Se há vocábulos com uso inflacionado face ao seu preciso e rigoroso valor semântico, um deles é “amigo”.
“Amigos e amigas” tornou-se um (falso) cânone social ilustrado no começo de muitas alocuções dirigidas a pessoas que nunca se tinham visto antes. Tendência potenciada vertiginosamente nas redes sociais, com pedidos de amizade virtual em catadupa, ainda que, às vezes, com necessidade de desconectar a dita amizade (os ingleses inventaram o termo “unfriend”, que é como quem diz desamigar).
É bom saber distinguir um amigo do coração de um amigo da onça (expressão de origem brasileira) ou de Peniche (versão portuguesa), não esquecendo o sempre entusiasta amigo dos diabos e, claro está, evitando-se o contacto com um qualquer amigo do alheio, espécie que se desenvolve a um ritmo, por sinal, muito pouco amigo, seja na velhinha e limitada versão clássica, seja na contemporânea, sofisticada e logarítmica versão de “colarinho branco”. Nesta há um instrumento poderoso: o amiguismo na versão de nepotismo de uma qualquer mão amiga.
Claro que há amigos que subsistem para além da erosão do tempo e da ausência do contacto. Assim como há o que eu chamo de amigos técnicos. Surgem e esfumam-se na circunstância da vida profissional, sem nunca passarem pelo verdadeiro teste de amizade.
A ideia de aplicar a propriedade transitiva aos amigos já foi mais ajustada do que hoje. Cautela! Agora, amigo do meu amigo, meu amigo é, só com prova real, ou no mínimo prova dos nove.
Curiosa é a expressão bem portuguesa amigos, amigos, negócios à parte, embora amigos, amigos, negócios a dar-te seja mais frequente em certos círculos da vida portuguesa. Ou falar-se do fiel amigo (não me refiro ao bacalhau), um quase pleonasmo que, afinal, se justifica no meio de tanta infidelidade.
No meio de tantos ou tão poucos amigos, dependendo da precisão do nosso “amigómetro”, há, ainda, os que fazem o favor de ter cara de poucos amigos, mesmo quando estão a vir como amigos ou a fazerem-se amigos.
Como amigo não empata amigo, por aqui me fico. Com duas citações finais da Grécia e Roma clássicas: Ter muitos amigos é não ter nenhum (Aristóteles). Não te interesses sobre a quantidade, mas sim sobre a qualidade dos teus amigos (Séneca).