O Governo de Portugal apresenta uma estrutura hierárquica, por temas ou áreas funcionais. No topo do Governo está o Primeiro-Ministro, depois o Vice-Primeiro Ministro e os Ministros de Estado. De seguida os Ministros, os Secretários de Estado e um Subsecretário de Estado Adjunto. Cada Ministro e Secretário de Estado tem a tutela de várias áreas (por exemplo, o Ministro da Educação e Ciência é responsável por essas áreas e respectivo orçamento, mas a tutela de dossiers importantes como a Ciência e o Ensino Superior é delegada nos seus Secretários de Estado).
Todavia o actual funcionamento do Governo não parece satisfazer porquanto, outro critério fundamental – o da importância económica – não parece ser “tido nem achado”. E, em consequência, há Secretários de Estado aparentemente com mais poder que Ministros.
Assim, não será surpresa afirmar que no XIX Governo Constitucional, os decisores mais poderosos foram, por ordem decrescente, Maria Luís Albuquerque (a Ministra das Finanças e o seu antecessor no cargo) e Sérgio Monteiro (o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações). E, por outro lado, que se consideramos o valor económico e o grau de irreversibilidade das medidas tomadas, então Sérgio Monteiro está claramente à frente no XIX Governo Constitucional.
Por exemplo, o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações conduziu numerosas privatizações e/ou concessões, com valor de vários milhares de milhões de euros (e.g., TAP, SCTP, Carris, CTT, ANA), porque: foi sob a sua tutela que os cadernos de encargos e o enquadramento regulatório foram preparados; na parte final das negociações de alguns destes processos o Conselho de Ministros delegou, nele e na Secretária de Estado do Tesouro, a condução do processo negocial; e foi sempre claro quem geria os detalhes desses processos de privatização e concessão, por exemplo, quando era necessário informar a imprensa e o público sobre os mesmos.
Ora, deveria ser óbvio as decisões subirem a hierarquia, conforme o seu valor económico:
– decisões sobre despesa ou receita de por exemplo, 100€, devem ser tomadas ao nível mais baixo da hierarquia;
– acima de 50 milhões de euros e abaixo de 500 milhões de euros deveriam ser tomadas a nível do Conselho de Ministros; e
– decisões de milhares de milhões de euros deveriam ser tomadas ao nível mais elevado, i.e., Assembleia da República.
Isto porque decisões de elevado valor económico são influenciadas por grupos de interesse profissionais (“lobbies”). E porque para contrabalançar esses interesses económicos é necessário que o Estado se equipe com os recursos e as competências necessárias para defender o interesse público.
Ora, por definição, o gabinete de um Secretário de Estado ou de um Ministro conta com menos recursos que o gabinete de um Primeiro-Ministro. E o escrutínio a que está sujeito qualquer um destes decisores é inferior, por exemplo, ao que ocorre em propostas de decisão analisadas na Assembleia da República. Assim sendo, a forma como o Governo de Portugal toma importantes decisões económicas deve ser substancialmente melhorada.
E há razões de racionalidade económica para tal. Se, por hipótese, com mais recursos, com mais escrutínio e com mais tempo, for possível, em média ao Estado tomar decisões, por exemplo, 10% melhores do que as decisões que toma no presente, então uma decisão de mil milhões de euros resultaria, em média, em “ganhos” de 100 milhões de euros face ao “status quo” actual.
O que ocorre, no presente, é que o Estado gasta muitos recursos e dinheiro com decisões de baixo valor económico, enquanto as decisões de elevado valor económico são decididas no conforto de gabinetes por apenas alguns poucos decisores, com insuficiente escrutínio e análise dessas decisões.
É possível mudar este estado de coisas, haja vontade…
A proposta de Ricardo Cabral tem o seu interesse, mas os seus inconvenientes também. Viola a separação de poderes, propondo poderes executivos para o parlamento. Pressupõe que as decisões executivas saídas do nosso espectacular parlamento seriam melhores do que as tomadas em conselho de ministros, e eu permito-me duvidar disso. Um dos papéis atribuído ao parlamento é fiscalizar o governo, mas se for o parlamento a tomar decisões governativas, quem vai fiscalizar o parlamento? E afinal, o que faria o governo a fazer depois de os seus principais poderes serem esvaziados? E será que a nossa tradição parlamentar nacional nos inspira um particular crédito ao parlamento, que nos faça imaginar que dali saem boas decisões? E quem é responsável? O colectivo dos deputados que aprovassem uma medida? É o mesmo que dizer ninguém. Perdoe-me o Ricardo Cabral se estive a fazer de advogado do diabo, não foi com má intenção.