Há 70 anos (22 de julho de 1944) terminava em Bretton Woods, nos Estados Unidos, a conferência que definiu o poder do dólar e a ordem monetária para as décadas seguintes. Foi um enorme sucesso de Washington, quando a guerra estava a chegar ao fim, a Europa estava sangrada e exausta, o Japão estava derrotado, a Alemanha em colapso e os Estados Unidos emergiam como o império dominante.
Nessa conferência, o economista mais influente da Secretaria do Tesouro, Harry Dexter White (1892-1948), conduziu as negociações com mão de ferro, recusando as propostas da delegação britânica chefiada por Lord Keynes e impondo a estrutura institucional que herdamos: o FMI e o Banco Mundial, a paridade do dólar com o ouro e a referência de todas as moedas ao dólar. Essa vitória, no entanto, foi uma tragédia, como explica detalhadamente Skidelsky, o biógrafo de Keynes: White queria que o FMI pudesse intervir na gestão económica dos países, em vez de ser uma agência para o equilíbrio cambial, como propunham os ingleses. Agora sabemos as consequências desta decisão. Mas também defendia insistentemente o controlo de capitais, como Keynes, e nisso ambos tinham razão – mesmo que não pudessem prever as consequências devastadoras que a liberdade de circulação de capitais criou nos nossos dias.
Vitorioso, White foi indicado em janeiro de 1946 para ser diretor do novo FMI. No entanto, não tomou posse e foi afastado discretamente. Em agosto de 1948, foi chamado a depor perante uma comissão parlamentar, começava o maccartismo. Morreu três dias depois desse depoimento.
White era um espião que trabalhava para a URSS ( ver aqui). Ou, pelo menos, estava assim registado desde 1935 pelos serviços soviéticos (sob os nomes de “jurista”, “Richard” e “advogado”). E, surpreendentemente, a contra-espionagem norte-americanos tinha essa informação desde 1938, através do desertor que tinha também identificado Alger Hiss, do Departamento de Estado. O FBI interrogou White em 1942 e fechou o dossier. O presidente Roosevelt tinha recebido um memorando sobre essas denúncias e ignorou-o. Até que, em 1946, as dúvidas levaram a impedir White de ocupar a direção do FMI, ele que tinha sido o seu fundador.
Posteriores intercepções de comunicações, que vieram a ser decifradas, não deixam qualquer dúvida: White encontrava-se regularmente com agentes soviéticos e entregava-lhes informações. O facto é admitido pela CIA mas contestado pelo FBI, que aceita que teria havido reuniões indiscretas, mas duvida da entrega de documentos. O FMI defende a sua herança mas admite os contactos com responsáveis da Embaixada da URSS, chamando-lhe um “americano internacionalista”, o que é certamente uma designação que o descreve bem.
O que em todo o caso está provado é que, por motivações de lealdade política, White queria ajudar os soviéticos e por isso informava-os pelo menos sobre as posições e propostas de Washington para as negociações com Moscovo quanto aos empréstimos para o esforço de guerra. No contexto daquela meia noite do século, a história de White é o drama de uma geração: queria vencer o fascismo, e para isso ajudar Moscovo, e queria impor o autoritarismo liberal, e para isso servir Washington. Só triunfou no segundo objetivo.
Excelente artigo sobre as origens de algumas instituições que governam o nosso mundo.
Obrigado.