AS MINHAS LINHAS VERMELHAS
O Estatuto que rege a actuação do provedor consagra «a sua autonomia e independência a quaisquer órgãos do jornal ou da empresa». Mas isso não significa que ele não tenha fronteiras na esfera das suas competências. Pelo menos, no meu caso, aquelas que faço questão em não ultrapassar.
No seu Livro de Estilo, acerca de «os espaços de opinião», o PÚBLICO estabelece: «Informação e opinião têm espaços claramente demarcados.» E acrescenta: «A opinião em sintonia com a actualidade diária divide-se em três géneros: o editorial, assinado por um elemento da Direcção editorial; o comentário, assinado por um director, editor ou jornalista; e a opinião, assinada por um convidado.» E mais adiante esclarece: «Não há quaisquer restrições ao teor das opiniões expressas desde que elas se enquadrem nos preceitos de isenção ética e rigor de escrita que identificam o estilo do PÚBLICO. A independência de espírito, a irreverência e o desassombro polémico são necessários à vitalidade do jornal.»
Quem acompanha o PÚBLICO habitualmente, quer na edição de papel, quer na edição online, sabe que este jornal tem um conjunto de colaboradores regulares e outros ocasionais. Estes últimos vêem os seus textos publicados nas secções «Debate» ou «Tribuna», obviamente, consoante os critérios da Direcção do jornal.
Alguns Leitores no correio electrónico que trocam comigo têm manifestado acesa discordância com os conteúdos de certos artigos de opinião. De algum modo, direi, tentam sugerir ao provedor para se imiscuir nesse espaço.
Não obstante o momento de crise económica, social e política que vivemos, felizmente, não nos furtaram ainda, no espaço público, a liberdade de opinião. Isto não quer dizer que esse momento concorra para o aprofundamento, em conhecimento e responsabilidade, do uso dessa liberdade. Antes, factores inerentes a este estado de crise e ao imediatismo que a livre opinião, hoje, usufrui pelo recurso rápido aos diferentes suportes mediáticos, desde os tradicionais media (imprensa escrita, rádio, televisão) aos suportes digitais destes e ao ilimitado campus das redes sociais, tais factores potenciam a capacidade babilónica do discurso público. Provavelmente um dos objectos de estudo que continua por investigar, em cada democracia concreta, é sobre a forma e os mecanismos que a dominante maior dos sistemas democráticos liberais – o funcionamento dos Mercados – conseguiu incorporar de modo inteligente a liberdade de expressão e de informação sem estragos sensíveis aos próprios sistemas. Como diz o politólogo alemão, Ulrich Becck, (na actual conjuntura é sempre aconselhável citar um pensador germânico) as modernas democracias têm dentro do seu bojo esta antinomia pouco democrática «os governos aprovam, as populações desaprovam». Mas estas «coisas» são temas para outras andanças. Ou como diz o povo, «são contas de outros rosários».
Ora, no presente contexto da ordem em que as coisas estão, os media livres e independentes oferecem, normalmente, um espaço para registo de opinião das diversidades ideológicas, dos diferentes núcleos de pensamento e da versão de visão dos acontecimentos. E o PÚBLICO perfila este estatuto: «Os jornalistas, colunistas e colaboradores permanentes poderão divergir entre si nos textos de opinião, e mesmo manter polémicas, desde que o façam com elevação, elegância e contenção.» Não é de somenos importância incluir, aqui, os jornalistas. Erradamente há quem pense que os jornalistas devem exercer a sua actividade como cultores do relato dos factos, dos acontecimentos, escapando ao plano de opinião. Sem qualquer dúvida, esta posição corresponderia a decapitar aqueles que, por ofício, são profissionais da palavra, em escrita, som e imagem. No relato dos factos, dos acontecimentos, das situações, estão obrigados a fazê-lo com as maiores imparcialidade e objectividade possíveis. Porém, no espaço de opinião são livres de exprimir a sua opinião, a sua interpretação dos factos.
Sinto-me, de alguma maneira, muito perto da tese da comunicóloga brasileira, Sylvia Moretzsohn, que escreveu uma dissertação com o tema «Pensando contra os factos» na tentativa de desmitificar o slogan comum de que «contra factos, não há argumentos». O relato dos factos, descrito sob as regras do jornalismo informativo, inclui sempre uma determinada interpretação. E em sequela autenticamente profissional a expressão de uma opinião. A distinção dos planos não invalida o jornalista de ser um sujeito de opinião. Por razão de profissão, até obriga.
Portanto, caros Leitores, como provedor devo respeitar este espaço público de opinião. De opinião divergente, contraditória, plural. Provavelmente, nos conteúdos da autoria dos profissionais do PÚBLICO, aquando do relato e interpretação dos acontecimentos terei de mediar o juízo sobre situações polémicas ou das críticas apresentadas pelos Leitores. Mas, no espaço de livre opinião, não me peçam para intervir. Não é que, por vezes, não me apeteça. Contudo, tanto quanto interpreto a minha função, não posso. Vejo aqui o limite das minhas linhas vermelhas.
Prezado Provedor,
Sigo normalmente as suas reflexões com concordância, tal como desta vez. E não é só daqui. Claro que não deve entrar na polémica das opiniões. Mas há uma outra questão: a mim, o que me parece é que a diversidade de opiniões e de opinantes é muito estreita. Não imagino porquê.
Com a maior consideração,
J.Marques