Tudo Menos Economia

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Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

22 de Dezembro de 2015, 09:18

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Um terramoto em Espanha e nada mais?

O PP de Mariano Rajoy, derrotadíssimo mas ainda o primeiro partido, perdeu quatro milhões de votos e ficou com sete. Perdeu proporcionalmente mais do que Passos Coelho e Portas em Portugal. Perde assim 65 deputados e faltam-lhe 54 para a maioria, mas fala de “bases sólidas para o futuro”. Tentará formar governo e não tem condições políticas para isso.

O PSOE de Pedro Sanchez regista o pior resultado da sua história, com a menor bancada de sempre, perdendo 20 lugares em relação à sua derrota anterior. A declaração de Sanchez no domingo foi um enigma. Alguns pensarão que deitou a toalha ao chão, outros que está à espera.

O Podemos de Pablo Iglesias obtém um resultado notável, com mais de cinco milhões de votos, ficando a 400 mil do PSOE e elegendo 69 deputados e deputadas. É um grande sucesso para a nova esquerda e para os movimentos sociais que criaram um protagonista  que vai determinar a vida política em Espanha.

No entanto, Iglesias apresentou três condições, mas não se percebe bem nem a quem nem para quê. Seriam uma reforma constitucional para proteger os direitos sociais, incluindo o princípio de revogabilidade do governo que não cumpra o seu programa e uma nova lei eleitoral. Estas condições surpreendem, por duas razões: não são propriamente uma negociação pois não podem conduzir a resultados (o PP tem deputados suficientes para impedir qualquer revisão constitucional nesse sentido) e, sobretudo, secundarizam as questões de luta contra a austeridade, transferidas para o plano das regras constitucionais e não sendo tratadas no das medidas imediatas de governação, onde se podem fazer escolhas concretas.

Os partidos nacionalistas tiveram sortes diferentes. Uns recuam (Bildu no País Basco e BNG na Galiza), outros têm resultados impressivos (ERC na Catalunha). Sabendo que as questões nacionais são determinantes em Espanha, e que o referendo da Catalunha é prometido mesmo por forças centralistas (como o Podemos), a diferença sobre o direito destes povos pode ser um obstáculo a negociações entre os partidos quando Rajoy falhar a formação do seu governo.

Ou seja, não consigo ver como se evitarão novas eleições em Espanha. Só que, se isso acontecer, os partidos serão pressionados a apresentar as suas propostas para o imediato e demonstrar como as porão em prática. Por outras palavras, Podemos e Psoe lutarão por hegemonizar o espaço da contestação contra a direita.

Comentários

  1. Porque será que ninguém põe em causa a forma como se faz a distribuição de deputados?
    Eis um mistério. Pelo menos para mim.
    Diz-se que o método que Hondt concebeu no século XIX é um dos que garante melhor proporcionalidade entre os votos e a corresponde representação parlamentar.
    Dá que pensar que dois séculos depois ainda não se tenha encontrado um substituto à altura para este sistema que, na realidade, tanto distorce a proporcionalidade.
    Claro que o sistema britânico, que permitiu que nas últimas eleições o Partido Nacionalista Escocês (SNP), com menos de 5% dos votos, elegesse 56 deputados, enquanto o UKIP, com mais de 12%, elegesse apenas um (!), e que o Partido Conservador, com pouco mais de um terço dos votos (37%) obtivesse a maioria absoluta, é claramente muito mais injusto.
    Aliás, só encontro uma palavra para o definir: ABERRANTE!
    Estranhamente, o povo britânico convive tranquilamente com essa situação, assim como com outra instituição não democrática, a monarquia, e nem por isso deixam de ser, como sempre foram, uma das mais sólidas democracias do mundo.
    Nos EUA, todos nos lembramos das eleições em que o Bush filho conseguiu ser reeleito, apesar de ter tido menos votos do que o seu opositor Al Gore. E o que é mais estranho é que, apesar dessa distorção escandalosa da vontade popular, os americanos não alteraram o seu sistema eleitoral!
    Aqui na vizinha Espanha, que partilha connosco o tal método de Hondt, que passa por ser “o pior sistema, à excepção de todos os outros”, tivemos os seguintes resultados:
    O PP, com 28% dos votos, teve 123 deputados, o que corresponde a 35% dos eleitos. Numa representação fiel da vontade popular, teriam tido 100 (+23).
    O PSOE, com 22%, também beneficiou. Teve 90 deputados, em vez dos 77 que teria numa representação fiel da vontade popular (+13).
    Temos portanto uma distorção de 36 deputados em favor dos dois maiores partidos. E, consequentemente, em desfavor dos restantes.
    Por cá também se passou o mesmo. Senão, vejamos:
    O PaF teve 38% dos votos e 107 deputados (46%). Deveria ter tido 88, mais uma vez para respeitar a tal “vontade popular” que eles tanto apregoaram, quando nos andaram a tentar convencer que basta ser o partido/coligação mais votado para se ter direito a governar. Beneficiou 19 deputados.
    O PS teve 32% e 86 deputados. Deveria ter tido 74 (+ 12).
    Todos os restantes partidos perdem com este sistema, mas fiquemo-nos com este facto:
    Ao PSD chegaram 19 mil votos para eleger cada deputado, enquanto o BE precisou de 29 mil!
    Se isto é democracia, vou ali e já venho.
    Não seria melhor, para respeitar integralmente a vontade popular, fazer apenas um círculo nacional? As distorções seriam mínimas e a verdade é que não faz qualquer sentido fazer eleições por círculos distritais, porque o que está em causa é um parlamento nacional.
    Ou então criar um círculo nacional para compensar as perdas que os partidos mais pequenos vão tendo em cada distrito.
    Afinal, numa democracia o valor supremo deveria ser a “vontade popular”.
    Penso eu de que…

  2. Porque será que ninguém põe em causa a forma como se faz a distribuição de deputados?
    Dizem – e deve ser verdade – que o método que Hondt concebeu no século XIX é um dos que garante melhor proporcionalidade entre os votos e a corresponde representação parlamentar.
    Dá que pensar que dois séculos depois ainda reine este método, que tanto distorce de facto a proporcionalidade.
    Claro que o sistema britânico, em que nas últimas eleições o Partido Nacionalista Escocês (SNP), com menos de 5% dos votos, elegeu 56 deputados, enquanto o UKIP, com mais de 12%, elegeu apenas um (!), e em que o Partido Conservador, com pouco mais de um terço dos votos (37%) obteve a maioria absoluta, é claramente muito mais injusto.
    Aliás, só encontro uma palavra para o definir: ABERRANTE!
    Estranhamente, o povo britânico convive tranquilamente com essa situação, assim como com outra instituição não democrática, a monarquia, e nem por isso deixaram alguma vez de ser uma das mais sólidas democracias do mundo.
    Dos EUA, todos nos lembramos das eleições em que o Bush filho conseguiu ser reeleito, apesar de ter tido menos votos do que o seu opositor Al Gore. E apesar dessa distorção escandalosa da vontade popular, os americanos não alteraram o seu sistema eleitoral!
    Mas foquemo-nos na vizinha Espanha, que partilha connosco o tal método de Hondt, que passa por ser “o pior sistema, à excepção de todos os outros”.
    Assim, o PP, com 28% dos votos, teve 123 deputados, o Isso corresponde a 35% dos deputados. Numa representação fiel da vontade popular, teriam tido 100

  3. O que é triste é a direita continuar a ganhar eleições por essa Europa fora.
    Apesar desta austeridade sem fim à vista, o desgaste que os partidos de direita no poder sofrem não é suficientemente grande para os arredar.
    Porque será?
    Porque será que as esquerdas não conseguem apresentar propostas credíveis aos eleitores?

  4. “Ou seja, não consigo ver como se evitarão novas eleições em Espanha”

    É o grande problema sr professor! Mesmo em Portugal os abstencionistas não conseguem evitar esse hábito peregrinatório das eleições.
    Praticamente de 2 em 2 anos já é um abuso digo eu, ter de repetir porque não serve esta determinada expressão popular na maquina projectora de “governo e ordem” é como ir ao multibanco e enganar-me no pin. Uma chatice!

    1. É isso, só que o engano no PIN permite reverter o erro e à terceira tem consequências… Quem sabe… talvez seja uma regra a adoptar nas eleições…

  5. É possível uma coligação PSOE+PODEMOS+ESQUERDA UNIDA+ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA DA CATALUNHA+BILDU que soma 176 mandatos, que é uma maioria em 350 lugares do Congresso(Sofia Lorena no PUBLICO de 22/12/2015, página 22.

    1. Não soma 176 mandatos, soma apenas 90+69+2+9+2=172, o que não constitui uma maioria. Para constituir uma maioria seria preciso envolver o DL catalão (8 mandatos) e/ou o PNV basco (6 mandatos).

    2. Tem razão A,G,Correia. Lorena fala disso também, com base no pressuposto de que Iglésias concorda com a realização de referendos mas defende a Unidade de Espanha.

  6. Na nossa noite eleitoral de 4 de Outubro:

    – A coligação PàF (PSD/CDS-PP) perdeu a maioria absoluta de que dispunha no parlamento, mas o PSD conseguiu mais deputados que o PS;
    – António Costa, que disputava as suas primeiras eleições legislativas como líder do PS, reconheceu a derrota mas recusou demitir-se dessa liderança;
    – Enquanto o PS chorava a sua derrota, a coligação PàF e o BE festejavam as suas “vitórias”;
    – O PCP – através de declarações de Jerónimo de Sousa e de outros dirigentes – sublinhou a derrota da direita e tornou clara a possibilidade de um novo governo, com uma nova política, liderado pelo PS e baseado na nova maioria PS/BE/PCP/PEV (122 deputados num total de 230).

    Dois dias depois, António Costa foi informalmente convidado a formar governo pelo Comité Central do PCP, reunido na Soeiro Pereira Gomes (só não formaria governo se não quisesse); e, logo no dia seguinte, aí foi recebido Costa, a seu pedido, dando início a uma “Revolução de Outubro” que Cavaco não conseguiu travar.

    Na noite eleitoral espanhola de 20 de Dezembro:

    – O PP perdeu a maioria absoluta de que dispunha no parlamento, mas conseguiu mais deputados que o PSOE;
    – Pedro Sánchez, que disputava as suas primeiras eleições legislativas como líder do PSOE, reconheceu a derrota mas recusou demitir-se dessa liderança;
    – Enquanto o PSOE não chorava a sua derrota (talvez devido aos novos ventos que sopram de Portugal), o PP, o Podemos, o Ciudadanos, etc. festejavam as suas “vitórias”;
    – Não ficou clara a possibilidade de um novo governo, com uma nova política, liderado pelo PSOE e baseado num “acordo à esquerda” capaz de dispensar o envolvimento dos partidos regionais, pois os deputados eleitos por PSOE/Podemos/UP não chegam a constituir uma maioria (são apenas 161 deputados num total de 350).

    Em resumo, nós (PS/BE/PCP/PEV) pudemos. Eles (PSOE/Podemos/UP) só poderão se, muito rapidamente, conseguirem um acordo global com os partidos regionais que não só satisfaça os requisitos para a formação de um “Governo à Esquerda” mas também, de alguma maneira, corresponda às aspirações autonomistas/independentistas desses partidos (com 26 deputados eleitos), contraditórias com a actual Constituição de Espanha. Pode o PSOE (com 90 deputados eleitos) liderar o estabelecimento de um tal acordo? Não acredito que possa, pois nem sequer admite referendos em que os povos das regiões de Espanha exerçam o direito de decidir quanto a autonomias/independências. Pode o Podemos (com
    69 deputados eleitos)? Pode sim, mas admitindo publicamente que vai mesmo ser preciso mexer (não necessariamente já) na Constituição, uma mexida que pode envolver outras questões relevantes, dos direitos sociais à legislação eleitoral, além da questão das autonomias/independências das regiões.

  7. Partilho o que diz sobre o discurso de Iglesias. Não entendi o alcance. E gostaria de ver, em concreto, que revisão constitucional. Aliás, penso até que o melhor seria fazer uma nova, de raíz. Com as modificações preconizadas ficaria uma manta de retalhos, sem lógica interna. Já agora: e quanto à monarquia? É para continuar? O melhor seria defender-se a convocação de uma nova constituinte.
    Uma nova lei eleitoral sim, é necessária. Para começar, bastaria tomar como base territorial as regiões e não as províncias, que multiplicam os círculos de pequena dimensão, favorecendo os maiores partidos nacionais (e afundando os pequenos, ainda por cima existido uma clausula-barreira de 3%, perfeitamente dispensável). Talvez um círculo nacional de compensação, mas será discutível porque favorece os partidos de implantação estadual.
    Quanto ao “referendo revogatório”, sou contra. Já ouvi a mesma coisa ser defendida, ainda que timidamente, numa Conferência Nacional do BE, tendo a proposta sido retirada para posterior discussão, depois de objecções de gente bastante respeitável. Em primeiro lugar: quem é que verifica que o governo não está a cumprir o seu programa? O referendo revogatório irá ser utilizado para, essencialmente, federar descontentamentos que poderão ser de sinal completamente contrário com a simples intenção de o fazer cair e provocar novas eleições. Basta que o governo tenha de enfrentar um período difícil em termos económicos, produto até de uma crise importada ou produzida em Bruxelas justamente com o intuito de lhe criar dificuldades, que levem a alterações imprevisíveis no momento em que apresentou o programa e está “frito”. Podem, é claro, existir outras razões: corrupção, cedência a interesses obscuros, etc. Mas, para isso, temos um ou uma Presidente com poderes para intervir, não é? Assim o povo o/a saiba eleger (o “a” não está aqui por acaso…)!
    Dou um exemplo: se a possibilidade existisse no mandato do governo anterior, quem votaria sim à sua destituição? O BE, claro! O PCP, óbvio! O PS, pois sim! E o PNR, certamente, porque o governo estaria a abrir a porta à “invasão islâmica”! E até sectores do PSD e do CDS, mais ou menos disfarçadamente porque não gostam de Coelho nem de Portas. E a população da aldeia de Regabofes porque a estrada está cheia de buracos. E os suinicultores porque as grandes cadeias de distribuição os andam a tramar. As últimas três servem para derrubar qualquer governo.

  8. O sr.rajoy tentará formar governo…o que será uma perca de tempo,ou uma forma de ganhar tempo para esconder algo.Exemplos:a exemplar irresponsabilidade de um certo governante portugues que afinal fazia o jogo(lixando-se para os portugueses,lembram-se?) dos gestores(pobre palavra tão maltratada) do sistema bancario.

  9. Terramoto e nada mais? Mesmo que se venha a formar um governo PP/PSOE ou se realizem novas eleições, os progressos do processo de politização em curso já não são reversíveis. Desde o aumento da participação eleitoral ao necessário processo de clarificação da esquerda espanhola que aí vem. PODEMOS teve os melhores resultados onde se aliou a outras forças de esquerda. Aprender, aprender sempre.

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