O relatório mais recente do FMI sobre Portugal, publicado em Agosto, o segundo após a conclusão do programa de resgate, é interessante sobretudo pelas premissas subjacentes às projecções de médio prazo (e.g., taxas de juro, taxas de crescimento da economia). Como em qualquer estudo desta natureza, pequenas variações nessas taxas alteram a dinâmica da dívida e dívida (externa ou pública) que é aparentemente sustentável, torna-se rapidamente insustentável.
Uma parte significativa do relatório ocupa-se com a sustentabilidade da dívida pública (no anexo “Análise de Sustentabilidade da Dívida Pública). A resposta é “nim”: no pior cenário a dívida pública sobe para 135% do PIB em 2020; no cenário base, a dívida pública desce para 107% do PIB nesse mesmo ano.
O efeito de um aumento das taxas de juro na sustentabilidade da dívida é demasiadamente modesto. Se as taxas de juro nos mercados subirem dois pontos percentuais, a dívida pública sobe apenas três pontos percentuais do PIB.
Mas, mais interessante ainda, é a frente externa.
Essencialmente, as projecções do FMI prevêem uma balança corrente aproximadamente equilibrada até 2020. O que significa que a dívida externa bruta se mantém, em valores absolutos, quase aos níveis actuais até 2018, aumentando até 2020 cerca de 17 mil milhões de euros. A factura com juros do país (débitos) também se mantém aproximadamente constante, em torno dos 5% do PIB, graças à premissa de que a taxa de juro média sobre a dívida externa permanecerá em torno dos 2% (sobe para 2,3% em 2019 e para 2,5% em 2020).

Fonte: Projecções do autor com base em dados do FMI
Esta é uma das premissas chave das projecções do FMI. Se a taxa de juro média aumentasse um ponto percentual em todo o período, então a factura com juros aumentaria para 7,5% do PIB e a dívida externa aumentaria (linha verde) em vez de se manter constante, em termos absolutos, como se prevê no relatório. Portanto, a sustentabilidade da dívida externa do país depende da sua capacidade – sobretudo do Estado e da banca – de se refinanciar a taxas de juro relativamente baixas.
Mas existe outro risco: o de o país não ser mesmo capaz de se refinanciar nos mercados. Isto porque terá de refinanciar, só em dívida de médio e longo prazo, todos os anos, elevados montantes de dívida externa que chegam à maturidade e que representam entre 20% e 30% do PIB, em cada ano, no horizonte temporal analisado (até 2020).
Ora se ocorrer uma crise nos mercados financeiros internacionais deixa de ser possível refinanciar tais montantes de dívida. Nesse caso, ou o país entra em incumprimento, ou o BCE ajuda, ou é necessário novo resgate. A menos que entretanto se consiga renegociar a dívida….
É reconfortante saber que a sustentabilidade da divida publica é pouco sensivel a um aumento moderado das taxas de juro – um modesto aumento de 3pp no ratio divida/PIB para uma subida de 2pp na taxa media de juro da divida publica.
A divida externa – que inclui a publica e a privada (essencialmente de grandes empresas e bancos) – é menos relevante para um país que pertence ao euro, a moeda nacional que é convertivel; o endividamento de empresas e bancos releva da gestao financeira de cada entidade, que têm de um modo geral balanços sãos, riscos de solvabilidade controlados, e constituiriam em qualquer caso um problema circunscrito. No que respeita aos bancos, podem sempre recorrer ao BCE em caso de problemas nos mercados e dificuldades temporarias de liquidez.
É o risco de refinanciamento do estado que é realmente importante num cenario de recessao internacional, aversao ao risco e taxas de juro elevadas para os soberanos perifericos como Portugal. Este cenario poderia de facto forçar o país a ter de renegociar a divida publica, incluindo haircut na parte detida por investidores privados – o que nao seria inocuo para os balanços dos debilitados bancos portugueses …
Cada vez mais, a melhor forma de tornar estes relatórios credíveis é colocá-los num espectro de grandes oscilações, tal como os físicos prevêem para a medição da distância entre os astros: -50/+100 parece-me bem…Entretanto, e para que não haja ilusões, há que ter em conta (já devíamos estar vacinados) que o FMI manipula estes dados em função das politicas económicas que quer levar a cabo nos países onde intervém (todos conhecemos a razia que resultou das suas intervenções na América latina nas últimas décadas do século passado). No fundo, esta é uma análise fácil de fazer: se a taxa de juros se mantiver baixa, continuaremos condicionados pela dívida; se a taxa aumentar, seremos estrangulados por ela, a não ser que… (uma verdade de Lapalice) sejamos resgatados pela “boa consciência” dos credores, ou seja: A dinâmica dos recentes acontecimentos leva-nos a acreditar que é esta a estratégia do momento; maximizar os benefícios com a pressão da dívida e quando esta atinge o limite, reestruturar.
Não se esqueça de avisar que renegociar a dívida implica austeridade a dobrar. Não se esqueça de avisar, sobretudo os mais incautos que a austeridade dos últimos 4 anos vão parecer um passeio na praia comparativamente à austeridade imposta num processo de renegociação de dívida/calote/não pagamento de dívidas.
É porque ser funcionário público e ter o dinheiro certinho a bater no fim do mês independentemente do que acontece com o país, não é a mesma coisa que ser funcionário do privado onde o ordenado está ligado à economia real, logo previsivelmente será muito mais difícil para estes últimos.
A melhor solução seria uma vez na vida cortar os ordenados da função pública, sobretudo todos acima de 850 euros, e amortizar dívida com esse dinheiro.
Um claro paradoxo: por um lado alerta para o que poderá advir de uma reestruturação e por outro sugere antecipar o cenário.
Pedro, incoerente e cego como sempre, parabéns pela coerência dentro da incoerência . Só faltou mesmo falar da Venezuela…
É interessante que a cor escolhida no gráfico para representar a evolução passada da dívida pública seja a mesma escolhida para ilustrar o pior cenário de evolução possível, com dívida a 4/4,5%…deliberado realce da opinião do autor ou mera manifestação subconsciente?
Caro Rodrigo Lourenço,
agradeço o comentário. A “culpa” é do Excel. As três linhas/série sobrepõem-se até 2015 (o passado). A primeira série era do FMI. A segunda série FMI+1 p.p a partir de 2016. A terceira série FMI 2 p.p. a partir de 2016. O Excel apresenta a terceira série no topo das três. Deveria ter colocado o passado a preto, para que não se confundisse. Mas não há manifestação subconsciente qualquer nem segundas intenções…