A tecnologia permitiu, neste século, substituir os tradicionais cartões de boas festas por um bater frio de uma qualquer tecla, apagado com a singeleza de uma outra. É barato, é amigo do ambiente e facilita a selecção na resposta.
Acontece que, em vez da tradicional caixa de correio repleta, surgiu, em movimento uniformemente acelerado, a praga dos emails festivos, mecanicamente enviados, e extraídos de uma lista de amigos, indiferentes, desconhecidos e desavindos, com tratamento igualitário independente do destinatário.
A isso se juntou outra praga: a das mensagens escritas, vulgo SMS, que, sobretudo no dia 24, entopem os telemóveis e saturam as cabeças. Entre a catadupa que nos chega há de tudo. Por exemplo, os que nem sequer disfarçam ser mandados sem critério para uma massa informe de destinatários, os que se permitem enviar para “damas e cavalheiros” ou “car@ amig@, fazendo da arroba@ um símbolo assexuado em termos gramaticais, com “beijos e abraços” ou “abreijos”, os que têm longas dissertações aparvalhadas ou kitsch sobre o Natal e Ano Novo, os que trazem água no bico quanto a um favorzinho a pedir no próximo futuro, os que, na pretensão de inovar nas palavras gastas, fazem textos em que a emenda é pior do que o soneto.
Enfim, tratamentos de massa, cumprimentos de circunstância, anonimato de relação, eis tudo o que o Natal não é.
Por isso, uma súplica virtual: por favor, servidores de todo o mundo, uni-vos e façam greve!
Não escrevo cartões e evito emails e SMS. E agradeço que me tirem de listas de destinatários. Prefiro falar com as pessoas que me interessam, e assim, as reencontrar, que esse é um sinal do que o Natal é.
Sou católico. Mas confesso que tenho que fazer um enorme esforço para encontrar ou descobrir uns momentos de quietude, espiritualidade e paz de espírito para sentir o Natal em que acredito. Para sentir o Natal e não apenas passar por ele. Porque o que me é quase imposto é um abastardamento soez do aniversário do nascimento do Menino.
Apesar das diferenças de opinião em muitos assuntos, uma vez que me classifico como agnóstico e de esquerda, verifico muito vezes que concordo com António Bagão Felix. A minha notoriedade é um completo zero à esquerda e por isso aproveito a boleia para reeditar um texto que escrevi no meu Facebook em 21Dez2011. Aqui vai:
Vamos acabar com a praga das mensagens que nos interrompem os melhores momentos
Gosto de viver cada momento como se fosse único, apreciar a companhia das pessoas de quem gosto.
Ao longo de 51 anos de vida, parece que vivi várias vidas. Tenho amigos em vários quadrantes dos interesses humanos, alguns até aparentemente contraditórios. O que me fez passar por esses quadrantes e ficar com amigos foram as pessoas que fui encontrando.
E sinto prazer sempre que convivo com as pessoas boas que estas vidas me deram o privilégio de conhecer. Ou pelo menos o lado bom de cada pessoa.
A família ocupa naturalmente um lugar central. É a natureza das coisas. É o apelo do sangue, não se pode fazer nada.
E há momentos em que, por razões culturais, o chamamento ao convívio familiar é mais forte. O Natal é um momento único, porque apela ao nascimento de uma ideia nova, de fraternidade e humildade, mas também, porque próximo do solstício do inverno (no hemisfério norte), ao inicio de um novo ciclo de vida na natureza: os dias começam a crescer e debaixo das camadas de geada ou neve, vai-se desenvolvendo a vida que irá irromper na primavera.
Talvez por isso é que, independentemente dos credos, ou da sua ausência, as pessoas aderem a este momento mágico na vida familiar.
Recentemente venho notando que este convívio é sistematicamente interrompido por sons estridentes de mensagens de telemóvel de gente que, apesar das boas intenções, acaba por perturbar um momento de partilha. Interrompe-se o avô que estava a contar como começou a namorar com a avó ou o netinho que já tem jeito para contar histórias (a quem é que ele sairá?).
Votos de um bom Natal a todos os seres vivos à face da terra.
Agradeço e retribuo. E subscrevo completamente o seu comentário.
Não… não vou falar do natal nem do seu enquadramento religioso, venho só por a claro, uma questão pertinente que muitas pessoas acham inócua, senão “amiga do ambiente”, mas que na verdade comporta um enorme encargo para esse ambiente e sobretudo para o homem. À primeira vista todos imaginam que o “mail” polui menos que o saco plástico, mas na verdade estamos a falar de um dos maiores problemas que a internet coloca em cima das nossas preocupações. O armazenamento de dados exige um dispêndio e um desperdício de energia de tal forma exorbitante que há serras inteiras na Carolina do Norte (EUA: google; apple e facebook ) a ser laminadas da superfície terrestre para alimentar as centrais térmicas a carvão que abastecem em energia estes “data centers”, imensos edifícios onde são recolhidos todos os mails, álbuns de fotografias, músicas, filmes que inocentemente mandamos para a “nuvem”. Até o próprio nome é apelativo para que se pense que é tudo limpo, um eufemismo mesmo a calhar, mas que está longe de ser inocente. O desperdício é tal , que algumas empresas colocam essas centrais de dados a funcionar no máximo da sua capacidade, seja qual for o nível de desempenho pedido, chegando a ter desperdícios de 90% na energia consumida; para se protegerem de eventuais cortes de energia, têm enormes geradores a diesel que, consequentemente, emitem CO2 para a atmosfera. Segundo o “New York Times”, se juntarmos todos os “data centres” do mundo, obtemos gastos de energia da ordem dos 30M milhões de watts, qualquer coisa como 30 centrais nucleares.
Então Bagão Félix, ainda acha que o mail é amigo do ambiente? E não esqueça que, mesmo “apagado com a singeleza de uma outra” tecla, o mail continua na nuvem, quem sabe servirá de prova contra si quando a Google decidir processar todos os que se opõem ao uso do mail no natal e o consideram kitsch e enfadonho (nisso estou consigo).
Só uma nota final: “Numa hora normal, são enviados 10M milhões de mails, o equivalente a 4000 toneladas de petróleo”.
Agradeço as suas explicações. Sou um leigo nessa matéria.
10M é escala curta ou longa? 10 mil ou 10 milhões?
Por acaso é na escala curta 10/9, mas é curioso que se faça uma interpelação deste género…é que o importante é a mensagem, não a forma. Compreender que o consumo de energia é substancialmente maior que o que é comum julgar-se…se fosse na escala longa, o que é que isso mudaria na mensagem? Acrescentaria algo à ideia de que o mail não é assim tão inofensivo? O meu amigo enganou-se seguramente no fórum…
Realmente parece que isto também é um tanque de lavar roupa como o Facebook…
O meu “amigo” então devia saber que em Portugal não se usa a escala curta. Mais: M é usado para definir Mega (milhão) e K ( kilo) é que é usado para definir mil.
Mas em Portugal toda a gente está habituada a martelar o detalhe, o pormenor e a especificidade de todos os assuntos…
Talvez então não se deva quantificar através de números aquilo que é reconhecidamente grande ou pequeno: Saberíamos que os data centers consomem quantidades colossais de watts de energia e que é enviada uma quantidade astronómica de mails que representam uma quantidade monumental de petróleo…Ficavamos todos mais esclarecidos…
Para mim em formato cartão ou papel só recebo de bancos ou de seguradoras. Talvez por causa da natureza das minhas amizades os por sms ou e-mails nunca desejam boas festas mas um mais técnico “bom solesticio de inverno”, o que me irrita ainda mais. Quando jogava xadrez postal nesta altura substituía-se as habituais “saudações xadrezisticas” por “desejos de um bom natal Cd6 xeque”. Mas uma coisa é certa, todas estas insignificâncias são fruto de uma época onde o encontro social é multiplicado. O pouco valioso e fácil “amor ao próximo” é acrescido de um mais rico e raro “amor ao distante”. Pensa-se nos primos do Brasil que nunca conhecemos mas que são nossos e trocam-se ecos das respectivas existências. As formalidades semi-vazias também cumprem uma função, tudo isso é bom!
Para acabar e se me permitir vou estampar t-shirts para mandar pelo correio aos amigos com o excelente, poético e verdadeiro dito: “Porque o que me é quase imposto é um abastardamento soez do aniversário do nascimento do Menino”.
Desejo-lhe um óptimo Natal para si e para os seus.
Muito grato. Retribuo os votos com ou sem t-shirts estampadas.
O fenómeno descrito por Bagão Félix é geral, e o Natal apenas o amplifica. Vêmo-lo aqui mesmo, neste espaço onde falamos mas não nos conhecemos “em carne e osso”. O mundo com a internet veio até casa e podemos agora interagir com ele, o que se pode tornar um problema, sobretudo para aqueles que se esqueçam de que esse mundo é VIRTUAL. Um novo vício?
Vício ou imposição, mas é verdade que o mundo hoje é cada vez mais virtual