No meio de tanta confusão, primária e secundária, na Grécia e na dita União Europeia, vai realizar-se o referendo do próximo domingo. Imagino-me grego a ficar grego, ouvindo o argumentário que lá se discute e a cacofonia que, na Europa, se vai espalhando virulentamente.
Confesso, muito honestamente, que sou sensível a argumentos das opostas posições. No fundo sinto quão difícil é encontrar o ponto de intersecção das “curvas” de solidariedade europeia e da responsabilidade própria de cada país, de modo a não transformar a cooperação da união numa vã ilusão, nem a beneficiar a insistência na infracção. Caricaturalmente, é o mesmo que perguntar onde estaria o ponto de convergência entre um Sim no referendo grego e hipotéticos Não ao Sim grego em referendos nos outros 18 países do euro?
O referendo, já antes tentado por Papandreou em 2011, mas logo metido no saco por ordens do “establishment” europeu, pode vir a ser um nado-morto. Quer dizer, faria mais sentido antes do dia 1 de Julho. Agora o que se vai referendar? Um terceiro resgate? Uma saída ou não do euro? Um programa de financiamento e um memorando intercalar?
Por outro lado, um referendo tão imediato, numa matéria tão complexa (baseado em arrolamento de medidas, números e prazos) transforma-se, necessariamente, numa votação emocionalizada e influenciada por factores que são tudo menos estruturais.
Aliás, entre os vários paradoxos que se podem constatar ou antever, as sondagens dão uma vitória clara ao Sim (que, curiosamente, aparece depois do Não no boletim do voto, invertendo-se a lógica universal), mas, para uma hipotética antecipação de eleições gerais, o Syriza está confortavelmente à frente. Como interpretar esta aparente “quadratura do círculo”?
A Europa do poder efectivo está, por sua vez, numa dinâmica irresponsável e perigosa. Toda a gente fala alto, discute em público, calunia ou deixa-se caluniar, gere fugas tácticas de informação, etc. Sem nível, sem sentido de Estado, sem estatuto, sem qualidade. Uma Europa em farrapos. Uma Europa que criou uma moeda, como quem faz uma qualquer lei. Uma Europa que deveria também e neste momento olhar para os seus erros, reconhecê-los e, daí, retirar as devidas ilações. Afinal não foi ela que, em Bruxelas, permitiu à Grécia todos os truques e mentiras para dar a entender que tinha condições para aderir ao euro? E, não fora a crise internacional que espoletou a “descoberta” das ficções gregas, tudo não continuaria bem confortável com a mentira? E por que não tiram os credores as devidas lições de modelos de austeridade a todo o vapor, que não funcionaram e pioraram mesmo o futuro, insistindo em “prontos-a-vestir” orçamentais condenados ao fracasso e agravando a natureza impagável da dívida?
Em suma: estamos perante um problema estrutural muito sério, ao mesmo tempo que se está a discutir a minúcia de um programa de “intendência orçamental”. Será que a divergência entre a teimosia grega e a obstinação europeia – traduzida em percentagens de taxas de impostos, mais um ano ou menos um ano de carência, e outros detalhes – é a questão de fundo? Então mudam-se umas vírgulas, sobe-se um ponto percentual num imposto e tudo se resolve por milagre? Não notarão que estão a trocar a questão central por um analgésico temporário, fazendo, aliás, jus à habitual resolução das questões europeias por via do seu adiamento para confortar as consciências?
Um artigo escrito por alguém que tem uma sabedoria rara e uma capacidade invulgar de analisar e compreender o mundo e as pessoas.A minha esperança não morre em relação a um mundo melhor, enquanto houver pessoas assim!.
Estimado Bagão Félix, sem querer destoar do seu bom artigo, gostaria, respeitosamente, de mais uma achega – e partilhar consigo dados de uma sondagem divulgada hoje no sítio da TVI 24:
NÃO – «Quase metade das pessoas (46%) consultadas dizem que irão votar contra a proposta europeia alvo da consulta popular. Apenas 37% dizem que irão votar ‘sim’ e 17% ainda estão indecisos.»
[Vide: http://www.tvi24.iol.pt/economia/crise-grega/referendo-na-grecia-primeira-sondagem-da-vitoria-ao-nao ]
Também o Económico, na edição de hoje, noticia a mesma sondagem e acrescenta: “Contudo, a intenção de voto no ‘Não’ registou uma quebra de 57% para 46%” […] Segundo a mesma sondagem 77% dos eleitores do Syriza são partidários do ‘Não’ e 15% a favor do ‘Sim’. Cerca de 65% dos eleitores do partido conservador Nova Democracia pensam em votar no ‘Sim’ e 22% no ‘Não’. O ‘Sim’ é também apoiado pela maioria dos eleitores do To Potami e pelos apoiantes do partido social-democrata Pasok. Já o ‘Não’ acolhe a maioria dos eleitores do partido comunista KKE, dos nacionalistas Gregos Independentes e do partido neonazi Aurora Dourada.»
[Vide: http://economico.sapo.pt/noticias/sondagem-maioria-dos-gregos-diz-nao-aos-credores_222483.html ]
Esta sondagem vem “contradizer” (ou não?!) outras consultas de opinião apresentadas ontem. Veja TSF:
SIM – «O diário “Proto Thema” diz que 57 por cento dos gregos aceita as condições. Mais equilibrado, o jornal mais influente da Grécia, “To Vima” revela que 47 por cento do eleitorado está a favor de um acordo com a Troika e 33 por cento diz “Não”.
[Vide: http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=4650740 ]
Em súmula, muito assertivamente descreveu Bagão Félix este estado geral de – “cacofonia”!
Caro António Anchas,
São sondagens com objetivos diferentes. Antes do anúncio do referendo, as sondagens eram sobre continuar ou sair do euro. Nestas sondagens, usualmente, a maioria dos inquiridos era favorável a continuar no euro. Entretanto, foi anunciado o referendo sobre uma proposta dos credores apresentada em 25 de junho. Tsipras recomendou aos gregos que rejeitassem aquela proposta, dizendo que isso não implica a saída do euro. As sondagens mais recentes são sobre o referendo e, neste caso, a maioria dos inquiridos é a favor do não. As consequências do não no referendo estão longe de ser claras. O secretário-geral do Conselho da Europa levantou dúvidas sobre se o referendo respeita as boas práticas internacionais:
http://www.ekathimerini.com/198779/article/ekathimerini/news/council-of-europe-conditions-of-greek-referendum-fall-short-of-international-standards
De qualquer modo, devemos aguardar a decisão democrática do povo grego. Depois da decisão dos gregos, o governo grego e os governos dos outros países da zona euro devem reunir para, no interesse de todos, negociarem a melhor maneira de cumprir a decisão dos gregos, sendo que o não poderá implicar a saída da Grécia da zona euro.
É verdade. Tudo muda rapidamente e qualquer comentário tem um prazo de validade de horas ou mesmo de minutos.
Um artigo que não nos quer forçar a acreditar num único ponto de vista é coisa rara. Tem um ar fresco e agradável, mesmo quando não concordamos com tudo o que está escrito.