Vêm aí importantes actos eleitorais. Poderemos confrontar programas, atitudes, factos e idiossincrasias. É, nestas alturas, que mais se pode associar a ideia da política a uma palavra-fetiche: poder. Pela sua luta e conquista, fascínio, atracção, discussão, contestação. “A política é a produção de poder” (Max Weber).
Na nossa língua, usamos a mesma palavra – política – para significar dois conceitos distintos: a política como a expressão global de ideias e de exercício de alguma forma de poder (os ingleses chamam-lhe “politics”); e as políticas entendidas como o modo de dirigir áreas ou sectores do Estado ou de outra instância política, como, por exemplo, política social, educativa, monetária, europeia, agrícola ou económica (os ingleses chamam-lhe “policies”).
A primeira destas duas significações da política aparece mais noticiada do que a segunda. A razão é simples de explicar: muita gente prefere a primeira. É o campo ideal para falar muito dizendo pouco, para estudar pela rama e ter opinião fácil sobre assuntos difíceis. Já as políticas concretas exigem estudo, reflexão, rigor, exactidão e, na salutar divergência de caminhos, saber defender racionalmente o que se pensa.
A perspectiva do curto-prazo e da táctica é mais aliciante para conquistar votos do que estratégias, programas e ideias de vistas mais largas. Por exemplo: a política demográfica é vital para o futuro colectivo. Não só das famílias, como da sustentação dos sistemas sociais de apoio. Mas não abre noticiários, nem alimenta comícios ou congressos partidários. Não é excitante como um qualquer pequeno facto da parte mundana da política. No frenesim das pequenas e médias notícias sobre política e políticos, há sempre mais espaço para a politiquice, para a política de terra queimada em momentos mais agitados e para a política de avestruz de ignorar os problemas e omitir opiniões.
No fundo, através da política olha-se sobretudo para as próximas eleições. Ao invés, as políticas públicas, sobretudo as que só dão resultado a longo prazo, têm a ver com as próximas gerações. É talvez este um dos pontos que melhor permite diferenciar um político de um estadista. O primeiro usa a luz dos “mínimos” e, às vezes, dos “médios”. O segundo não deixa de conjugar as distâncias entre as luzes de alcance mais curto e os “máximos”.
Mas, na sua essência, a política é (ou deverá ser) a expressão cívica da busca do bem comum, fundamentada na incessante procura de justiça e de desenvolvimento enquanto valores éticos, e aprofundada através de uma verdadeira cultura do próximo.
Há duas vias: Ou por fora, elegendo-se o primado da aparência, da presunção, do oportunismo. Ou seja, da espuma da política. A tal de que ouvimos falar todos os dias. Ou por dentro, elegendo-se a primazia das pessoas, dos seus anseios, sonhos e inquietações. Ou seja, da essência da política. A de que se fala pouco e menos.
Por fora, está-se no palco da política. Por dentro, é-se ao serviço da política.
A política exige, por isso, algumas regras, infelizmente nem sempre praticadas:
A primeira é a de que – como afinal tudo na vida – exige equilíbrio entre direitos e deveres, em nome da liberdade com responsabilidade.
A segunda é a de perceber que a política existe para servir a Sociedade (nós) e não o inverso.
A terceira é a de se exprimir com sentido geracional e não se esgotar na obsessão do imediato, do transitório, da aparência.
A quarta é a de se expressar através da verdade, de serviço, de autenticidade e de sensibilidade. Verdade nas análises e factos, serviço na atitude, autenticidade na acção, sensibilidade na relação.
A quinta é a de se assumir com a coragem de decidir, com tudo o que isso implica de opção, de renúncia, e de uma politicamente humilde atitude de saber emendar sempre que se erra.
A sexta é a de se perceber que os recursos são escassos e não se auto-alimentam e os fins não se alcançam sem esforço e sem definição criteriosa e lúcida de prioridades.
A sétima é a de se estar consciente de que a política é uma expressão de limitação e não de perpetuação. De serviço e não de domínio. De verdade e não de ilusão. De austeridade comportamental e não de benefício próprio.
O certo é que muitas pessoas, com maior ou menor razão, sentem a política como qualquer coisa que não lhes diz directamente respeito. Que lhes é exterior, associada a uma ideia crescente de impotência para ajudar a mudar. Certos modos de fazer política tendem a ser vistos, para os mais jovens, como centrífugos em relação ao seu futuro.
Curiosa é a constatação de que a política e o futebol andam de mãos dadas no falatório de cada dia. Tão diferentes e tão iguais. Opina-se com a facilidade de um candidato amador a político, como se é treinador de bancada. Toda a gente tem solução para tudo, desde que nada tenha que decidir. O que parece difícil, fácil parece aos olhos de quem apenas observa. Os “nossos” são sempre melhores mesmo que, pela razão, cheguemos à conclusão oposta. Como no futebol, há os que atacam, os que (se) defendem e os que no meio-campo são os campeões do “mais ou menos”. Cada um, tal qual no futebol, se revê num árbitro com as suas próprias regras.
Os políticos são pessoas como quaisquer outras. Com virtudes e defeitos. Melhores ou piores. Mais competentes ou menos responsáveis. Íntegros ou sem carácter. Laboriosos ou oportunistas. Profundos ou palavrosos. Tolerantes ou insensíveis. Verdadeiros ou manipuladores. Patriotas ou prosélitos. Nada de distinto do que se passa em todas as outras actividades e ocupações. Embora com uma relevante diferença: podem ter responsabilidades públicas sobre assuntos que a todos dizem respeito. O que os torna mais sujeitos à observação e crítica. Porque muitas vezes gerem recursos de todos, desde logo os impostos. Se um erro privado é pago por quem o cometeu, um erro público pode vir a ser pago por todos. Daí a acrescida exigência que o constante escrutínio nos media faz eco.
Uma advertência final: não deveremos cometer o erro e a injustiça de generalizar excessiva e abusivamente actuações erradas, injustas ou mesmo condenáveis. Nessa enxurrada de “são todos iguais” corre-se o risco de afastar as pessoas de bem e deixar a acção política a quem não a deve monopolizar. Um enviesamento que é comum a todas as actividades, mas que na política atinge o seu auge.
O “anarquismo-libertário” no pensamento de AGOSTINHO da SILVA (1906 – 1994)
«No partido, a intensa opinião fragmenta-se e apuramos aquilo em que diferimos dos outros homens, não aquilo em que lhes somos irmãos; guiamo-nos por um ser geral que nos supera e por ele nos substituímos; vive em nós a tribo, muito mais do que a Humanidade.»
«Um político não veio ao mundo para se satisfazer a si próprio: veio para se modelar, veio para se libertar do que lhe era inferior, e não representa num determinado campo senão o que devia ser feito por todos os homens, qualquer que seja a sua especialidade.»
«Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas era ele quem devia agradecer pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos.»
«O problema dos políticos é o de mudarem o governo: o meu é o de mudar o Estado. Contam eles com o voto ou a revolução. Conto eu com o curso da História e a minha vocação e o meu esforço de estar para além dela.»
«Eu não voto por rótulos. (…) Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada. Eu quero saber das ideias que as pessoas têm e da maneira como depois as vão defender e praticar.»
«No político, distingo dois momentos, o do presente e o do futuro. Principiando pelo segundo desejo o desaparecimento do Estado, da Economia, da Educação, da Sociedade e da Metafisica; quero que cada indivíduo se governe por si próprio, sendo sempre o melhor que é, que tudo seja de todos, repousando toda a produção por um lado no amador, por outro lado na fabrica automática; que a criança cresça naturalmente segundo suas apetências.»
«E agora vamos lutar contra os dragões. O primeiro é o ideal de um produto bruto nacional sempre crescente e um sempre mais elevado nível de vida material. Neguemos tal ideal. O que queremos é que o produto nacional seja distribuído com justiça, isto é, com amor, e que a qualidade do nível de vida seja elevada. (…)
O segundo dragão é a informação, desde a bisbilhotice e a escola até à imprensa e à televisão. O modo de lutar é dizer a verdade, e somente a verdade (…).
E eis que chega o terceiro dragão, o pior deles todos – a nossa tendência de pertencer a grupos, de ter um partido político ou uma igreja que pense por nós, de consultar ou seguir professores e gurus, numa palavra, de engolir a vida como criança chupa o leite do biberão. Na realidade nós somos piores, porque no nosso caso o leite já está digerido. Está alerta em relação à dinâmica de grupos (…). Podes, e deves, ter ideias políticas, mas, por favor, as tuas ideias políticas, não as ideias do teu partido; o teu comportamento, não o comportamento dos teus líderes; os interesses de toda a Humanidade, não os interesses de uma parte dela. E lembra-te que “parte” é a etimologia de “partido”»
«Partido é uma parte: sê inteiro.»