
Na fotografia, Maria Barroso contracena com Gabriel Pais no espetáculo “Férias”, estreado em 1945. Fot. Horácio Novais/TNDMII
Maria de Jesus Barroso (1925-2015) pertenceu à companhia Rey Colaço-Robles Monteiro entre 1944 e o fim da década, quando viu a renovação do seu contrato interditada pela PIDE. Voltaria a representar anos mais tarde, mas em 1966 a PIDE impediu-a de representar após o succés de scandale de A Voz Humana, apresentado no teatro São Luiz. Doze anos depois, escreveria a Amélia Rey Colaço para lhe agradecer um almoço. A carta, reunida no livro A Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974) Correspondência, uma edição do Museu do Teatro, mostra a importância da passagem pela companhia que, então, dirigia o Teatro Nacional Dona Maria II
Lisboa, 22 de Setembro de 1978
Minha Querida Senhora Dona Amélia
Mandavam as leis da etiqueta que eu lhe tivesse telefonado a agradecer o seu encantador almoço em Fontanelas. Mas, mais importantes que essas leis frias e insinceras, serão apelos que o nosso coração nos dita. Daí o querer dizer-lhe desta forma quanto me senti – nos sentimos – felizes na sua linda casa, rodeados pela sua gentilíssima família. De tal maneira é verdade o que lhe digo que ficamos, como verificou, horas a fio conversando como se de muitos velhos amigos se tratasse.
A Senhora Dona Amélia conhece-me há muitos anos – 34! e sabe que um dos traços do meu carácter é exactamente a sinceridade. Sabe também como sempre a admirei e lhe fiquei – e estou – grata pelo muito que me ensinou na sua admirável escola de Teatro à qual estão presos alguns dos mais belos sonhos da minha juventude.
Gostámos muito de todos os seus e não esquecemos a delícia dos pratos feitos pela sua tão simpática empregada.
Peço-lhe que dê um beijo muito amigo à Marianinha e aos seus lindos netos e nos recomende a seu genro (com quem o Mário gostou muito de falar).
Para a Senhora Dona Amélia a minha muita admiração, a minha velha amizade e um grande beijo. Sua
Maria de Jesus
Em 2010 o Festival de Teatro de Almada homenageou Maria de Jesus Barroso e Joaquim Benite, então director, escrevia sobre a experiência de assistir a A Voz Humana. O texto pode ser lido aqui.
Um outro texto, de Luís Francisco Rebello, recorda o percurso de Maria Barroso no teatro. A ler aqui.
Júlio Gago, encenador e antigo director do Teatro Experimental do Porto, recordava na sua página de facebook as experiências partilhadas com Maria Barroso, nomeadamente o período de trabalho sobre A Voz Humana, que representaria a sua última presença em palco. Para ler, aqui.
- Crítica a A Voz Humana
Maria de Jesus Barroso Soares (Fuzeta, 2-5-1925) estreou-se no teatro em 1944 e foi, até à década de 60, apesar da sua juventude, uma das actrizes prestigiadas do teatro português. Diplomada pelo Conservatório Nacional (1943), licenciou-se depois em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras de Lisboa (1951), onde conheceu Mário Soares, com quem viria a casar. Maria Barroso terminou o curso do Conservatório num exame público no Teatro da Trindade, cujo júri, presidido pelo grande actor Alves da Cunha, a classificou com 18 valores.
Em 1944, aparece no Teatro do Ginásio em Sua Excelência o ladrão, ao lado de Brunilde Júdice e Alves da Costa, e, no mesmo ano, no Teatro Nacional em Aparências, de Jacinto Benavente, dirigida por Palmira Bastos.
Aqui interpreta, nos anos seguintes, A pastora perdida, de Santiago Prezado, Filodemo, de Camões, Os maridos peraltas e as mulheres sagazes, de Nicolau Luís, Vidas sem rumo, de Olga Alves Guerra, Zilda, de Alfredo Cortês, Tovarich, de Jacques Duval, Raça, de Rui Correia Leite, Férias, de Maria Luz Regas e Juan Alvellos, A lareira do pecado, de Pedro Alvellos, Frei Luís de Sousa, de Garrett, Antígona, de Júlio Dantas, Auto da barca do Inferno e Auto da Cananeia, de Gil Vicente, Maria Rita, de Teresa Canto, Alcipe, de Teresa Leitão de Barros, Frei António das Chagas, de Júlio Dantas, Os velhos, de D. João da Câmara, Lisboa, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, Benilde ou a Virgem Mãe, de Régio, O retábulo das maravilhas, de Cervantes, A casa de Bernarda Alba, de Lorca, Paulina vestida de azul, de Joaquim Paço d’Arcos.
Por razões políticas a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro cancela o contrato com Maria Barroso no fim dos anos 40. A actriz só voltaria ao teatro em 1965 (O segredo de Michael Redgrave e Antígona de Jean Anouilh, no Teatro Villaret; e em 1966 A voz humana, de Jean Cocteau, no Teatro São Luiz). Depois da Revolução de 74, Maria Barroso, que já interpretara filmes, entre os quais Mudar de vida de Paulo Rocha (1966), trabalhará com Manoel de Oliveira: Benilde ou a Virgem Mãe (1974), Amor de perdição (1978), Lisboa cultural (1983), Le soulier de satin (1985). Distinguiu-se também como declamadora de poesia, tendo participado em muitos recitais durante a resistência à ditadura do Estado Novo.
[biografia retirada do programa do Festival de Teatro de Almada]