A maior parte dos comentários tratou da circunstância. Que o governo Costa fica favorecido, porque impõe uma alteração ao mapa da direita e isso é o recibo da sua vitória. Que Passos Coelho fica sozinho e aproxima o dia de ajuste de contas com Rui Rio. Que a oposição parlamentar de direita fica paralisada durante o período orçamental, à espera de congressos. Tudo certo, tudo circunstancial.
A saída de Paulo Portas tem no entanto um outro significado, a meu ver. É um sinal de mutação do sistema político, que ele percebeu melhor do que muitos. Não chegamos ao fim de um ciclo, pois Costa, Passos e Jerónimo são do tempo atrasado, porventura só Catarina, e veremos se o futuro líder do CDS, é novidade nesse tempo antigo; sobretudo, não chegamos ainda ao fim do ciclo da dependência europeia, e é isso que marca a limitação constrangedora da democracia portuguesa. Mas entretanto mudou alguma coisa de essencial, porque se esgotou o campo da governação troikista e se abriu uma transição indefinida em que podemos voltar a cair no passado como podemos abrir portas novas.
Paulo Portas percebeu-o. O que fazia a sua força era do tempo antigo. Era a habilidade de explorar nichos eleitorais quando estava em dificuldade, de aguentar firme quando as casas de apostas lhe vaticinavam o fim, era a verve para a frase forte, era a persistência, era ter os olhos no objectivo, era procurar aliados. Ora, ele representou como ninguém no seu campo político os interesses sociais que deram forma ao CDS e que o mantiveram autónomo do PSD, e percebeu que estes anos recentes lhe impuseram por demasiado a força centrípeta do poder. Recuperar o CDS implica portanto sair da esfera do PaF e correr o risco eleitoral – e esperar muito tempo para se sair bem dessa desforra, ou perder.
Creio no entanto que o que pode ter decidido Portas a sair agora foi outra constatação. Na sua última intervenção, em debate com o Primeiro Ministro, Portas repetiu a sua melhor apresentação, foi acutilante, levantou problemas, sugeriu, deixou as frases de efeito. Mas isto foi o de sempre: nem a greve com que amedrontou o país estava iminente, nem a sugestão imaginosa de diferenças entre os parceiros da maioria colava num país que só se quer ver livre do sarilho anterior. Estava tudo deslocado. O tempo não volta para trás e não se pode ser feliz duas vezes na mesma água que já passou debaixo das pontes. Desconfio que, enquanto os colegas lhe davam palmadas nas costas, ele percebeu que aquilo não tinha trambelho nem futuro.
Recomeçará agora uma vida pública menos marcada pelo dia-a-dia, procurará expressões diferentes e verificará que essa renovação é tão necessária quanto difícil. Como se diz, andará por aí e será notado.
Cumprimento a persistência de um adversário que foi combativo neste trajecto de tantos anos, que sabia ser elegante, que também foi polémico e tomou decisões de que se arrependerá, mas que mostrou ao país o que queria. Não são muitos os que podem dizer o mesmo.
“O tempo não volta para trás e não se pode ser feliz duas vezes na mesma água que já passou debaixo das pontes.” – Fie-se na Virgem… Olhe para o Cavaco.
Passando ao lado dos cumprimentos e referências positivas às características pessoais de um adversário político, que são cortesias normais , haverá um aspecto que , poderá ter sido negligenciado pelo Francisco Louça , não tendo sido considerado no conjunto das razões que enumera.Paulo Portas vive para os grandes cenários que o próprio, diligente e sofregamente, prepara, sendo que a sua terá, sempre, de ser a personagem central.Como ser líder de uma oposição sem ter maioria absoluta?
Como disfrutar do perfume do poder, sem o exercer, mesmo que ,como sócio minoritário mas, com um desempenho visível e mediatizado, mais consentido por omissão do sócio do que conseguido? Não, Paulo Portas tem de ser seguido pelos holofotes , tem de ocupar o centro e desempenhar o papel principal, nem que seja o do vilão se não puder ser o de herói e para isso, não são bastantes, nem as luzes do hemiciclo da AR, nem os parcos votos dos eleitores que lhe confiaram o desempenho na peça.
Ora aqui está um artigo arguto e generoso! Inesperado para mim! De facto os novos tempos, diferentes do ‘tempo novo’, batem-nos à porta com força. E, estou de acordo, as grandes mudanças virão dos extremos, Especialmente do lado direito. Nesse sentido o futuro líder do CDS terá a espinhosa tarefa de apagar o CDS de Portas do mapa. Portas, politico hábil, fechou sempre a porta à natural expansão do CDS para a direita. Nunca gostou de travessias do deserto, o lugar do poder foi mais forte. A não ser assim o CDS fica sem espaço e morre.