Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

Francisco Louçã

26 de Março de 2015, 16:09

Por

É melhor não perder mais tempo, caros amigos

merkel 1merkel 2Alda Telles, no Facebook, fez esta notável comparação entre duas fotos dos primeiros-ministros da Alemanha e da Grécia na capa de jornais de referência, o Financial Times e o Frankfurter Allgemeine Zeitung: há fracções de segundo de diferença entre uma e outra e vejam a diferença que isso faz, Merkel está como é mas Tsipras aparece desconfiado numa e descontraído noutra. O olhar, que será o espelho da alma, muda tudo. A escolha editorial é aliás reveladora da abordagem de cada um dos jornais: o diário alemão apresentou a reunião como um alívio da tensão entre o dois governos, o diário britânico continua a insistir em que não há solução europeia se a economia grega continuar a ser destruída.

Os dois olhares serão também reveladores de uma tensão crescente. Na carta que Tsipras enviou a Merkel uns dias antes da mini-cimeira em Bruxelas e do encontro de Berlim, a razão é explicada em detalhe: a Grécia já não tem dinheiro e aproxima-se do risco de incumprimento, não tendo até agora conseguido uma solução negociada com a União Europeia. O encontro de Berlim deixou tudo na mesma.

Em artigo anterior neste blog, analisei as condições do acordo de 20 de fevereiro. Como agora é ainda mais evidente, desde então o tempo correu contra os gregos. Esse acordo permitiu algum recuo da tensão imediata (no dia 1 de março não foi aumentado o IVA nem reduzidas as pensões, como o governo da direita e do partido socialista tinham previsto), mas prometeu vantagens que não podia cumprir (suspender a austeridade e permitir o início da recuperação económica) ou que foram imediatamente congeladas (melhorar a liquidez do sistema bancário e permitir-lhe comprar dívida pública de curto prazo). O que se iniciou foi uma guerra de manobras e de pressões em que a Grécia tem ficado sempre a perder.

Essa guerra tem sido implacável. O BCE proibiu os bancos gregos de comprarem dívida pública e, de facto, não permite que o Estado grego se refinancie. O protectorado continua e está mais aguerrido pela derrota dos seus embaixadores. A União Europeia protestou contra a única lei aprovada, e por quase unanimidade no parlamento grego, que estabeleceu medidas de alívio de emergência para os mais pobres. Não houve nem um cêntimo dos empréstimos prometidos e são exigidas mais listas de medidas, incluindo a retomada das privatizações, o adiamento da recuperação do salário mínimo e o recuo nas promessas de alívio fiscal. Mesmo os dinheiros que são dos gregos (a sua parte nas operações do BCE) não lhes são entregues se as suas medidas não forem aprovadas num exame em abril.

De nada lhes serve poderem hoje ter provas de que as contas do défice de 2009 foram falsificadas para exagerar a sua dimensão, abrindo caminho ao encarecimento da dívida e posteriormente ao resgate. De nada serve que anteriores ministros sejam condenados por terem favorecido a família e escondido as suas responsabilidades em fraudes fiscais. Agora é a hora dos acertos de contas. E, portanto, já não há mais tempo.

A política de Merkel e da União é muito evidente e ela não tenta camuflá-la: levar a Grécia à beira da bancarrota a curtíssimo prazo para a obrigar a prosseguir a política que o eleitorado rejeitou, humilhando assim o país, exibindo a sua derrota como vacina europeia, mostrando ainda que Merkel só permite outro Hollande, nunca um opositor.

Esta corrida para o abismo é implacável e está por poucas semanas. Não é para fim de junho, é para abril. Em 9 de abril, a Grécia poderá ainda conseguir os 450 milhões de euros para pagar a conta ao FMI, mas já é duvidoso que tenha o suficiente para pagar os salários no fim do mês. Por isso, o governo está a recorrer a todas as medidas possíveis: usa alguns fundos de pensões, adia pagamentos, mobiliza subsídios que eram para agricultores (300 milhões), está a tentar contrair empréstimos de curto prazo em mercados monetários (600 milhões). Se a sua operação de antecipação de impostos resultar, então ficará com uma pequena folga, mas cada semana terá que fazer contas. Se não for assim, em abril fica sem dinheiro e pode entrar em incumprimento.

A hipótese da saída da Grécia do euro torna-se por isso cada dia mais forte. Ao admiti-la, Draghi aceitou desencadear a especulação sobre essa possibilidade e, assim, aproximar-se da sua concretização. Resta saber se ela já está a ser negociada em segredo ou, se acontecer por acidente ou por desígnio, se estão prontos os necessários planos de contingência.

grecia ind 1O meu argumento é que a Grécia já não tem outra alternativa e é melhor preparar-se bem. Por duas razões, uma estrutural e outra conjuntural, e vai ser a última que vai decidir. A razão estrutural é verificável pelos dois gráficos, que representam a dinâmica da produção industrial na Europa antes do euro (a Grécia cresce mais do que a Alemanha) e depois do euro (a Alemanha beneficia e todos os outros perdem). O euro foi o problema para as economias mais frágeis. Portanto, para recuperar a capacidade industrial e para criar emprego, é grecia ind 2preciso sair do colete de forças.

Mas tudo vai ser decidido brevemente e por outra razão. É que um governo que esteja submetido à provação de lutar dia a dia pelo pagamento dos salários fica sem capacidade para resolver os problemas fundamentais do desemprego. Para se salvar, a Grécia não pode aceitar esse condicionamento que é a austeridade, ou seja, não pode submeter-se a continuar a ter a certeza de falhar e ficar pior.

Marquem nos vossos calendários, caros leitores e leitoras, é no mês de abril que se vão dar passos fundamentais para escolher entre um programa de austeridade ou uma saída, negociada ou não.

Para os que acompanham com esperança a Grécia e a promessa do seu governo, a lição é forte e deve ser enunciada com todas as palavras: o euro não permite uma política de esquerda para corrigir ou combater os efeitos da crise financeira e social. Se a esquerda quer fingir que a Grécia ensina algo de bondoso e regenerador sobre a União Europeia, é melhor começar a fazer uma procissão a Berlim, porque será esse o seu destino.

Comentários

  1. Precisamente porque o euro não permite uma política de esquerda, pergunto se a saída solitária da Grécia não integrará o arsenal de Merkel, ao invés de o combater :

    Por mais que a Grécia se prepare para minimizar os danos internos imediatos ao incumprimento, a minimização que Merkel e demais governantes do euro preparam é a relativa ao seu efeito fora da Grécia, dando-lhes até imenso jeito uma eventual maximização interna que ‘castigue’ aos gregos.

    Sendo expectável a recuperação do investimento e emprego com a soberania monetária readquirida, tal recuperação não se prevê imediata, sendo prováveis largos meses de eventual queda abrupta das condições de vida dos gregos.

    Resistirá nessas condições o apoio dos gregos ao Syriza, tanto mais quando a saída do euro contraria frontalmente o seu programa eleitoral? Não entenderá o eleitorado tal saída como a maior derrota do Syriza, uma vez que ao fim e ao cabo todos os recuos têm sido apresentados como perdas tácticas em função de uma estratégia de continuação no euro?

    Não poderá assim a Grécia desembocar em novas eleições a realizar precisamente no período mais sofrido da transição para um ‘novo-dracma’, a favorecer o partido com o programa mais convincente de regresso à austeridade assistida, ao colete de forças do euro e aos braços de Merkel?

    1. Agradeço a atenção e o argumento tão bem fundmentado. Sim, haverá grandes dificuldades. No caso português, analisei esses problemas no livro com João Ferreira do Amaral (A Solução Novo Escudo). Mas que alternativa é que há? Esperar por outros países e ajudas, que nunca chegam? Continuar a agravar a austeridade, para receber uns dinheiros e ficar mais endividado? Cair nos braços de Merkel com o argumento de que assim se evita a Merkel, para utilizar os termos da sua nota?

    2. Boa perspectiva… E poderá Tsipras ainda vir a ser um Sólon dos nossos dias? Sólon é considerado como um dos grandes sábios da Grécia antiga – e qual foi o seu maior feito? Perante o endividamento de muitas boas famílias aristocratas gregas produtoras de trigo – e dívidas significavam a submissão à “escravidão” imposta como reparo pelos credores, neste caso os ricos produtores de vinho e azeite! – Solón aboliu a escravidão por dívidas, alterou o código “draconiano” e severo de muitas leis, e, talvez mais importante para o nosso tema: inventou a desvalorizou a moeda. Como? Alterou a liga metálica das dracmas (as moedas de prata passaram a ter apenas 73% deste metal – revestindo uma base de cobre)… Ou seja, usou de um expediente em teoria económica “desonesto”, para satisfazer um bem político maior: salvar a Grécia! Com mais dinheiro na praça, favorecendo os gastos públicos, a economia grega começou a reanimar e os produtores a livrarem-se das suas dívidas…
      Se Tsipras poderá vir a ser Sólon?… Porém, para bem das “Grécias” e das “Democracias” é preciso que novos “Sólons” possam surgir!

    3. Solução? Passar a viver com o nosso dinheiro e deixar de pedir emprestado. Eu sei que isto é escandaloso para alguém de esquerda, mas é a minha opinião.

    4. Grato pela resposta.

      Também não vislumbro outra alternativa. Todavia, passe a metonímia, ‘saltar da frigideira com risco de cair nas brasas’ não é alternativa muito entusiasmante para quem ‘está a ser frito em lume brando’. Percebo por isso a relutância dos gregos em ‘saltar’, assim como percebo aqueles ‘a seguir na lista’ ( como nós, portugueses… ) que, numa muito dúbia solidariedade, gostariam de ver a Grécia a ‘saltar’ para saberem em que brasas cai e assim prepararem melhor os seus próprios e eventuais ‘saltos”.

      Mas a minha dúvida situa-se noutro plano: Pressupomos o Grexit como uma arma defesa da Grécia face à agressão ‘euro-alemã’. E se, ao invés, o Grexit estiver a ser preparado nos altos directórios da UE, sim, mas configurado como mais uma arma do arsenal ‘euro-alemão’ contra a rebeldia grega e por extensão contra outras iminentes rebeldias ( Podemos… )? Porque seria desmobilizadora para a esquerda , e por muitos anos, uma Grécia pós-Syriza virada à direita, fora do Euro mas arrependida de ter saído, tal risco merece-me atenção.

    5. Por iss mesmo é que uma eventual saída tem que ser muito bem negociada. Tem toda a razão na sua prevenção.

  2. Contra gráficos (claros)…não há argumentos!
    É necessária, e urgente, uma nova e séria abordagem desta questão – Abril é para a semana que vem!

  3. «Deutsche Bank propõe moeda paralela para a Grécia: o Geuro» – Público 22/05/2012.
    Caro Louça, depois de ter publicado “Solução novo Escudo”, numa obra conjunta com João Ferreira do Amaral, pergunto se já considerou se como medida alternativa à saída imediata do Euro não haverá outra solução que passe introdução de “moedas complementares”.
    Conhece os pressupostos da proposta do “geuro”? Terá sido apenas mero “mediatismo” ou a proposta do Deutsche Bank teria mesmo alguma substância? Grato pela vossa atenção.

    1. Sim, quando escrevemos o livro estudamos as hipóteses de duas moedas, mas não lhes demos muito crédito. Repare que há sempre uma moeda em que são feitos os pagamentos, e se for emitida por uma entidade externa a segunda moeda desvaloriza-se mas ninguém quererá pagamentos em “geuros”…

  4. «Deutsche Bank propõe moeda paralela para a Grécia: o Geuro» – Público 22/05/2012.
    Caro Louça, depois de apresentar “Solução novo Escudo”, numa obra conjunta com João Ferreira do Amaral, pergunto se como medida alternativa à saída imediata do Euro, não haverá solução alternativa que passe introdução de “moedas complementares”.
    Conhece os pressupostos da proposta do “geuro”? Terá sido apenas mero “mediatismo” ou a proposta do Deutsche Bank teria mesmo alguma substância? Grato pela vossa atenção.

  5. esses gráficos de cima são um tapete vermelho para a “terceira via” … já os de baixo .. para o “Reich”.. O europeísmo sempre foi uma ideia totalitária .. porque é q desta vez havia de ser diferente ? pela missa ?

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