Trapalhada na rede



(Crónica da edição de 1 de Agosto de 2010)

Entre as muitas queixas que me chegam sobre o funcionamento da área de comentários agregada às notícias do Público Online, surgiu há dias um novo tipo de reclamação. Diz o leitor Jaime Negalho que a sua identidade de leitor-comentador está a ser “falsificada”, com o seu nickname (pseudónimo) a ser usado por alguém que emite, em seu “nome”, opiniões que não partilha. Outro interveniente no sítio do PÚBLICO, Raul Covita, queixa-se de uma tentativa de usurpação do seu “nome de utilizador” e reclama medidas para resolver o problema.

Tenho más notícias para estes leitores. Com o sistema de gestão de comentários que vigora no jornal, não deverão contar com soluções efectivas para estes casos, pelo menos no curto prazo.

Antes de mais explicações, convirá recordar aos leitores menos familiarizados com o mundo dos comentários on line os méritos e os problemas que lhe são habitualmente associados. Ao tornar possível que qualquer cidadão que aceda à sua edição na Internet possa participar livremente na discussão das notícias, vendo as suas opiniões difundidas de forma ampla e quase instantânea, o PÚBLICO quis reforçar o cumprimento da sua vocação para incentivar o debate público dos temas da actualidade. E quis também, naturalmente, fazer crescer as audiências da edição on line, de modo a atrair maiores receitas publicitárias. Sucede que esta abertura à participação, nos moldes em que é praticada neste e em outros jornais — sem mecanismos fiáveis de selecção e edição dos textos recebidos — tem o efeito perverso conhecido de provocar a perda de qualidade e civilidade nas discussões.

O PÚBLICO permite que qualquer pessoa coloque comentários no seu sítio ao abrigo de um pseudónimo (nick, para os iniciados) ou do anonimato. São requeridos — o que não quer dizer que sejam verificados — nome, localidade e endereço electrónico. É dada a garantia de que o IP (número identificador do acesso à rede) dos comentadores não será divulgado, embora fique registado na base de dados do jornal. Esse registo deveria permitir, em princípio, bloquear utilizadores que não respeitassem os seguintes critérios de publicação anunciados: “São inaceitáveis comentários que contenham acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência ou que preconizem violações dos direitos humanos“.

Na prática, isso não acontece. É comum encontrar comentários que desrespeitam abertamente estes critérios, sem que o seu autor, detentor de um nick, seja afastado. Segundo me foi explicado, não é impossível fazê-lo, mas o sistema informático do PÚBLICO é “limitado” nesse domínio, e existem várias formas de um utilizador mais persistente reaparecer em linha.

O mesmo se passa com o problema da usurpação de identidades. O PÚBLICO, como recorda Sérgio Gomes, responsável pela edição on line, “insta os seus leitores a assinar os comentários com a sua verdadeira identidade”. Mas é fácil verificar que a opção pelos pseudónimos é a preferida por comentadores frequentes, que chegam a intervir várias vezes por dia, repetindo com poucas variações as mesmas mensagens, geralmente de marcada motivação ideológica, partidária ou clubística. O seu nick é a sua “identidade” na tribuna que o PÚBLICO lhes oferece. No universo competitivo e agressivo das discussões on line, o “roubo” do pseudónimo é a porta aberta à confusão.

No caso de Jaime Negalho, que se apresenta como “um leitor registado que gosta de fazer comentários”, o seu nickname (JN-Amadora) já tinha sido “imitado” com recurso a pequenas alterações quase invisíveis, como o acrescento de um ponto ou de um espaço antes ou depois do travessão. No dia em que se queixou, fora dado mais um passo na escalada, quando alguém assinou um comentário com “um nick precisamente igual” ao seu. Usou a funcionalidade de resposta aos comentários para anunciar que esse texto não era da sua autoria. Pouco depois a confusão estava instalada, com a assinatura “JN-Amadora” a aparecer a defender teses contraditórias a pretexto de notícias sobre a Coreia do Norte ou o Paquistão, e a subscrever acusações de roubo de “identidade” aparentemente formuladas por utilizadores diferentes. A engrossar a trapalhada, um dos protagonistas desta história terá passado a copiar e publicar as denúncias do outro, num intrincado labirinto de ocultações e disfarces que tornava difícil seguir qualquer argumentação e praticamente impossível discernir quem era quem e quem dizia o quê. Acresce que um dos utilizadores do nick “JN-Amadora” (vá-se lá saber qual…) fora já objecto de vários protestos, como o do leitor Eduardo Gomes, que o acusava de “insultar diariamente os comunistas, bloquistas e simpatizantes da esquerda”, enquanto quem lhe respondia veria “os seus comentários inviabilizados”.

Um dos leitores que se queixam pergunta “como é possível o PÚBLICO permitir” comentários “com o mesmo registo” de autores diferentes. A resposta que me foi comunicada é que o sistema permite a qualquer pessoa registar-se com um pseudónimo já existente. O que me parece errado e difícil de compreender, atendendo a que tal operação é normalmente interditada, de modo automático, em muitos sítios da rede.

E porque é que o PÚBLICO, quer saber outro leitor, não “elimina” os “desordeiros”? Sérgio Gomes explica que não é fácil: “Aos editores de comentários não compete a verificação de assinatura (se é verdadeira ou não) nem a sua comparação (se existem repetições de nomes próprios ou nicknames iguais ou parecidos). A plataforma informática em que está implementado o sistema de gestão de comentários não permite essa verificação e comparação automáticas. Dado o volume de comentários recebidos diariamente (uma média de 2000), uma tarefa humana voltada para este problema seria ciclópica”.

” Num regime de livre publicação de comentários como é o do PÚBLICO”, acrescenta o editor, é “praticamente impossível uma arbitragem eficaz” nesta matéria. Apesar de “os casos identificados de usurpação de nicknames e de assinaturas” não serem “muito frequentes”, “a resolução deste tipo de problemas afigura-se complicada porque, tecnicamente, nem sempre é possível distinguir o que é verdadeiro ou falso”.

Sérgio Gomes deixa, no entanto, uma sugestão: “Talvez fosse útil acrescentar à funcionalidade ‘Denunciar Comentário’ a funcionalidade ‘Denunciar usurpação de identidade’, para posterior avaliação pelos editores. É uma solução simples, cuja implementação discutiremos e que pode ajudar a dissuadir a utilização deste tipo de estratagemas para fazer passar mensagens atribuídas a determinado autor”.

Mas vale a pena salientar que o recurso à “denúncia de comentários” também não está isento de problemas. O PÚBLICO adoptou esta metodologia para dar aos leitores “a possibilidade de denunciarem comentários que, na sua opinião, não respeitassem as regras de publicação”. Sérgio Gomes explica como funciona este (único) filtro editorial: “Qualquer comentário pode ser denunciado pelos leitores. A partir do momento em que um comentário é denunciado pelo menos uma vez, é enviado para uma plataforma de edição. Cada leitor só pode denunciar determinado comentário uma vez. Quando três leitores distintos denunciam um comentário ele deixa de estar publicado de forma automática. Apenas os comentários denunciados são alvo de edição e aprovação pela redacção do PÚBLICO. A partir do momento em que um comentário denunciado (uma ou mais vezes) é visto e aprovado pelo PÚBLICO, o mesmo não pode ser denunciado pelos leitores novamente”.

Estas regras ajudarão a evitar alguns malefícios resultantes da opção por comentários não editados, mas permitem utilizações perversas. Na prática, qualquer facção política, clubística ou outra — e abundam os sinais da sua presença organizada no sítio do PÚBLICO — pode, com três simples cliques no botão de denúncia, fazer desaparecer os comentários que lhe desagradem. Definitivamente ou durante um período de tempo indeterminado, dependendo da capacidade de reacção editorial. A situação confunde muitos leitores da edição on line, que se apercebem da remoção de textos irrepreensíveis à luz dos critérios do PÚBLICO, enquanto vêem permanecer em linha outros que não os respeitam.

É o que explicará reclamações como as que fui acumulando ao longo de meses, e cujo mérito não posso avaliar, no desconhecimento dos textos que lhes deram origem. “Nada escrevo que seja ofensivo; porque é que o meu comentário não foi publicado?”. ” Onde é que violo os critérios de publicação?”. “Havia aqui dezenas de comentários e agora há três. Se o PÚBLICO não censura, quem é que os retira?”. “Já me cortaram o pio três vezes. Quem quiser denunciar que vá para tribunal”. “Onde está o livro de reclamações? Porque apagam os comentários?”.

São só alguns exemplos, a que se juntam os que vislumbram fantasmas que a simples leitura dos comentários publicados deveria afastar: “Porque estão a apagar tudo? Receberão ordens do Governo?”. Ou, ao invés: “Os comentários que não são críticos do Governo são apagados”.

Mas são exemplos suficientes para tornar claro que o actual modelo de gestão de comentários no Publico Online é insatisfatório e produz efeitos perversos. Perguntei à direcção do jornal se irá ser repensado. Foi-me dito que sim. Espero que novas soluções possam ser conhecidas em tempo razoável e comunicadas aos leitores. Voltarei ao tema, para me focar no problema de fundo: a opção do jornal pela publicação automática de comentários.

José Queirós

Documentação complementar

Mensagem do leitor Eduardo Gomes (08/07)

Apesar de comprar quotidianamente a edição impressa do vosso jornal, gosto de vir à net para tentar aprender mais qualquer coisa para além das notícias, através dos comentários das mesmas em que gosto de participar, estando mesmo registado no vosso site. O meu protesto refere-se a um interveniente assíduo, JN-amadora, a quem é permitido insultar diariamente os comunistas, bloquistas e simpatizantes da esquerda sem que seja dada a hipótese a outros comentadores de fazerem a sua defesa, vendo os seus comentários inviabilizados. Se quer o Público manter um nível de civilidade controlado, o que aplaudo, deve ser imparcial e “filtrar” também os comentários desse senhor que tenham conteúdo ofensivo para uma larga franja da sociedade, sob pena de se conotar com uma ideologia política e não pugnar pelo direito à informação livre e descomprometida.

Eduardo Gomes

Mensagem do leitor Jaime Negalho (20/07)



Sou um leitor registado que gosta de fazer comentários. Ultimamente verifico que há quem consiga comentar com nicks idênticos ao meu, por inveja dos comentários que escrevo. Até aqui nada poderei protestar, pois basta copiar o meu nick e acrescentar um ponto a ele para conseguir um resultado semelhante e apresentar comentários como se fosse eu. A razão desta carta é para o estranho comentário em que assinam com o nick precisamente igual ao meu. Aqui já terei de protestar efectivamente e saber como é possível no Público comentarem por mim. Dou o exemplo do comentário feito no artigo “Estados Unidos aumentam os projectos de ajuda ao Paquistão”, assim: «JN-Amadora . 20.07.2010 11:27 Via PÚBLICO Atenção Existem dois malandrecos com nicks semelhantes ao meu. Um com um ponto no final “JN-Amadora.” e outro com espaço antes e depois do traço “JN – Amadora”, sendo que o meu é “JN-Amadora”. Estes malandrecos não foram originais como eu fui pois fui o primeiro a falsificar um nick, hee, hee, hee.» Ora quem colocou este comentário tem um nick precisamente igual ao meu que respondi a seguir desta forma: «JN-Amadora . 20.07.2010 Via PÚBLICO RE: Atenção Este comentário não é meu. É de um invejoso com falta de originalidade e que copia as ideias de outros.» Gostaria de ser informado como é possível o Público permitir copiarem e colocarem comentários com o mesmo registo e saber quem o fez.

Jaime Negalho

Segunda mensagem do leitor Jaime Negalho (20.07)

Em acréscimo à minha solicitação anterior, apresento mais um exemplo de falsificação da minha identificação nas caixas de comentários. É o exemplo no artigo “Coreia do Norte terá executado ex-representante em conversações com o Sul” e que mostra que duas pessoas diferentes apresentam-se com o mesmo nick registado. Ora veja, por favor: « JN-Amadora . 20.07.2010 12:10 Via PÚBLICO Um protesto ao Provedor do Leitor ! Escrevi já um protesto ao Provedor do Leitor e a perguntar como é possível o Público permitir dois registos iguais: o meu e, agora, a de um invejoso, que assina precisamente igual. Perguntei ao Provedor do Leitor a identificação dele. Pode-se ver aqui o exemplo de identificação precisamente igual, também, no comentário dele das 11.53 e na minha resposta das 12.03. Ao que chegam… Este comentário tem 0 respostas (…) JN-Amadora . 20.07.2010 12:03 Via PÚBLICO Os invejosos… O comentário das 11:53 não é meu. É de um invejoso com falta de originalidade e que copia as ideias de outros (…).

Jaime Negalho

Mensagem do leitor Raul Covita (22/07)



Já é hora de começarem a ser removidos deste site certos utilizadores (…). Há no espaço de comentários dos leitores um número enorme de utlizadores que apenas insultam, denigrem e, de forma geral, nada contribuem para a discussão civilizada que muitos utilizadores desejam levar a cabo sobre as notícias do dia. É portanto chegada a hora de o Público, que supostamente pode bloquear IPs e eliminar utilizadores desordeiros, exercer o seu poder de censura sobre os comentários ofensivos. Podem começar pelos clones do JN-Amadora (…).

Raul Guerreiro Covita

Segunda mensagem do leitor Raul Covita (23/7)



Constato hoje, novamente, que a queixa que ontem lhe enviei não serviu para nada. E porquê? Será assim tão difícil eliminar usurpadores e spammers? Tudo aquilo que alguém (responsável) no Público tem que fazer é contactar um informático (…) e dar-lhes ordens para eliminar os utilizadores que não respeitam nada, nem ninguém. Hoje, por exemplo, o utilizador que dá pelo nome de JN – Amadora . tentou usurpar o meu nome de utilizador, algo que me deixa um tanto ou quanto irritado. Peço, mais uma vez, que o Provedor ou alguém responsável lide com os utilizadores “problemáticos”.

Raul Guerreiro Covita

Esclarecimento da jornalista Ana Machado, da equipa do Publico Online

(…) É possível [alguém] registar-se com um nickname já existente. Mas o leitor pode mudá-lo. Ou usar o nome próprio… ou não ligar a essa perseguição que lhe fazem… (…) Não é fácil fugir a isso, mesmo porque se o sistema não permitisse usar um nome igual havia sempre uma maneira de fugir, acrescentando apenas um ponto ou um travessão…

Ana Machado

Esclarecimento de Sérgio Gomes, editor do Publico Online

1. A assinatura dos comentários com a identidade verdadeira dos leitores é incentivada desde que surgiu esta funcionalidade de participação. O documento que estabelece as regras de publicação de comentários refere que “a identificação dos autores dos comentários deve ser a regra e a sua não identificação uma excepção”. Para além da assinatura com identidades “reais”, o Público autoriza a publicação de comentários de autores que preferem permanecer anónimos e permite ainda a opinião daqueles que optam por assinar com nickname ou pseudónimo. Apesar de considerar “a possibilidade de camuflar a identidade do autor de um comentário como um direito dos leitores e uma necessidade para garantir a livre expressão de todas as opiniões em casos sensíveis”, o Público, no mesmo documento, “insta os seus leitores a assinar os comentários com a sua verdadeira identidade”, nomeadamente quando essa necessidade não exista. A última decisão sobre a assinatura e identidade referida num comentário cabe, naturalmente, aos seus autores.

2. Para além do teor dos comentários, os editores verificam os campos de autoria e localidade dos mesmos apenas para a garantia de que, nesses espaços, não são publicados expressões ou mensagens que não cumprem as regras. No entanto, aos mesmos editores de comentários não compete a verificação de assinatura (se é verdadeira ou não) nem a sua comparação (se existem repetições de nomes próprios ou nicknames iguais ou parecidos). A plataforma informática em que está implementado o sistema de gestão de comentários não permite essa verificação e comparação automáticas. Dado o volume de comentários recebidos diariamente (uma média de 2000), uma tarefa humana voltada para este problema seria ciclópica. Por outro lado, como o leitor Jaime Negalho reconhece, basta que um nickname tenha um ponto final ou um espaço a mais para parecer igual a outro, o que, num regime de livre publicação de comentários como é o do Público, torna praticamente impossível uma arbitragem eficaz.

3. Os casos identificados de usurpação de nicknames e de assinaturas com nomes próprios no espaço de comentários do Público Online não são muito frequentes. A resolução deste tipo de problemas afigura-se complicada porque, tecnicamente, nem sempre é possível distinguir o que é verdadeiro ou falso.

4. Para uma melhor e mais rápida identificação deste género de casos, talvez fosse útil acrescentar à funcionalidade “Denunciar Comentário” a funcionalidade “Denunciar usurpação de identidade” para posterior avaliação pelos editores. É uma solução simples cuja implementação discutiremos e que pode ajudar a dissuadir a utilização deste tipo de estratagemas para fazer passar mensagens atribuídas a determinado autor.

Sérgio Gomes

Mensagens recebidas após a publicação da crónica

1. Comentários retidos

Posso dar uma contribuição para explicar comentários que nem sequer são publicados. Há palavras que conduzem à exclusão automática, como byco, pauzinho (na versão com 3 letras), o feminino de preto, ceu com acento, a fêmea do boi, o animal de grandes orelhas mais pequeno que o cavalo, etc…. Provavelmente haverá outras, mas para quem comenta o ninho de cegonhas pretas é um pouco estranho não poder usar algumas destas. Penso que os comentários são depois publicados, mas como isso acontece mais tarde não adiantam em nada a conversa

Teresa (Oeiras. 01.08)



2. Comentário apagado

Gostava de saber se existe algum tipo de censura neste jornal, uma vez que leio comentários ordinários por todo o lado e o meu foi apagado minutos após ter sido publicado. Parece-me estranho.

Luís Bule (04.08)

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