Regras académicas e regras jornalísticas



(Crónica da edição de 2 de Maio de 2010)

No domingo passado analisei a queixa de um leitor que protestava contra a notícia intitulada “Professora acusada de plágio na tese de doutoramento” (edição de 23 de Abril), na qual se identificava a alegada plagiadora e se referia que o caso fora comunicado às autoridades académicas. Essa notícia não citava fontes e ilustrava a acusação (que veio depois a saber-se ter sido formulada em carta anónima) com a grande semelhança entre uma frase do trabalho apresentado pela doutorada em questão na Universidade do Minho (UM) e uma outra colhida na tese de doutoramento defendida anos antes por um académico brasileiro.

Escrevi na altura que me faltavam ainda informações para apreciar “de forma detalhada e conclusiva” o protesto recebido, mas adiantei que os dados já disponíveis me levavam a concordar com o leitor, para quem o conteúdo da notícia não deveria ter autorizado a identificação da professora.

Estou agora em condições de prosseguir a análise do caso. Mas gostaria de começar por referir que a viva discussão gerada por essa notícia na área de comentários da edição electrónica do PÚBLICO não se limitava à crítica de alguns leitores ao que viram como um desvio às normas do bom jornalismo. Um número muito significativo desses comentários sustentava que o plágio em provas académicas é uma prática banalizada, senão consentida, no ensino superior português.

Se isto for verdade (e é de interesse público que venha a saber-se se é ou não, e em que escala) é muito grave. Numa sociedade em que se acumulam sinais do que alguns vão designando por “falência ética”, vir a saber-se que a fraude prospera em instituições nas quais, talvez mais do que em quaisquer outras, se deve esperar que prevaleçam a probidade intelectual e o reconhecimento do mérito, seria motivo para temer que o “chico-espertismo”, assim instalado nas elites supostamente educadas, possa de facto corroer as esperanças de desenvolvimento do país.

Por isso, e antes de regressar à análise da peça jornalística criticada, quero dar testemunho de que consultei e comparei as duas teses de doutoramento citadas na notícia, e ainda uma terceira, mais antiga, de autor finlandês e acessível na Internet, que pelo menos um outro órgão de informação (o ciberjornal JornalismoPortoNet, da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto) referira ter sido também alegadamente plagiada na tese aprovada na UM. Faltando-me qualificações para emitir juízos definitivos sobre o caso ou antecipar os resultados da investigação académica em curso, posso ainda assim afiançar aos leitores interessados neste tema que ficaria muito surpreendido se essa investigação não concluísse de forma desfavorável à autora do trabalho apresentado na universidade minhota. E mais me surpreenderia se, cumpridas as regras do processo, não houvesse uma decisão célere.

Posso também responder às perguntas colocadas pelos leitores que, assumindo desconhecer os documentos que também desconhecia mas entretanto cotejei, consideraram que a notícia do PÚBLICO não era concludente (e de facto não era) sobre o alegado plágio. Ao leitor que fez questão de distinguir entre “uma frase plagiada” e “uma tese plagiada”, o que corresponderia à “diferença entre um grão de areia e uma praia”, posso dizer que é na direcção da praia, e de uma grande praia, que nos leva a leitura dos textos. Aos que perguntaram se é certo que a tese brasileira é anterior à portuguesa, posso afirmar que sim. Aos que quiseram saber se o trabalho do investigador brasileiro aparece nas referências bibliográficas da tese sob suspeita, posso responder que não (embora seja referido um texto mais antigo do mesmo autor, o mesmo se passando com o académico finlandês referido). A quem perguntou se a estrutura da tese brasileira é semelhante, direi que, no que respeita a boa parte da tese portuguesa, falar de semelhança estrutural será um eufemismo.

Feita esta digressão para não fugir à substância do caso noticiado, convirá recordar que este está ainda em investigação e não são conhecidas explicações — da autora acusada ou outras — que possam eventualmente levar a conclusões diferentes das que resultam da impressão causada pela leitura dos textos. Mas, perguntar-se-á, não resulta deste exercício de pesquisa que a notícia inicial do PÚBLICO era afinal perfeitamente legítima e correcta?

Não, não resulta. Como escrevi há uma semana, a notícia de 23/4 não citava fontes, não fornecia dados suficientes sobre o alegado plágio, não referia que na origem do caso estava uma denúncia anónima, não ouvia as partes envolvidas — mas identificava a professora e o seu pai, ex-docente da UM. Ou seja, contribuía activamente para pôr em causa o bom-nome de duas pessoas sem apresentar razões legítimas para o fazer.

Não é por acaso que das normas de conduta profissional da redacção deste jornal, plasmadas no seu Livro de Estilo, consta o seguinte: “A honra, a dignidade e a reputação de pessoas individuais e colectivas devem ser escrupulosamente respeitadas nas páginas do PÚBLICO. Todos os temas que envolvam aspectos desta natureza reclamam previamente uma investigação própria muito cuidada, prudente e imparcial. O PÚBLICO só deve trazer para as suas páginas, com nome e fotografias, os casos que tenham sido investigados concludentemente”. É evidente que, à data da primeira notícia, o jornal não tinha feito, neste caso, uma investigação cuidada ou concludente. Nem a fez até agora.

Não deveria, por isso, ter dado a conhecer a identidade (e local de trabalho) da professora visada. Nem a do seu pai, do qual se escreveu já ter sido “acusado de favorecimento à filha” — matéria sobre a qual o autor da peça me informou não conhecer qualquer acusação formal, notando apenas que, à época da nomeação daquela para funções docentes num instituto politécnico, terão corrido no meio “críticas” nesse sentido. Ou seja, havia rumores. Ora os rumores podem ou não ser verdadeiros. É por isso que não devem ser publicados; devem ser investigados, quando se justifica.

O erro da identificação é reconhecido pelo autor da notícia, Samuel Silva (foi “uma decisão mal reflectida”), e pelo editor por quem passou a peça, Raposo Antunes (“foi um lamentável erro”). Seguindo o circuito de validação e edição das notícias utilizado no PÚBLICO, tal como me foi descrito pelo director-adjunto Miguel Gaspar, a peça terá ainda passado, sem alteração, pelo crivo do editor-executivo responsável pelo fecho do jornal. “O director de fecho, que no caso era eu próprio, não acompanha todas as notícias e concentra-se nas mais relevantes, o que não o iliba de partilhar as responsabilidades nos erros já reconhecidos” neste caso, diz o director-adjunto, para concluir: “Os erros acontecem, e mesmo que possamos invocar a pressão do fecho ou outros factores, a única resposta que podemos dar é não os repetir”.

Mas deveria a notícia ter sido publicada, desde que se rasurasse a identificação da doutorada? Na minha opinião, não. Não naqueles termos e naquele dia. Não, tendo por base uma denúncia anónima, que pressupõe frequentemente a ocultação de um interesse e representa quase sempre um acto de cobardia cívica (e recordo que só no dia seguinte foi possível apurar que a Universidade recebera essa denúncia e decidira investigá-la). Não, quando ainda não fora apurada a dimensão da alegada fraude, para ser possível avaliar o interesse público do caso. Esta opinião não é alterada pela pesquisa que eu próprio fiz e de que aqui dei conta. A meu ver, houve precipitação onde deveria ter havido uma investigação cuidada, que provavelmente teria conduzido a uma informação relevante, cuja credibilidade seria difícil contestar.

Este tipo de precipitação é uma tentação frequente. Resulta basicamente da pressão concorrencial entre profissionais e da competição comercial entre órgãos de informação. Decorre de motivos compreensíveis e muitas vezes louváveis — que neste caso são expressamente invocados pelos jornalistas envolvidos na publicação da notícia, cujas explicações poderão ser consultadas em http://blogs.publico.pt/provedor —, mas que não devem servir para contornar as boas regras do ofício. Um dos pontos que distingue um jornal de referência é a prevalência da defesa da credibilidade sobre a legítima preocupação pela notícia “em primeira mão”.

Seja qual for a verdade que venha a ser apurada neste caso pelas autoridades académicas — e o PÚBLICO tem agora o dever redobrado de o acompanhar —, as reacções que ele já suscitou indicam que seria do interesse público um escrutínio rigoroso dos procedimentos de validação de provas académicas na era da Internet, que permita, se for o caso, separar o trigo do joio. Nas palavras de Miguel Gaspar: “Essa investigação seria pertinente e alargaria o âmbito de um caso que foi noticiado de forma isolada, sem um contexto mais geral. Não sabemos quantos casos são detectados ou investigados por ano, que casos existem de teses que tenham sido rejeitadas por este motivo ou que mecanismos de defesa as universidades podem ter para os evitar.”

Um título com duas leituras

Na passada quarta-feira, o Destaque do jornal tinha por título “Corte do rating português causa vendaval nos mercados e aproxima o país da Grécia”. O leitor João Minnemann achou mal, considerando a frase “manipulativa”. Argumento: “O corte do rating grego (de BBB+ par BB+, portanto 3 níveis) é que levou ao descalabro. E como o corte foi de 3 níveis e o de Portugal foi só de 2 níveis (de A+ para A-) isto não aproxima Portugal da Grécia, mas sim pelo contrário, distancia a Grécia de Portugal”.

O jornalista Sérgio Aníbal, um dos autores da peça, concorda que “o leitor tem razão quando assinala que o rating grego também foi cortado”, informação que aliás está no texto, e aceita que “o título pode ser enganador nesse aspecto, não transmitindo a ideia de que a Grécia passou de uma situação péssima para uma ainda pior”.

Mas explica a opção: “Quando, no título, escrevemos que Portugal se aproxima da Grécia, pretendíamos transmitir a ideia de que Portugal nesse dia tinha ficado mais próximo de uma situação em que a pressão dos mercados é de tal forma forte que o recurso a uma ajuda internacional se pode tornar na única solução. É essa a situação da Grécia e é isso que Portugal tem estado a tentar evitar. Nesse dia, com a descida do rating e, principalmente, com a subida muito forte das taxas de juro, Portugal aproximou-se perigosamente de uma conjuntura semelhante à grega. Essa era a ideia forte do dia e quisemos transmiti-la aos leitores no título”. Aqui fica a explicação, que me parece clara.

José Queirós

Documentação complementar



A crónica referente à notícia intitulada “Professora acusada de plágio na tese de doutoramento” (edição de 23 de Abril), publicada a 25 de Abril, foi suscitada principalmente por mensagens que recebi do leitor Bruno Alves, e deu origem a numerosos comentários na edição on line do PÚBLICO. Já depois da sua publicação, dirigi algumas perguntas ao jornalista Samuel Silva, autor da notícia, ao editor Raposo Antunes, da redacção do Porto, e à direcção do PÚBLICO, e recebi os esclarecimentos solicitados. Seguem-se excertos de todas essas mensagens.

Primeira mensagem do leitor Bruno Alves

Este artigo [a notícia de 23 de Abril] é fraco, infundado e difamatório, nos termos em que foi apresentado (venha ou não a verificar-se ser verdade o que alega). Transcrevo alguns comentários [surgidos na edição on line] (…) Quem plagiou quem? Gostava de saber mais. Quem orientou a tese? O trabalho do doutorado de Santa Catarina aparece na bibliografia? Quando se apropria das ideias dessa tese identifica onde e a quem foi buscar? (nesse caso não seria plágio). Há alguma hipótese de ter sido ao contrário? Ela ter demorado muitos anos a defender a tese e ter sido o doutorado de Santa Catarina a apropriar-se? Esta história está muito mal contada. (…). Concordo que copiar uma frase, numa tese, sem referência, é plágio. Mas não é uma tese plagiada, é uma frase plagiada. Bem diferente. É a diferença entre um grão de areia e uma praia. O artigo, escrito com as bases com que o foi, é injusto e mau jornalismo (se a senhora é pior ou não, não faço ideia). (…) O artigo diz logo de início que o trabalho de doutoramento “terá sido copiado parcialmente”, não diz se muito, se pouco. (…) É um juízo pessoal [do jornalista]? Leu as teses? Se não as leu ou não faz juízo pessoal e retira a frase que escreveu, ou refere quem o disse, ou cita — com honestidade — fontes credíveis que o tenham dito (mesmo que as proteja, não dizendo nome). (…) O nome da senhora não podia ter sido divulgado já, antes de haver mais bases. Imaginem que é mentira ou que é equívoco. Imaginem que a queixa foi feita por alguém com conflitos com a autora, ou que não leu as teses com atenção. Imaginem que a outra tese é citada. Este artigo pode ter arruinado a vida académica da autora (e provocado danos sérios na sua vida pessoal e familiar). (…) E se o Público estiver errado? (…)

Bruno P. Alves

Segunda mensagem do mesmo leitor

(…) A notícia do Público da manhã foi feita com base numa queixa anónima, sem o dizerem, passando a imagem de que havia algo de substantivo. A Lusa não identificou a senhora. (…) O Público esteve mal e deveria pedir desculpa aos leitores (…).

B.A.





Alguns comentários à notícia de 23 de Abril



“Vimos a constatar pela notícia da Lusa que tudo isto não passa de uma queixa anónima. A Lusa — com decência — não diz o nome da docente até que a queixa anónima se confirme ter fundamento. O Público, numa demonstração de uma tentação difamatória e sensacionalista que não lhe conhecia, faz uma notícia destas em que identifica a senhora, sem indicar quem diz que as teses são plagiadas, sem dizer se ela cita a tese plagiada, sem as ler ou referir algo mais do que uma frase (…).

Vera Cruz (Sintra)

O Público (…) enxovalha a professora com base numa carta anónima. Amanhã seremos nós, cidadãos comuns, a ver o nome esfrangalhado num jornal, com acusações difamatórias (…).

Lúcio Mendes



Elaborar uma tese dá muito trabalho, exige muito esforço e a tentação do facilitismo com a Internet ao alcance dos dedos pode ser irresistível. Por lei as dezenas de universidades públicas do Brasil devem disponibilizar tudo que é produzido por elas (…). Já existem softwares especializados em vasculhar a web para desmascarar os copiadores (…).

Nuno Alves (Reino Unido)

Os estudantes universitários e dos politécnicos, no actual sistema de Bolonha, andam numa correria e acabam por fazer as coisas à pressa, mal feitas e sem prazer. Sou professor do ensino superior e o que mais acontece são trabalhos plagiados de alunos de outros anos, bem como trabalhos plagiados de sites brasileiros. Os alunos inclusive deixam passar palavras escritas em português do Brasil… É o verdadeiro copy and paste! (…) Um país sem educação é um país falido, e para lá caminhamos, meus senhores!

Pedro Fidalgo (Lisboa)

Regras deontológicas para uma tese de doutoramento: 1) Na introdução ou prefácio devem explicitar-se aqueles aspectos que representam o contributo do seu autor á investigação, demarcando-se assim o grau de originalidade da investigação. 2) Se não houver de todo originalidade alguma na investigação, tratar-se-á então de uma análise crítica com base num apanhado dos resultados obtidos por outros investigadores. Nesse caso, tal deve ser explicitamente assumido no prefácio ou introdução da tese. 3) O corpo do texto deve estar sustentado no trabalho dos outros investigadores, fazendo-se referência aos mesmos na bibliografia consultada. Uma lista de todos os trabalhos consultados deve ser incluída na tese (óbvio). Nunca apresentar como da própria autoria o trabalho produzido por outros (plágio). Por outro lado, raramente ou excepcionalmente uma investigação é completamente original. 4) Não se deve abusar das citações. Estas devem ser sóbrias e entre aspas. 5) O texto deve ser completamente reformulado, o que só será possível se houver essa componente de análise crítica. Com estas condições tratar-se-á de uma tese válida para o doutoramento, se for esse o critério da respectiva Universidade. Mas seja dito: copianço é prática comum.

Manuel Olivares (Massamá)





Respostas do jornalista Samuel Silva a perguntas que lhe foram dirigidas



P.- Por que é que se identificou a “professora acusada” de um alegado plágio, numa notícia que não é concludente sobre essa acusação, e na qual não são citadas fontes, académicas ou outras, nem é ouvida a “acusada”?



R. – A identificação da pessoa em causa foi uma decisão mal reflectida, que configura um erro, situação que lamento. As informações chegaram a meio da tarde e os contactos posteriores permitiram perceber que vários outros órgãos de comunicação estavam também a acompanhar a história. Esse facto precipitou, de algum modo, a produção da notícia. Uma vez que ambas as teses se encontram disponíveis on-line, pude também perceber semelhanças entre ambas que pareciam confirmar a acusação. Os contactos feitos com a universidade e o politécnico permitiram perceber que o caso estava já a ser investigado por ambos, o que motivava a notícia.

Foram feitas várias tentativas de falar com a acusada (…), que não respondeu aos contactos feitos por telefone e correio electrónico.

P. – Por que é que se identificou o pai da dita professora, do qual se escreveu que “já tinha sido acusado de favorecimento à filha”, sem que se explique quem e porquê o acusou, qual foi a acusação e se tinha ou não fundamento?



R. – Entendi, nesse momento, ser essa informação relevante, uma vez que a pessoa em causa era um elemento da história que permitia fazer a ligação entre as duas instituições de ensino e a própria acusada.



P.Essa referência tem por base alguma acusação formal (e eventual investigação e decisão) ou outros dados que a credibilizem, que sejam do seu conhecimento?

R. – Tanto quanto sei não houve acusação formal ao pai da professora em causa. O que houve, à época, foram críticas no seio do IPP à nomeação da filha como professora adjunta, referência que foi recorrente entre as fontes contactadas.

P.- Por que é que não foi feita qualquer referência a fonte(s) da notícia?

R. – (…) As duas teses estão disponíveis on-line e é com base nestas referências que é feita uma citação de uma e outra, a título de exemplo.

P. Por que é que essa primeira notícia não refere o facto de a acusação ter origem numa carta anónima?



R. – No momento da produção da primeira notícia não tinha ainda conhecimento da forma como a questão tinha sido levantada junto das duas instituições de ensino superior. Percebi que tinham recebido uma carta anónima apenas na manhã do dia seguinte, algo que foi reportado na notícia seguinte.



P.Fui informado de que o PÚBLICO recebeu um e-mail com o conteúdo da carta, que este lhe foi reencaminhado, e que conseguiu depois ter acesso a uma cópia em papel. Não era possível concluir, quer pelo e-mail, quer pela cópia da carta, que se tratava de uma denúncia anónima? E, a ter sido possível, não seria um elemento relevante para a primeira notícia?



R. – A denúncia junto dos órgãos de comunicação social foi feita anonimamente. Mas o trabalho publicado não se baseou apenas nessa denúncia. A possibilidade de ter acesso às teses e os contactos feitos com fontes das duas instituições permitiram perceber outros contornos deste caso. Foi com base nesses que escrevi as duas peças.



P.Teve acesso à tese em causa, bem como àquela de que se diz ter sido plagiada? Se assim foi, encontrou, para além da frase que cita (do resumo da tese) outros indícios de plágio?

R. – A tese eventualmente plagiada está acessível on-line. A tese da professora acusada está parcialmente disponível também na internet. Outros jornais publicaram nesse dia vários exemplos de parágrafos semelhantes entre uma e outras teses, além daquele escolhido por mim.

Não foi, naquele momento, minha intenção ser árbitro daquele conflito. Pareceu-me que a notícia seria o facto de a acusação existir e estar sob investigação das duas universidades. Ainda assim, pude comprovar semelhanças como a que citei ou outras que, como disse anteriormente, foram também citadas por outros jornais. Podia apontar ainda o facto de as duas teses terem o mesmo número de páginas nos capítulos alegadamente plagiados (até à página 121), mas como podia tratar-se de uma coincidência e, não estando eu em condições naquela altura de o dirimir, optei por não utilizar essa referência na notícia.

Aliás, a denúncia inicial que chegou aos jornais tinha outras acusações que, obviamente, não reproduzimos, por carecerem de confirmação.

P.Ouviu algum especialista do foro académico que pudesse apreciar a credibilidade da acusação?



R. – Não. Os contactos feitos foram no sentido de perceber se as duas instituições de Ensino Superior estavam a investigar o caso, o que foi confirmado.



P. – Fez qualquer outra diligência relevante para apurar os factos?

R. – Foram contactadas formalmente as duas instituições de ensino superior. Foram feitas várias tentativas de contacto, quer por telefone quer por correio electrónico, com a professora acusada. Foram ainda feitos contactos informais com professores e funcionários das duas instituições, que permitiram perceber que esta era uma história que circulava abertamente nos dois “campi” e que tinha motivado alguma agitação nos dias anteriores.

P.- Como pensa que deve continuar a ser acompanhado este caso: apenas esperando e divulgando os resultados do inquérito académico em curso, ou prosseguindo uma investigação jornalística autónoma?



R. – (…) Dada a pertinência da temática, parece-me que o assunto deve continuar a merecer a minha atenção (…). Nesse sentido, contactei já a vítima do possível plágio e estou a aguardar também respostas de investigadores que possam avaliar uma e outra tese e, com melhores conhecimentos do que eu, ter uma posição sobre o tema. Além disso, mantenho contacto permanente com a Universidade do Minho para estar a par de possíveis resultados da investigação em curso.

Respostas do editor Raposo Antunes a perguntas que lhe foram dirigidas



P. – Por que é que se identificou a “professora acusada” de um alegado plágio, numa notícia que não é concludente sobre essa acusação, e na qual não são citadas fontes, académicas ou outras, nem é ouvida a “acusada”?

R. – A identificação da professora foi um lamentável erro do editor, no caso eu próprio, que nem a pressão das horas do fecho da edição nem o cansaço podem justificar. (…) A história relatada pelo jornalista Samuel Silva, nosso colaborador no distrito de Braga, não é propriamente uma notícia de agenda, da qual o editor tivesse um conhecimento prévio. A meio da tarde, o jornalista Samuel Silva teve conhecimento do alegado caso de plágio e que ele estava a criar alguma perturbação na Universidade do Minho. Deu também conta que diversos órgãos de comunicação social também estavam a tratar da mesma história. De resto, ela foi também publicada na mesma sexta-feira por outros órgãos de comunicação social. O jornalista Samuel Silva tentou falar com a Universidade do Minho, com o Instituto Politécnico e com a autora da tese de doutoramento, mas sem sucesso. Teve, no entanto, acesso através da Internet quer à tese da professora do IPP quer à tese que teria sido supostamente plagiada. E foi com base nesse trabalho que elaborou a notícia. Lamentavelmente não foi omitido o nome da professora nem eliminada a referência ao alegado caso de favorecimento por parte do pai.

P.Por que é que não foi feita qualquer referência a fonte(s) da notícia?



R. – A notícia parte de uma carta anónima que remete para as duas teses de doutoramento que o jornalista consultou e a partir das quais elaborou o texto.



P.Por que é que a segunda peça (de 24/4) traz já a referência ao facto de a notícia ter tido origem numa carta anónima e não repete a identificação da professora? Significa isso que o jornal considerou erradas essa referência e essa omissão na primeira notícia, e quis corrigi-las? E, se tiver sido esse o caso, por que é que não se deu uma explicação aos leitores?



R. – Sim em relação às duas primeira perguntas, no que ao editor diz respeito. Penso que a explicação aos leitores é já uma matéria que transcende o editor.

P. – Tenciona o PÚBLICO continuar a acompanhar este tema? É conhecido algum desenvolvimento das averiguações sobre o caso na UM e IPP? É conhecida alguma posição da vítima do alegado plágio?



R. – Sim. Ainda não é conhecido nenhum desenvolvimento. Não.

Resposta do director adjunto Miguel Gaspar a perguntas que lhe foram dirigidas

P.É possível dar uma breve explicação sobre como funciona o circuito de validação/edição duma notícia como esta? Que olhos a vêem antes de ser publicada, seja na edição em papel, seja na edição electrónica?



R. – O circuito de validação tem três patamares: o primeiro é o do editor, o segundo o do editor executivo e o terceiro o da direcção, que intervém de forma diversa em diferentes momentos, conforme os casos. Neste, a decisão de investigar a notícia, que é conhecida a meio do dia, bem como de a publicar parte do editor, na redacção Norte. Há circunstâncias em que uma notícia é acompanhada e/ou parte da iniciativa da direcção ou dos editores executivos, mas este não foi o caso. Depois de vista pelo editor, a notícia é vista ainda pelo editor executivo responsável pelo fecho, que aprova todas as páginas da edição. Posteriormente, é vista pelos copy-desk, que não intervém a nível editorial. O director de fecho, que no caso era eu próprio, não acompanha todas as notícias e concentra-se nas mais relevantes, o que não o iliba de partilhar as responsabilidades nos erros já reconhecidos pelo editor e pelo autor da notícia. Os erros acontecem e, mesmo que possamos invocar a pressão do fecho ou outros factores, a única resposta que podemos dar é não os repetir.

P.Independentemente do que venha a apurar-se neste caso, creio estar há muito instalada a suspeita de que há autores de teses académicas que recorrem ao plágio através da Internet. Creio também que não é geralmente conhecida a existência de investigações académicas a este respeito e dos seus resultados. Não deveria o PÚBLICO, que levantou este caso, abalançar-se a uma investigação jornalística sobre o tema?



R. – Essa investigação seria pertinente e alargaria o âmbito de um caso que foi noticiado de forma isolada, sem um contexto mais geral. Não sabemos quantos casos são detectados ou investigados por ano, que casos existem de teses que tenham sido rejeitadas por este motivo ou que mecanismos de defesa as universidades podem ter para os evitar. No caso presente, não está provado que tenha existido plágio, há apenas uma investigação nesse sentido. A noticiabilidade de uma matéria como esta decorre também de sabermos se esta investigação é ou não excepcional e, no geral, seria interessante saber se já houve casos de teses que foram consideradas particularmente relevantes do ponto de vista científico que tenham sido identificadas como casos de plágio.

Mais documentação complementar

Carta de um leitor sobre o título do Destaque de 28 de Abril



(… ) Acho o título da página 4 [“Corte do rating português causa vendaval nos mercados e aproxima o país da Grécia”] totalmente manipulativo (…). O corte do rating grego (de BBB+ par BB+, portanto 3 níveis) é que levou ao descalabro. E como o corte foi de 3 níveis e o de Portugal foi só de 2 níveis (de A+ para A-) ista não aproxima Portugal da Grécia, mas sim pelo contrário, distancia a Grécia de Portugal. Aliás como se pode ver bem no gráfico com os “spreads” , que termina na página 5.

Subtítulo: “e na bolsa há ordem para vender tudo”. Provavelmente nas bolsas de acções. E nos mercado obrigacionistas? Não terão as quedas sido muito maiores? As contas são simples. Se a rentabilidade de uma obrigação a 10 anos sobe 0,5% (50 pontos base) então este movimento corresponde a uma queda do preço (valor actual líquido) de 5%. Se se adicionar a este efeito os juros sobre juros, então a queda ainda é mais relevante. Mas como os mercados obrigacionistas não tem bolsas na verdadeira acepção da palavra, não se fala deles. Apesar do volume transaccionado nesses mercados serem múltiplos dos mercados de acções. Basta um comparação dos volumes transaccionados em Treasuries (para já não falar dos outros tipos de obrigações americanas) e nos mercados americanos de acções para se chegar facilmente a essa conclusão. Lamento não poder provar estas afirmações com números, mas infelizmente, depois de ter trabalhado durante mais de onze anos em mercados obrigacionistas em Londres e em Frankfurt, penso que não devo andar muito longe da verdade (…).

João A. Minnemann

Resposta do jornalista Sérgio Aníbal

Quando, no título, escrevemos que Portugal se aproxima da Grécia, pretendíamos transmitir a ideia de que Portugal nesse dia tinha ficado mais próximo de uma situação em que a pressão dos mercados é de tal forma forte que o recurso a uma ajuda internacional se pode tornar na única solução. É essa a situação da Grécia e é isso que Portugal tem estado a tentar evitar. Nesse dia, com a descida do rating e, principalmente, com a subida muito forte das taxas de juro, Portugal aproximou-se perigosamente de uma conjuntura semelhante à grega. Essa era a ideia forte do dia e quisemos transmiti-la aos leitores no título.

O leitor tem razão quando assinala que o rating grego também foi cortado e as taxas de juro também subiram, fazendo a Grécia afundar-se ainda mais. Essa informação está presente no texto. Reconheço que o título pode ser enganador nesse aspecto, não transmitindo a ideia de que a Grécia passou de uma situação péssima para uma ainda pior. Não tínhamos, é claro, qualquer intenção de manipular ninguém.

Em relação ao subtítulo, não compreendo a questão colocada pelo leitor, uma vez que no texto nós damos conta, de forma ainda mais destacada, dos movimentos muito negativos nos mercados de obrigações, assinalando a subida de taxas de juro que se verificou tanto nas obrigações portuguesas como gregas.

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