Limpando a gaveta — 4

Sob este título, recupero periodicamente alguns casos que não me foi possível tratar, por falta de espaço, na edição em papel do PÚBLICO. Trata-se, em geral, de temas resultantes de reclamações ou dúvidas dos leitores e que foram objecto de comentários ou explicações da redacção do jornal.

A parte pelo todo

No âmbito da crise nos transportes aéreos europeus provocada pela nuvem de cinzas com origem num vulcão islandês, o PÚBLICO titulava a 19 de Maio (Economia, páginas 24 e 25): “Transportadoras aéreas unem-se para pedir explicações à UE”. E acrescentava em subtítulo: “Companhias europeias vão tomar posição conjunta contra a gestão desta crise. Acusam autoridades de negligência e pedem indemnizações”. A acompanhar a notícia, eram publicados os depoimentos de seis líderes de transportadoras aéreas (TAP incluída), encimados pelo título “Entrevistas aos líderes das maiores companhias de aviação da Europa”.

O leitor João Dias protestou contra este último título, já que entre as transportadoras referidas na notícia não figuraria nenhuma das maiores companhias europeias, “com excepção da germânica Lufthansa”. “Nem British Airways, nem Air France (fundida com KLM), nem Iberia (em processo de fusão com a British Airways) aparecem, só para referir algumas”, escreveu, para concluir: “É muito grave que os depoimentos sejam todos de representantes de companhias que integram a mesma aliança: a Star Alliance, algo que a jornalista omite”.

A autora da notícia, Raquel Almeida Correia, explicou: “No que diz respeito às entrevistas, o objectivo foi oferecer aos leitores um conjunto de opiniões dos líderes de algumas das maiores companhias de aviação da Europa (…). Admito que a palavra ‘algumas’ deveria ter sido utilizada no título da caixa de entrevistas, mas não considero que isso altere a essência do trabalho ou ponha em causa os interesses dos leitores. Todas pertencem à Star Alliance, é um facto. Mas, mais uma vez, não é isso que condiciona o trabalho, até porque se trata da maior aliança de companhias de aviação do mundo – e, portanto, a mais representativa. Quanto ao texto principal, (…) não se baseia nas declarações dos seis líderes das companhias de aviação, mas sim na notícia de que a Association of European Airlines (AEA), da qual fazem parte as 36 maiores transportadoras aéreas da Europa, se vai reunir (…) para tomar uma posição conjunta contra a forma como foi gerida a crise das cinzas vulcânicas”.

Fica a explicação registada. Não há razão para questionar a notícia principal, certamente oportuna e relevante. Porém, e como alertava o leitor, o título geral das entrevistas era de facto inexacto (para dizer o mínimo), e a escolha de ouvir apenas representantes da mesma aliança empresarial é certamente questionável.

Notícias de Junho… em Maio

O leitor Augusto Küttner de Magalhães, do Porto, espantou-se com o que leu na primeira página do PÚBLICO de 7 de Maio passado. Sob o título “Função Pública/Reformas caem até Junho mas vão disparar”, podia ler-se: “No primeiro semestre deste ano aposentaram-se 8922 funcionários públicos…”. Comentava o leitor: “Estamos hoje a 7 de Maio!…”.

João d’Espiney, editor executivo e um dos autores da peça que na página 26 (Economia) desenvolvia a chamada da capa, explica: ” O que acontece é que a Caixa Geral de Aposentações (CGA) publica sempre com um mês de antecedência a lista dos funcionários públicos que se vão aposentar no mês seguinte”. Daí que já existissem, à data, números “fechados” até ao fim de Junho.

Uma passagem do texto no interior do jornal permitiria supor isso mesmo, mas o leitor tinha razão em espantar-se com o que lera na capa. O jornalista reconhece que a fórmula escolhida poderia “confundir”, e que a prática utilizada pela CGA não tem de ser do conhecimento dos leitores, pelo que esse dado “poderia ter sido mais claramente explicitado no texto”.

Não só poderia, como deveria. Não é normal usar-se uma forma verbal no passado para referir um semestre que em parte ainda é futuro.

Cortes não autorizados

O suplemento FUGAS, que integra aos sábados a edição do PÚBLICO, inclui uma secção intitulada “As fugas dos leitores”, onde se publicam textos e fotografias resultantes de viagens efectuadas por leitores do jornal. Na edição de 1 de Maio deste ano, surgia um texto assinado por Catarina Duarte, de Lisboa, dando conta das sensações provocadas por uma viagem a Pequim. Mas o que pôde ler-se no suplemento não era afinal tudo o que fora escrito e remetido ao jornal. A autora enviou-me uma reclamação, queixando-se de ter sido “censurada”. A editora do suplemento, Sandra Silva Costa, foi convidada a pronunciar-se. Penso que vale a pena olhar um pouco para o caso.



“Lápis azul na linha editorial do PÚBLICO”

(carta da leitora Patrícia Nascimento)



O destacável Fugas sai ao sábado, aconchegado pelo jornal Público. Este saiu neste 1.º de Maio. Neste destacável há uma rúbrica aberta aos leitores intitulada “As fugas dos leitores”. Por única condição, em rodapé, o texto não deve ultrapassar o limite de 3000 caracteres.

No rescaldo de uma viagem à China, decido participar. Redijo o texto, contabilizo os caracteres, que respeitam o limite imposto, subcrevo com pseudónimo (o nome de uma das minhas bisavós, Catarina Duarte), anexo uma fotografia da muralha da China e envio-o por ‘mail’, declarando nesse momento a minha identidade, em conformidade com o meu endereço electrónico.

O jornal Público prescinde do seu direito de não publicar o texto e publica-o mas, com o exercício de um lápis azul, censura-o. Sem poder alegar excesso de caracteres, faz desaparecer um pequeno parágrafo, entalado entre o relato da experiência de visitar dois templos, um taoísta, o Templo do Céu, e o outro budista, o Templo Lama. A propósito do ritual taoísta de sacrifício de animais atirados a fogueiras, escrevi e foi censurado: “Contemporâneos a estas fogueiras, e também em nome do Céu, são os autos-de-fé do meu país e da minha cidade de Lisboa, que serviam para atrofiar a populaça e consolidar o poder da igreja católica apostólica romana.”.

Do modo como foi publicado, o texto não apresenta qualquer vestígio de censura: é como se o parágrafo e o tipo de relação histórica entre os autos-de-fé e a igreja católica nunca tivessem existido. Mas, apesar desta divina intervenção, a linha editorial do Público insiste na subscrição do texto por uma única autora, que já não está sozinha. Porque o Público proibiu o meu direito de liberdade de expressão e porque omitiu a sua própria acção, concluo que, afinal, os outros tempos não são outros, são mesmo estes.

01.05.2010

Patrícia Nascimento

Perguntas dirigidas à editora do suplemento FUGAS

1) Se o texto foi cortado, porque não foi pedida autorização à autora?

2) Qual o motivo para esse corte específico?

3) Quais os critérios de edição em vigor para esta secção, já que no rodapé apenas se fala do limite de 3000 caracteres? Cabendo obviamente aos responsáveis do suplemento FUGAS a decisão de publicar ou não os contributos dos leitores, é considerado aceitável alterá-los quando são publicados? Tem acontecido em outros casos?

06. 05.2010

José Queirós

Resposta da editora do suplemento FUGAS

Ao contrário do que afirma a leitora Catarina Duarte, o texto que enviou para publicação no espaço “As fugas dos leitores” excedia o limite de caracteres indicado na referida secção. Concedo que a indicação sobre o número de caracteres pode ser ambígua, visto que não indicamos que esta contabilização deve incluir os espaços. O texto original em causa tinha 3652 caracteres com espaços, 3013 sem espaços. Foi por este motivo que foi cortado. Ainda assim, foi publicado com mais caracteres do que o previsto, o que nos obrigou inclusive a diminuir o tamanho da foto, que costuma ser paginada a três colunas e neste caso foi a duas.

Não foi pedida, de facto, autorização à autora para que o texto fosse cortado. Como também não foi pedida autorização para alterações cirúrgicas que foram feitas no mesmo, nomeadamente para adequação do texto ao estilo do PÚBLICO e da Fugas. Nunca pedi autorização aos autores para lhes cortar os textos porque sempre me regi pelos mesmos princípios subjacentes à publicação na secção Cartas à Directora – que informa que “o PÚBLICO reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos”.

Havendo de facto a necessidade de cortar o texto, decidi cortar na parte que entendi ser menos relevante para a descrição da “fuga” da leitora. A ideia da secção “As fugas dos leitores” é, tal como foi explicado da primeira vez que foi publicada, que os leitores partilhem connosco os momentos e os lugares que acham que merecem. No contexto em apreço, não me pareceu que a frase em questão fosse relevante para esse objectivo.

Já fiz cortes noutros textos, tão ou mais significativos em termos de caracteres, e nunca recebi qualquer “queixa” dos seus autores.

06.05.2010

Sandra Silva Costa

Comentário

A explicação da editora é clara, mas merece ser discutida.

O argumento do número de caracteres, apresentado como motivo do corte, parece imbatível: 3013 ou 3652 são, de facto números superiores a 3000. Mas a impressão que fica é a de que terá havido alguma rigidez desnecessária. Sem pôr em causa os critérios gráficos do suplemento, basta olhar para a página 5 dessa edição de 1 de Maio, onde foi paginado o texto assinado por Catarina Duarte, para perceber que, desde o momento em que se optou por uma fotografia a duas colunas, a questão do espaço não seria determinante para obrigar ao corte de que a autora se queixa.

A comparação com as Cartas à Directora parece-me forçada. Mas, ainda que o não fosse, não deveria ser invocada como motivo para evitar um pedido de autorização ao autor de um texto que se pretende cortar. Tal só seria legítimo se nesta secção do suplemento se anunciasse, como acontece na página das Cartas, que o PÚBLICO se reserva o direito de “eventualmente reduzir os textos”. O que não acontece, e a meu ver bem. Como diz a leitora que escreveu sobre a sua viagem a Pequim, a única condicionante aí referida é a do tecto de 3000 caracteres.

A explicação de Sandra Costa sobre a razão para ter sido a frase em questão a ser cortada é perfeitamente aceitável no plano técnico, e é uma opção editorial legítima, se estivermos de acordo com a bondade da intervenção editorial (para lá do respeito por convenções como as ortográficas ou de pontuação), sem o acordo do autor, neste tipo de textos. E não deveríamos estar, porque é ao autor que cabe, naturalmente, saber o que é “relevante” para exprimir as impressões que uma viagem lhe causou.

Por isso, e deixando de lado o detalhe do número de caracteres, o que deve ser sublinhado é que, se o PÚBLICO aceita (como fez neste caso) publicar um texto, aliás recebido no âmbito de um convite dirigido aos leitores, não deve alterá-lo sem autorização de quem o escreveu. Pode naturalmente recusá-lo. E pode (e deve) contactar o autor caso pretenda publicá-lo, mas considere que só o deve fazer com alterações, determinadas por razões editoriais, de estilo ou de espaço. Decidindo em seguida se o publica ou não, face ao resultado dessa negociação, que, estou certo, resultará geralmente num entendimento quando são invocados critérios claros e compreensíveis.

Falar aqui de censura, como faz Patrícia Nascimento, será certamente desproporcionado. Mas a leitora tem razão em criticar o facto de o PÚBLICO prescindir do seu “direito a não publicar o texto”, e depois afectar a sua integridade sem o acordo de quem o assina.

José Queirós

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