Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi, colher de prata no nascimento, primos direitos, dez anos de diferença, ambos administradores das casas da família, entretiveram o país com uma quezília para dentro da qual, por uma vez, o povo conseguiu espreitar – e como se deliciou. Coisas de primos.
Queiroz Pereira veio logo acrescentar com bonomia o picante dos bolos daquelas tias, labutando noite fora, “para restaurantes”. Ele conhece bem a família. O avô, Carlos Pereira foi o principal accionista do Banco Comercial de Lisboa, de cuja fusão com o BES, em 1937, resulta o BESCL, mais tarde de novo BES, e o seu filho Manuel Queiroz Pereira, primo por afinidade de Marcello Caetano, continuou a aliança. Pedro Queiroz Pereira, o herdeiro, viria a desfazê-la em 2013, porque Salgado se tentou aliar com as suas irmãs para lhe ficar com a empresa, a Semapa. Coisas de primos por carteira.
Foi sempre assim, a história do século XX e XXI é uma história de primos havidos e desavindos nas melhores casas. A começar pelos capitães da indústria: Alfredo da Silva tinha uma única filha, Amélia, e casou-a com Manuel de Mello, filho de uma Lima Mayer e de Jorge de Mello, conde do Cartaxo. De seguida, veio António Champalimaud casar-se com a filha de Amélia e Manuel, mas depois os Mello e os Champalimaud zangaram-se. Os filhos de uns e outros são os primos Mello e Mello Champalimaud. Coisas da família.
O mundo é pequeno mas cheio de primos. Manuel Ricardo Espírito Santo, neto do fundador da dinastia e seu herdeiro, portanto presidente do banco, casou com Maria do Carmo Moniz Galvão, filha do maior acionista do banco e prima direita de Champalimaud, que era casado com a filha do casal Mello. Por sua vez, a cunhada de Maria do Carmo casou com Fernando Pereira Coutinho, primo de João Pereira Coutinho e primo de Manuel de Mello. Dois sobrinhos de Jorge de Mello casaram com a filha e com a neta de Frederico d’Orey e uma sobrinha de Manuel de Mello casou-se com António D’Orey Pinto Basto, outra família distinta a entrar no primariato. Ricciardi, que é primo de Salgado, é primo de Roquette. Afinal, os Mello, Espírito Santo, Ulrich, Roquette, Pinto Basto, d’Orey e Champalimaud foram-se todos ligando por laços de união.
É o que pode verificar nos mapas genealógicos (clique na imagem para ampliar: o desenho é de Nuno Saraiva, no livro “Isto é um Assalto”, 2013, que escrevi com Mariana Mortágua, e o quadro mais detalhado é de “Os Donos de Portugal”, 2010, com vários autores). Veja os detalhes, se as famílias lhe interessam: a irmã de Manuel de Mello casa-se com Fernando Ulrich, avô do actual Fernando, os Mello e Espírito Santo casam-se, como d’Orey com Mello e com Pinto Basto. Tudo primos.
Tudo primos, quase tudo discreto: nestas famílias não é costume exibir uma truculenta Casa dos Segredos. É até de muito mau tom. Mas não é a primeira vez. O Processo Sommer, anos a fio nos tribunais, opôs António Champalimaud aos irmãos, para disputarem a herança de um tio. Não havia nem fugas ao segredo de justiça nem televisão para uma cobertura em directo, mas o caso deu para o torto e António fugiu em 1969 para o México, de onde só voltaria em 1973, para logo fugir de novo em 1975, para finalmente voltar em glória com as privatizações dos anos oitenta e noventa. Já livre do processo e rico. Coisas de famílias.
Foi em sintonia com esta tradição que, durante esta semana, raro momento de esclarecimento, Salgado e Ricciardi, ambos Espírito Santo, nos contaram a história da sua cizânia e do ascenso e ocaso da família mais poderosa de Portugal. De todo o modo, primos eram e primos ficaram. Sabem demais e fizeram demais, um agora a contas com processos intermináveis, outro terminando como representante de uma empresa chinesa.
Os primos não se escolhem, ainda bem. Certo é que o primariato fez as fortunas de Portugal, que são, bem entendido, o que há de mais ilustre. Por isso, o percalço Espírito Santo passará, como passam as coisas terrenas. No fim, ficam sempre os primos, que são a família.
Pode ser somente imaginação minha, mas o tom jocoso do artigo juntamente com a interpretação que faço do mesmo (ainda que parcelar) faz-me supor que se 1917 tivesse ocorrido em Portugal e o Sr. Louçã fosse um intérpete destacado, então provavelmente muitas famílias sofreriam as arbitrariedades de um engenheiro social na sua sede de salvar a pátria. Viva a democracia.
Contundente e… elegante quanto baste! Maestria.
O que espanta não é o novelo de afinidades familiares, típico de sociedade que funciona numa lógica de castas feudais, o que espanta é a misteriosa circunstância de não serem conhecidos problemas graves de consanguinidade.
o que tu sabes , meu velho
E o Francisco Louçã até sabe do que fala… “Os primos são uma chatice mas são a nossa família”! :)))
Mas o que mais me diverte é o grande comentador, Miguel Sousa Tavares. Por ventura achou que tinha casado bem a filha, com o filho do Ricardo Salgado, e que daí para a frente todos ficaram com o pé fora da lama. É vê-lo agora conturcido na cadeira, todas as segunda-feiras na sic, a opinadela já não sai certeira e caústica como antigamente. Primos, coisas de família.
O que me diverte igualmente é o facto deste cavalheiro no último artigo no Expresso dizer tantas mentiras e deturpar os factos destes lamentáveis acontecimentos.
colher de prata no nascimento “lol”
já nem leio mais