Tudo Menos Economia

Por

Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral

António Bagão Félix

5 de Novembro de 2014, 11:00

Por

Ética da crise e crise da ética

Na Carta de São Paulo aos Romanos, está escrito: “não podes fazer mal de que provenha bem”. Uma bela síntese da norma ética.

Neste mundo global, acentuam-se os sinais exteriores de uma crescente erosão de valores e de princípios. Por vezes, a tão apregoada ética não passa de uma espécie de uma porosa “pedra-pomes”. Isso nota-se na deficiente conjugação entre direitos e deveres, no enfraquecimento do sentido de responsabilidade, na rarefacção da decência, autenticidade e exactidão, na desvalorização do valor da verdade, na volatilização da respeitabilidade pelo esforço, mérito e experiência, substituída pelo prémio da esperteza, amiguismo, oportunismo e até da vacuidade travestida de tecnocracia.

Esta diluição ética tende a igualizar, moralmente, fins e meios, a amolecer as consciências, a fazer germinar e propagar a indiferença, a promover a estatística à categoria de mãe de todas as análises frias e mecânicas.

A ética não é uma questão de “marketing” ou de moda, nem se aligeira por uma qualquer preposição adversativa. Se, na política (e não só) às vezes basta parecer, na ética é imperativo ser.

Mas nunca se deve confundir a ideia da ética com a ideia da moralidade. Ética (da primeira pessoa) é cada um confrontar-se com o seu dever. Moralidade (ética da terceira pessoa) é cada um ocupar-se com o dever dos outros. Muitos pregam a dita moralidade para o outro e esquecem o exemplo e a autenticidade dos valores quando se trata de praticarem o que aos outros exigem.

Em síntese, dêem-se as voltas que se derem, não há “soluções técnicas” para “défices éticos”. Sob pena de recidivas cada vez mais dolorosas…

Comentários

    1. A expressão que citei não exclui, como bem refere, situações de excepção, onde existem dilemas éticos de situações de igual valor (por exemplo, matar em legítima defesa) ou situações em que o conflito ético implica fazer a ponderação do mal menor.
      Mas o que quis enfatizar foi uma das regras éticas que embora não absolutas mais tem sido pervertidas:pode um fim eticamente bom justificar meio(s) eticamente(s) mau(s)?

  1. Sempre que determinadas correntes pseudo-filosóficas, fraquinhas quanto ao conteúdo, fortes por dominarem a economia, avançam pela ribalta, fazem o que chamam, o encerramento da História. Nada interessa, valores, pensamentos, decência. O que conta sim é o carneirismo, e para ser-se carneiro ruminante e consumidor, coisas como ética são um entrave. São até anti-económicos (segundo os seus pontos de vista).
    E esta gentinha, (não lhe posso chamar mais do que isto e todos os outros epítitos são impróprios, e isto faz parte da minha noção de decência) não tem pesos na consciência, pois todo o seu pensamento está formatado da mesma forma que os funcionários dos campos de concentração estavam. Não condenavam pessoas á morte, apenas cumpriam zelosamente os seus deveres para com o Estado que lhes pagava o ordenado.
    E é mais disto que temos, não temos câmaras de gás, mas vamos definhando à míngua de decência e subsistência.

  2. “a rarefacção da decência”

    É isto. Concordo que há, de facto, que vivemos uma erosão dos princípios.

    Sempre terá havido, ao longo da História, períodos de alteração moral e de emergência de novas éticas. Não creio que a época em que vivemos seja uma excepção. Isso pode bem ser um erro de perspectiva, uma vez que vivemos nela e a testemunhamos. Com um senão: pode bem dar-se o caso de que a globalização acelerada leve ao encontro de modos de viver moral e eticamente disjuntos, de uma forma que é mais rápida do que a capacidade da sociedade de produzir uma síntese estável. E boa.

    Parece-me que a essa síntese tem sido, de facto, a união de éticas disjuntas: nada. Nada vale, nada interessa. Vive-se para a distracção, num sentido que creio etimologicamente pertinente…

    A solução só pode ser o denominador comum a todos: a nossa humanidade. E se o diagnóstico da Igreja Católica tem sido certeiro em apontar a falência dos sistemas de valores, a sua prescrição é algo com que não posso concordar. A religião – leia-se uma denominação cultural e ritual assente numa qualquer forma de fé – é a resposta errada ao problema certo.

    Não sendo religioso reconheço não obstante que a “religação” é a chave para este problema.

  3. “Não podes fazer mal de que provenha bem.”

    Esta afirmação é um mau ponto de partida. Matar um agressor que põe em risco a vida de milhares de pessoas inocentes é atentar contra a sua liberdade individual, contra a sua vida e a sua integridade. Prender criminosos em cadeias também atenta contra a sua liberdade. No entanto – e não é necessário ser-se utilitarista para isso – é fácil reconhecer nestas acções a intenção de prevenir males maiores. E preveni-lo não é, porventura, praticar o bem?

    Petições de princípio à parte, se por essa afirmação se pretende dizer que qualquer acção de que provenha o bem não pode, por definição, ser má, então nesse caso cai-se na falácia do verdadeiro escocês. Assim, podem justificar-se acções prévia e potencialmente imorais desde que tenham uma finalidade reconhecida como boa. Se uma sociedade, num dado ponto da sua história, reconhecer unanimemente (ainda que erradamente, desde que por pouco tempo) a justeza de uma causa sanguinária, ninguém poderá censurá-la, e dir-se-á não que “os fins justificam os meios” mas que os meios não precisam ser justificados. Eles são bons por definição, em virtude da bondade da sua consequência.

    Já agora, quem pratica uma ética de virtude, ao invés de deontológica, nem sempre segue normas. Não sei bem o que é a norma ética. Veja-se o suicídio de Catão, e na dignidade que pretende atingir, como um exemplo de uma ética pessoal que nem sempre tem resultados confortáveis.

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