Este post altera as minhas estimativas anteriores[1], utilizando dados posteriormente publicados. Devido a falta de informação e de documentação mais detalhada sobre o programa de compras de dívida pública do BCE (“Expansão Quantitativa” ou “EQ”), têm sido várias e diferentes as estimativas da dimensão do programa para Portugal.
Durante o anúncio do programa de “EQ”, Mario Draghi informou que o Eurosistema só poderia adquirir até 33% da dívida pública de cada país transaccionada nos mercados, com maturidades entre 2 e 30 anos. No entanto, explicitou que apenas seria adquirida até 25% de cada série de dívida, para assegurar que as compras de dívida pública não influenciariam os preços do mercado e não ultrapassariam o limite – 25% – a partir do qual o Eurosistema poderia bloquear uma decisão aprovada por uma maioria de credores (“collective action clauses” ou “CACs”) em relação a essa dívida.
O limite de 33% é necessário porque, no âmbito do Securities Market Programme o BCE aparenta ter adquirido mais de 25% de algumas séries de dívida.[2] Mas é provável que a conjugação dos dois limites resulte num “limite médio” entre 25% e 33%, tanto mais que é provável que o BCE não consiga adquirir 24,99% de todas as séries de dívida porque alguns investidores não estarão dispostos a vender a dívida pública que detêm.
A diferença é importante. A dívida directa do Estado português com maturidades entre 2 e 30 anos é de cerca de 85,6 mil milhões de euros (valor em 25.2.2015 que inclui o resultado da emissão de dívida que ocorreu nessa data).
Assumindo que o “limite médio” será de 28%, então o Eurosistema poderia adquirir até cerca de 9,1 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa (9,1 » 0,28*85,6-14,9)[3], para além de: alguma da dívida pública que vence entre 2015 e 2016 (que estimo em cerca de 4 mil milhões de euros); e 28% das novas emissões líquidas de dívida pública de médio e longo prazo em 2015 e 2016 (de mil milhões de euros a que acresce o pagamento antecipado de até 12 mil milhões de euros de dívida ao FMI). Ou seja, no total o Eurosistema poderia vir a adquirir até 16,7 mil milhões de euros (16,7=9,1+4,0+0,28*(1+12)) de dívida pública portuguesa ao abrigo do programa “EQ”. Esta estimativa é provavelmente optimista, mas poderá concretizar-se se os défices orçamentais e as necessidades de financiamento do Estado forem superiores ao previsto.
Por conseguinte, o programa de “EQ” do BCE parece explicar e fundamentar a recente decisão do governo, autorizada pelo Eurogrupo, de pagar antecipadamente 12 mil milhões de euros de dívida ao FMI, recorrendo aos mercados para obter financiamento de igual montante. Essa decisão permite aumentar as compras de dívida pública portuguesa pelo Eurosistema em 3,4 mil milhões de euros (=0,28*12). Sem esse pagamento antecipado ao FMI o Eurosistema só poderia adquirir 13,3 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa.
A confirmar-se, o programa de “EQ” viria a resultar na aquisição pelo Eurosistema de, no máximo, 16,7 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa, mesmo assim abaixo dos limites possíveis pela quota de capital do BdP no BCE (cerca de 20 mil milhões de euros).
Um programa de “EQ” com tal dimensão poderia resultar no pagamento de dividendos ao Estado de até 384 milhões de euros por ano (~0,2% do PIB), a partir de 2017.[4]
Um montante significativo, mas que, infelizmente, não chega!
[1] Estimativas feitas com base no pressuposto de que a dívida pública portuguesa já detida pelo BCE limitaria as suas aquisições de nova dívida ao abrigo do novo programa (EQ).
[2] A explicação é muito técnica. Suponha-se, por hipótese, que o BCE detém 50% de uma série de dívida que vença em 2021, no montante de 5 mil milhões de euros, adquirida no âmbito do “Securities Market Programme”. Então, se comprar 25% das restantes séries no montante total de 20 mil milhões de euros fica com 25 mil milhões de euros no total. A divida total do Estado seria de 90 mil milhões de euros (90=5*2+20*4). Portanto o Eurosistema passaria a deter 27,8%(27,8%=25/90) da dívida directa do Estado de médio e longo prazo (acima dos 25% mas abaixo dos 33%).
[3] O BCE detinha, no final de 2014, dívida pública portuguesa no montante de 14,9 mil milhões de euros, adquirida no âmbito do “Securities Market Programme”.
[4] Assume-se que o Estado consegue financiar 12 mil milhões de euros a uma taxa de juro média de 2,5% e que o BdP distribui ao Estado na forma de dividendos os juros que viria a receber por conta da dívida adquirida.
É caso para dizer que o Natal, é só quando o BCE quiser.
Se isto não é viver numa ditadura, então eu não sei o que é viver numa ditadura (dos “mercados” – entre aspas – muitas aspas).
As contas que se devem fazer é quanto é que a Alemanha, a França, a Holanda… vão ganhar com isso, se não for já, será a longo prazo, numa futura situação aflitiva para a Europa.