A ANAC acaba de aprovar, com condições, a venda da TAP. A posição assumida pelo regulador – que os estatutos da empresa Atlantic Gateway que comprou a TAP tem de ser revisto para cumprir as normas europeias que obrigam que companhias aéreas sejam controladas em 51% por accionistas europeus – pode parecer à primeira vista razoável.
Todavia o parecer da ANAC carece de credibilidade dada a forma como o Governo e, em particular, o Secretário de Estado das Infraestruturas Transportes e Comunicações nomeou o Conselho de Administração do referido regulador.
Não só todo o processo de privatização da TAP foi opaco, mal conduzido, tortuoso e apressado, como também um dos últimos passos deste processo, o parecer da ANAC, crucial para a aprovação de uma proposta de um consórcio em que o principal “player” não tem nacionalidade europeia, não deve deixar a opinião pública tranquila: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.[1]
Ora sabendo que a vontade do Secretário de Estado dos Transportes era privatizar a TAP a todo o custo, impunha-se uma distância saudável entre este e as entidades que avaliaram se as propostas cumpriam os requisitos legais e o caderno de encargos. Tal não ocorreu e o Secretário de Estado parece ter tido intervenção em quase todas as fases do processo. Também esteve indirectamente envolvido na ANAC.
Isto porque uma das vogais do Conselho de Administração, estagiária no Ministério da Economia em 2010 e 2011, foi nomeada pelo próprio Secretário de Estado dos Transportes para a ANAC em Agosto de 2014, em regime de substituição para evitar a avaliação prévia da CReSAP (Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública). Ora o Governo nomeou recentemente os restantes membros do Conselho de Administração, ficando a dúvida em relação a esta vogal.
“Fonte do Ministério adiantou […] que apenas recebeu na segunda-feira (20.7.2015) o parecer da CRESAP sobre esta gestora. Sem querer adiantar o sentido do parecer, frisou apenas que este “não é vinculativo” e explicou que foi “apenas por uma questão de tempo” que não foi promovida a audição” da gestora.
Já após ter sido aprovada, em Conselho de Ministros, a decisão de vender a TAP, a ANAC ficou sem presidente e sem vice-presidente (o mandato de três anos tinha-se concluído em Novembro de 2014, mas o governo tinha mantido os gestores em funções), pelo que o Conselho de Ministros do XIX Governo Constitucional nomeou em 23 de Julho de 2015 novo presidente e novo vice-presidente do Conselho de Administração da ANAC não obstante parecer (favorável) da CReSAP de que os candidatos tinham “perfis adequados, mas com limitações”. E essa nomeação criou celeuma, porque tanto o presidente como o vice-presidente são quadros da ANA e poderão enfrentar conflitos de interesses no exercício das suas funções.
Acresce que a ANA era uma empresa sob a tutela do Secretário de Estado dos Transportes, cuja privatização também foi em larga medida conduzida pelo mesmo Secretário de Estado (que elogia, em cada oportunidade que tem, o modelo regulatório que definiu para o sector, de que – é bom lembrar – resultaram numerosos aumentos de tarifas). E que afirma agora não ser necessário novo aeroporto em Lisboa nos próximos 50 anos, que coincide grosso modo com o tempo da concessão da ANA ao operador privado que ganhou o concurso público para a concessão. Ora o caderno de encargos da concessão da ANA obrigava precisamente ao aumento de capacidade aeroportuária na região de Lisboa se tal fosse necessário para fazer face ao aumento da procura.
É caso para dizer que confiar no funcionamento das instituições é bom, mas nomear os seus gestores é melhor ainda!
Declaração de interesses: O autor é representante da Universidade da Madeira no Conselho Consultivo dos Aeroportos da Madeira.
[1] Segundo a Wikipedia, César divorciou-se da mulher Pompeia dizendo que “A minha mulher não deveria estar sequer sob suspeita”.
Na minha opinião,há muito,desde o inicio,que Ricardo Cabral se vem diferenciando dos 2 outros comentadores pela ca
pacidade e inteligencia das suas análises,e,pela inparcialidade politica ,em contraste com os seus colegas,um deles utilizando “fogos de artificio” para mascarar o seu reacionarismo congenito e o outro (não) escondendo a razão política que o leva a peroar.Parabens Ricardo Cabral.Continue sempre.
Na teoria dos jogos, um benefício pode ser escondido em benefício de outro e estes procedimentos definem-se como jogos de estratégia. Aliás, não é “confortável” antever um desinteresse total numa opinião, pois é um axioma que não se enquadra nas virtudes da espécie humana. O desinteresse é muitas vezes o calcanhar-de-aquiles da verdade e diz mais sobre os interesses obscuros do desinteresse, do que esclarece o que pretende denunciar. Melhor fora que RC revelasse o interesse que retém, em denunciar o que pretende não ser do seu interesse… o que nós desconhecemos de todo.
Caro João Jóia,
Obrigado pelo seu comentário no que a mim diz respeito e pelo incentivo que me dá a continuar. Mas, discordo na parte em que critica os meus colegas de blog. Considero excelentes, não raras vezes brilhantes, os posts de António Bagão Félix e de Francisco Louçã neste blog.
Só é politicamente imparcial quem é acéfalo, mas é o que dá ter uma opinião antes de ler os textos.