Jim, de Paulo Ribeiro, de hoje a domingo no TNSJ

Crítica publicada a 1 de Dezembro (4 estrelas)
O espectáculo apresenta-se de 1 a 3 de Fevereiro no São Luiz

O palco abre-se sobre um corpo em homenagem. Paulo Ribeiro dança Indigo, de Bernardo Sassetti, pianista a quem tinha proposto construir, em conjunto, um monumento coreográfico e musical que perguntasse de que modo pode hoje ser construído um corpo para os tempos, revolucionários por certo, que estamos a viver. Pelas piores razões, Bernardo Sassetti não está presente, e o corpo de Paulo Ribeiro carrega esse vazio, como se a perda do corpo do outro pudesse materializar a errância de um corpo em busca de uma utopia.

Jim, que entretanto se foi construindo observando o modo como parecem hoje absurdas, porque abstractas, as utopias revolucionárias, é um momento de detalhada observação de uma realidade em perda de referências, de memórias, por isso mesmo, de futuro.

O que é particularmente interessante em Jim, então, não será o modo como aqueles corpos podem corresponder a uma materialização utópica da revolução que, intuitiva ou inconscientemente, Jim Morrison protagonizava (ou sobre ele se projectava). O que é interessante em Jim – ou torna a peça ainda mais interessante -, é o modo como expõe a ambiguidade revolucionária na qual habitam hoje os corpos, correndo apressados para expectativas mal fundamentadas ou desistindo, protegidos por um cansaço disfarçado de anarquia.

O palco, desenhado pela luz de Nuno Meira, transforma as sombras dos projectores em esquissos de edifícios, como se a paisagem de uma nova cidade, de uma nova ordem mundial, de uma nova realidade, pudesse ser imaginada, ali mesmo, por cima dos corpos. E é entre o reconhecimento dos escombros e a hipótese de uma nova cidade, de uma nova utopia, que se cria esta coreografia, muitas vezes comovente, tantas vezes assustadora. É-o precisamente porque revela, afinal, a solidão, disfarçada de viagem sensorial comunitária – ao contrário do que acontecia, por exemplo, em Publique, de Mathilde Monnier (que se apresentou na Culturgest em 2006), onde as músicas de P.J.Harvey se constituíam enquanto máquina uniformizante de corpos solitários num mesmo espaço, a discoteca.

Agora, com mais de 40 anos de distância, as músicas de Jim Morrison, numa mistura de poesia de pobres versos e acordes de múltiplos sentidos, parecem estranhamente distantes, quase arcaicas, ingenuamente simples. A gravidade impressa nos movimentos dos bailarinos de Jim – Avelino Chantre, Carla Ribeiro, Leonor Keil, Pedro Mendes, Sandra Rosado -, revela, afinal, a impossibilidade de uma utopia comum, expressa em movimentos que se afastam de um conforto orgânico e se aproximam, perigosamente, de uma espiral de violência irreversível.

Ao longo de todo o espectáculo, o que aqueles corpos nos estão a perguntar, imagina-se, é o modo como podemos representar uma escolha que seja, ao mesmo tempo, efémera e consciente. Efémera porque se reconhece na estrutura um risco de desaparecimento que imprime a gravidade, a urgência, a angústia face a um tempo distante, que só se vê com nostalgia. Mas o que será um movimento consciente?

Em Jim a pergunta impõe-se face a um movimento de abstracção, que tenta encontrar uma realidade, ou um estado emocional que, no fundo, possa produzir um escape à própria realidade. Mas a procura desse movimento consciente, ou dessa consciência, é a chave para uma coreografia aberta, especulativa e imaginária. Uma coreografia que nos mergulha directamente no palco, ao ponto de provocar uma estranha sensação de presença, de identificação, de partilha. Será, enfim, um movimento consciente aquele que souber chamar para a sua completude a acção de olhar e a intenção de agir do espectador. E Jim faz isso através de um complexo jogo de sedução, com uma coreografia dengosa, falsamente ligeira, intensamente provocadora. O corpo revolucionário será, então, aquele que souber agir sobre o aqui e o agora, como pedem, afinal, os bailarinos nas palavras finais de um espectáculo do qual saímos, felizmente, perturbados.

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