O Jornal de Angola nunca desilude.
Escrevendo sobre os “sectores maléficos” que em Portugal defendem Luaty Beirão e os outros 16 acusados (citando nesta prosa o seu embaixador em Lisboa), afirma que “A visita que o embaixador português realizou na semana passada a um cidadão que aguarda julgamento abre um precedente grave. Sobre esse cidadão recaem acusações gravíssimas da PGR de envolvimento em actos de perturbação de ordem pública em Angola, no quadro de uma acção mais vasta de transformar o país numa nova Líbia em África. O diplomata português acaba de legitimar toda a ingerência personificada nas manifestações em Portugal. O Governo português, depois de tanto tempo, volta a cair na asneira de se pôr do lado errado.”
Um pouco exagerado, porque o ministro Rui Machete tem-se mantido sempre do “lado certo” do silêncio. Mas a extravagante reacção do Jornal de Angola à visita – autorizada – do embaixador português a Luaty Beirão só demonstra como o regime angolano, com esta greve da fome, está à beira de uma catástrofe de relações internacionais. Se até a diplomacia portuguesa faz qualquer coisa, o alerta devia ser percebido no palácio do Presidente (e até no Jornal de Angola).
Mas é ao fazer a lista dos “sectores maléficos” que o Jornal de Angola, publicado pelo governo de José Eduardo dos Santos, se desdobra em subtileza, denunciando os nomes dos que queriam “impedir que o povo angolano conquistasse a paz”:
“Mas, ao contrário do que sucedeu por altura da independência, entre os sectores da sociedade portuguesa que vieram em socorro de Savimbi no final da sua aventura estavam alguns daqueles políticos de “esquerda”, ligados ao Bloco de Esquerda, que hoje voltam a envenenar as relações entre os dois países. Luís Fazenda, Francisco Louçã e alguns iniciados da política contra Angola, Daniel Oliveira, Catarina Martins, Mariana Mortágua, que hoje aparecem ao lado de gente que foi aliada de Jonas Savimbi, como Agualusa e Rafael Marques (…). As suas acções não impediram que o povo angolano conquistasse a paz, o maior feito a favor dos direitos humanos que alguém pode realizar.”
E acrescenta ainda o jornal oficial pela escrita do seu director:
“Essa mesma paz que permite a Francisco Louçã, autor da maior falta de respeito que se pode fazer a um Chefe de Estado, ao abandonar o Parlamento português à entrada do nosso Presidente, vem (sic) hoje ganhar dinheiro em Angola”.
Eu agradeço a referência ao “ganhar dinheiro em Angola”, porque estava mesmo à espera dela (um amigo meu adora a frase “ora ainda bem que me faz essa pergunta”, que aqui se aplica tão bem).
De facto, estive alguns dias a dar um curso de mestrado na Universidade Católica de Angola, convite que aceitei com gosto. Mas, para desgosto do Jornal de Angola, pus como condição não receber salário por esse trabalho. Porque tenho contrato de exclusividade com a minha universidade, porque respeito a minha obrigação para com o fisco e, se nada disso existisse, porque não cobro dinheiro por um trabalho numa universidade de um país onde tantos estudantes mereciam uma bolsa de estudos e não a têm.
Mas o Jornal de Angola não pode compreender estas razões. Afinal, “ganhar dinheiro com Angola” é um mote muito querido pelos seus mandantes. É por isso mesmo que agora estão em maus lençóis e bem fizeram por merecer tal sorte.
Entendo que é um direito seu, mas você também não pode menosprezar Angola, se eles querem te pagar simplesmente aceite de boa vontade!!
Alguns antigos jornalistas de ” O Diário ” e do Diário Popular emigraram para Angola, desde que o MPLA ganhou a terrivel guerra civil e restabeleceu os primórdios de uma democracia ” controlada ” pluripartidária. Na ficha técnica do jornal diário online e oficioso do partido governamental estão os nomes desses equivocados escribas, que não hesitam em participar em todas as operações de contra-informação mais funestas, agressivas e paradoxais. Tudo isso, e nos mentideros lisboetas circulam estórias de grande extravagância a sinalizar todos os tráficos e chantagens, tem vindo a multiplicar os sinais de crispação politica e o relacionamento partidário em Angola, e também com Portugal, que com a crise económica em crescendo pode criar incontroláveis situações de conflito
Também conheço a história partidária de alguns desses jornalistas, mas aqui interessa-me mais o que escrevem do que o seu passado ou presente.
Dr. Louçã: O facto irrefragável da imperfeição politica ( e prática) do funcionamento da democracia pluralista em Angola gera esses fenómenos de mercenarização sui-generis. Há casos gritantes e, um minimo de fair-play, faz com que não os citemos, como manda o bom gosto. Conheço militantes angolanos que me narram o clima de afrontamento e represálias que estão a corromper o desenvolvimento efectivo da futura e.plena democracia angolana, que os mais puros e de mãos limpas desejam sem sofismas.
O comportamento do governo de Angola não é de admirar. É uma ditadura marxista! O que seria de espantar seria um governo marxista respeitador da liberdade e dos direitos dos cidadãos.
Não é uma ditadura, tem partidos minoritários representados mesmo que as eleições sejam duvidosas, mas será certamente um estado totalitário. Já quanto a ser marxista, não é. Não se reclama disso, pelo contrário apresenta-se como um Estado para a acumulação primitiva de capital e para a formação da burguesia angola, nem o é, pois é muito eficaz no desenvolvimento do capitalismo familiar da elite dominante.
E se aceitasse a remuneração da UCAN, na minha modesta opinião, não estaria a cometer crime nenhum e não estaria a violar qualquer barreira moral.
As razões estão apontadas no meu texto e creio que se percebem bem. Foi um gosto colaborar com uma universidade empenhada no desenvolvimento da ciência e da cultura em Angola.
Percebo perfeitamente a sua posição. O meu comentário foi sobretudo uma réplica ao texto do JA que insinua que quem tem uma posição crítica sobre a governação em Angola não pode engajar em práticas profissionais remuneradas em Angola porque alegadamente é um acto imoral.
Como angolano, habitante e natural de Luanda, agradeço o seu contributo. Um abraço.
Luaty terminou a greve de fome…
“Sem resposta quanto ao meu pedido para aguardarmos o julgamento em liberdade, só posso esperar que os responsáveis do nosso país também parem a sua greve humanitária e de justiça. De todos os modos, a máscara já caiu.”
A máscara do poder angolano caiu, mas a lei do silêncio das autoridades portuguesas ainda não foi rompida. Confrontadas com um cidadão português às portas da morte, detido de forma ilegal num país com quem temos relações muito próximas, as autoridades portuguesas nada fizeram até à mobilização da sociedade civil. E o pouco que fizeram face à vaga de mobilização da sociedade civil, deixa também Luaty, cidadão português, e os seus irmãos e irmãs angolanos sem resposta.
Má figura…
Este é o cúmulo da pouca vergonha: esperamos nós estudantes do curso de mestrado da UCAN e não só, que se não desanimem aqueles que acreditam na boa vontade desse povo. Ao professor Francisco Louçã e outros, o nosso apreço, respeito e, acima de tudo estima, não apenas por nos ter dado ricas e “potenciosas” aulas a título gratuito mas, muito e principalmente por perceberem as reais necessidades de um povo sedento de liberdade e/ou democracia. Bem haja!
Até agora não vejo nada de errado, você apontou a noticia de um jornal já tentando fazer tempestade no copo de água, primeiro porque eu não entendi nada do que você escreveu, eu só acho que deveria ser bem mais claro e objetivo, e não ficar pegando noticias de jornais da Angola,
A ideia é dizer que deu aulas de graça, mas na realidade os alunos dele aqui em Portugal queixavam-se muito que ele mal aparecia para dar aulas. Depois vai e fala destas coisas como se fosse um São Staline
André Sousa, eu nunca falto às aulas. Um bocadinho de vergonha ficava-lhe bem.
Se a Líbia do Khaddafi era pior do que a Líbia dos salafis de hoje, então que o diabo ganhe as próximas eleições em Angola para evitar que ela se torne nesta tão desejada “Nova Líbia.”
Segundo uma notícia que a Lusa acaba de divulgar, “a Juventude Socialista (JS) apelou hoje à União Europeia e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que atuem “com urgência” na proteção dos direitos de Luaty Beirão e dos 14 ativistas angolanos detidos, pedindo a libertação destes cidadãos”.
Escreve ainda a Lusa que “Segundo a acusação, reuniam-se aos sábados para discutir as estratégias e ensinamentos da obra “Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura, filosofia da libertação para Angola”, do professor universitário Domingos da Cruz – um dos arguidos detidos -, adaptado do livro “From Dictatorship to Democracy”, do norte-americano Gene Sharp.”
Sobre Gene Sharp, o autor do livro “From Dictatorship to Democracy”, diz-nos a Wikipedia o seguinte [https://en.wikipedia.org/wiki/Gene_Sharp]:
“In 1983 he founded the Albert Einstein Institution, a non-profit organization devoted to studies and promotion of the use of nonviolent action in conflicts worldwide (…).The Albert Einstein Institution has received funding from the Ford Foundation, the International Republican Institute, the National Endowment for Democracy (…)” .
O livro – aplicável à situação de Angola mas também à situação de muitos outros países com “democracia” formal – pode ser lido em
http://www.aeinstein.org/wp-content/uploads/2013/09/FDTD.pdf
e uma leitura do mesmo está disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=l_UTax4sZ9c
muito curiosa a reacção do Jornal de Angola. Quem quiser saber o que se passa no país basta contactar a juventude angolana que estuda em Universidades portuguesas. Nos últimos meses a revolta tem-se metamoforseado em angustia. Isto o JA não noticia… As revoluções começam sempre nos jovens. Não são os europeus que querem transformar Angola numa nova Libia. É Angola que estruturalmente se assemelha á Libia via comparação Khadaffi e família, Dos Santos e família QED.
… parece-me que o director do jornal é capaz de saber que nada foi cobrado pelo serviço… contudo, o certo é que, nesse dia, certamente que o director também saber que o salário foi cobrado… isto é: ele sabe que não foi serviço feito em dia de férias… e, mesmo que fosse, mesmo nesses dias um funcionário público recebe… e um catedrático não recebe pouco. Portanto, muito objectivamente, o nosso querido Francisco Louçã foi mesmo ganhar dinheiro em Angola. Nem mais nem menos do que ganharia noutro sítio qualquer, mas ganhar dinheiro, com certeza. Só pode ser a isto que o director do jornal se referia. Doutra maneira o comentário que ele fez seria tolo…
Tolo? Então: se não é “tolo” é o quê?
Com este comentário, suponho que quer demonstrar não ser “tolo”, João Ponte e Sousa. Imagino que isto seja uma defesa do director do Jornal de Angola. Podia ter feito melhor.
Em ditadura, o poder exalta convenientemente a paz alcançada, em detrimento da liberdade. Sobre a qual, pouco ou nada diz, ou deixa dizer.
Ainda bem que se alcançou a paz. Mas nada justifica a prisão de cidadãos por estarem a ler um livro numa livraria.
Caro Francisco Louçã, certamente num país realmente livre e democrático, tal evento nunca levaria à prisão dessas pessoas. No entanto, quando falo em paz, falo na paz nacional mantida pelo medo e pelo controlo e não numa paz alcançada depois de anos de guerra, perfeitamente legítima e sempre bem-vinda. De facto, é trato de muitas ditaduras, diria eu todas, em promover a paz não como o resultado de uma sociedade livre e consciente, que alcança a conciliação entre o povo e as sua chefias, mas sim como um factor de controlo social e de massas. Essa é uma “paz” disfarçada e por baixo desse disfarce está, no caso de Angola, José Eduardo dos Santos, toda a sua máquina partidária do MPLA e a sua constante tentativa de perpetuação no poder.
É óbvio, depois de ler o artigo do Jornal de Angola, que a própria comunicação social se verga perante o poder em Angola. Esse Jornal é capaz de invocar as mais sórdidas razões históricas para justificar o que o Estado Angolano está a fazer. O que traz ao de cima outro tema algo delicado. Qualquer comportamento de Portugal que não agrade as elites angolanas, é transformado em “papões” da altura da guerra colonial, rapidamente utilizados pela comunicação social angolana para por o povo angolano contra Portugal. Parece uma medida algo exagerada. No entanto, e se formos a ver bem, é a forma mais confortável que o governo angolano têm para controlar, domesticamente, esta situação. Cá para fora, a receita “não cola” pois toda a gente percebe que está desprovida de qualquer sentido.
Tendo em conta o bem da democracia em Angola e com todo o respeito pelo seu povo, Luaty Beirão já venceu esta batalha. De preferência, eu espero que o faça, continuando a sua luta.
Também espero que Luaty e os outros jovens possam continuar a dar a sua opinião, em liberdade. O tempo escasseia.
Francisco Louçã, “persona non grata” em Angola?
Estranho conceito de «Paz», aquele que pressupõe o aniquilamento dos opositores políticos…
A «Pax» de Angola é resultado, ainda, de uma cultura de aniquilação, feita por homens de “guerra” que em absoluto passaram a comandar e controlar o poder. Como referiu Luaty Beirão, “o poder de Angola precisa de sangue novo” – uma nova geração, que não esteja manchada com a guerra e a corrupção!
Mas será que os editores do Jornal de Angola, assim como a elite angolana, já perceberam os termos da equação?
Há poderosos homens que só são fortes enquanto vivem (a História, a seu tempo, acabará por julgar com justiça a sua imagem); e há homens que da fraqueza da vida fazem a fortaleza das causas por que lutam (cuja memória tende a perdurar para lá da sua morte)!
Obviamente, ninguém em perfeito juízo pode desejar que Luaty Beirão venha a morrer em resultado da “greve de fome”. – Viva Luaty Beirão!…
Porém, mais forte que a própria vida é a causa que defende – e que por comoção, solidariedade ou senso de justiça, dentro e fora de Angola, já o transcende! Quererá o regime de José Eduardo dos Santos – que não é Santo! – fazer de Luaty um «mártir», que sempre ofuscará a memória futura do regime e dos seus feitos?
Um exemplo notável de luta por meio da “greve de fome” foi a vida de Gandhi – e o apelo que fez à resistência não-violenta, por meio da desobediência civil. Também na luta pela independência da Irlanda, a greve de fome foi arma de protesto comum entre os prisioneiros irlandeses… Embora as “greves de fome” nem sempre resultem na concessão imediata das autoridades às reivindicações dos reclamantes (como aconteceu com a morte de Bobby Sands, e outros 9 membros do IRA, que acabariam por falecer na prisão em 1981, tendo como oponente do protesto o governo de “dama de ferro”, Margaret Thatcher), a forte carga emocional sempre tem grande impacto no despertar da opinião pública além-fronteiras, acabando por influenciar a credibilidade e prestígio (ou a falta deles) dos respectivos governos.
Ao estimado Francisco Louçã – o facto de ter participado num curso promovido pela Universidade Católica, que não a sua instituição de ensino, já é prova de idoneidade. E, no registo entre o “deve” e o “haver”, no balanço das contas que o Jornal de Angola gosta de fazer, espera-se que os estudantes angolanos façam bom proveito dos conhecimentos adquiridos – isto para o bem e o progresso de Angola, entenda-se… A menos que os conteúdos leccionados venham a ser classificados, pela censura política, num “ataque maléfico”, como potencialmente “subversivos” – e, como tal, assim lhe seja recusado novo visto de entrada em Luanda. Afinal, a julgar pela carga do Jornal de Angola – com a cobertura editorial do governo de José Eduardo – só falta escrever que Francisco Louçã é “persona non grata”.
Abraço fraterno.
Obrigado pelas palavras sobre a luta de Luaty e dos seus companheiros, cumprimentos.
Convém lembrar que o MPLA é hoje membro da chamada “Internacional Socialista”, ou seja, é um partido irmão do nosso PS. O admissão do MPLA nessa família política começou a ser negociada no início dos anos 90, após uns anos de namoro discreto; entre os principais negociadores – formais e informais – esteve sempre gente do PS, nomeadamente a Ana Gomes.
Morto Savimbi em 2002, a UNITA reconheceu imediatamente a derrota, o que levou finalmente ao fim da guerra civil; só depois disso se tornou possível concretizar a admissão, vencida que foi a resistência do “lobby” da UNITA em Portugal. Deste “lobby” eram membros destacados os dois Soares (pai e filho), bem como a mãe de António Costa. A própria Ana Gomes sempre esteve muito mais próxima da UNITA que do MPLA, talvez devido à educação anti-“social-fascista” que recebeu do “camarada Arnaldo Matos”, nos bons velhos tempos do PREC.
Em 2008 – demasiado tempo depois da morte de Savimbi e da admissão do MPLA na “Internacional Socialista” – tiveram finalmente lugar eleições legislativas, as quais deram quase 82% ao MPLA, reduzindo a UNITA a cerca de 10% e a FNLA a uma expressão insignificante, ao lado de dois outros pequenos partidos. Com esta maioria qualificada, o MPLA fez adoptar, em 2010, uma nova Constituição que não prevê eleições presidenciais, estipulando ao invés que o cabeça de lista do partido mais votado será doravante, automaticamente, Presidente da República. Foi com base na Constituição de 2010 que se realizaram as Eleições Gerais de 2012, com os seguintes resultados: MPLA com 71,8%, UNITA com 18,7%, CASA-CE (liderado por Chivukuvuku, ex-UNITA) com 6,0%; José Eduardo dos Santos de novo na Presidência.
Em breve haverá novas eleições em Angola. Se o povo angolano quiser afastar o MPLA do poder, pode consegui-lo através do voto. Se o MPLA ganhar de novo as eleições, teremos de concluir que o povo angolano continua a preferir esse partido, talvez porque as alternativas disponíveis sejam ainda piores. O problema é que – atendendo à Constituição de 2010 – os votos para eleger deputados do MPLA são também votos para colocar na Presidência de Angola o cabeça de lista respectivo. Veremos se, entretanto, o MPLA é capaz de se libertar de José Eduardo dos Santos e do seu “inner circle”.
Registará que, entre os presos, só um nasceu antes de Eduardo dos Santos ser presidente.
Informação sobre as próximas acções, na quarta-feira, dia 28, em Lisboa e no Porto: https://www.facebook.com/events/1643899875891067/