O jornalista britânico John Carlin, que recebeu, no ano 2000, em Espanha, o Prémio Ortega y Gasset pelo melhor trabalho de investigação ou reportagem e que é o autor de O factor humano, livro em que se inspira o filme Invictus, de Clint Eastwood, tem publicado no El País, a propósito do encerramento do jornal inglês, textos muito instrutivos sobre o caso News of the World, a imprensa tablóide e a “elitista” e as preferências dos leitores.
Contava ele, em “La venganza de los serios” (El País. 14/7/2011), que, durante os doze anos em que trabalhou no The Independent, “um dos diários ingleses que não paga para conseguir informação”, houve um período em que o jornal tinha os mesmos donos que o The Mirror, um tablóide que pagava notícias. O patrão chamava-se Kelvin MacKenzie, um ex-director do The Sun, outro tablóide. Em teoria, acrescenta John Carlin, “MacKenzie estava ali para ajudar a que o The Independent vendesse mais exemplares e ultrapassasse os seus eternos problemas económicos. A realidade era que ele nos desdenhava e lhe importava pouco o que nos pudesse ocorrer”.
John Carlin explica que Kelvin MacKenzie manifestava publicamente a sua desconsideração quando encontrava algum jornalista do The Independent num corredor ou no elevador. “Escrevíamos artigos impenetravelmente longos (mais de dez parágrafos para um tablóide é Guerra e paz), utilizando palavras e frases de difícil compreensão para as massas, sobre conflitos e injustiças em lugares absurdamente remotos e irrelevantes como o Ruanda, os Balcãs ou a Guatemala. E quem os lia? Bom, talvez tivéssemos 300 mil leitores por aquela altura, mas isso era uma triste fracção do que vendiam The Sun e The Mirror. Sim, sim, julgávamo-nos tão inteligentes, com os nossos títulos universitários de Oxford e Cambridge e os nossos matizados argumentos, mas o que o grande público queria era simplicíssimo – gerar polémicas onde não as havia – e histórias escandalosas de famosos e fotos de mulheres com os peitos a descoberto”. Perante o gosto das massas, Kelvin MacKenzie não tinha dúvidas. “Não havia nada a fazer, opinava MacKenzie”. E quem assim não pensava, escreve Carlin, era acusado de representar uma cultura elitista “e – quase, quase – obsoleta”.
Os jornalistas da cultura tablóide, explicava o jornalista britânico num outro artigo “Fresas con nata” (El País. 9/8/2011), “são lobos da informação que operam num contexto em que a única lei reinante é a da selva”. John Carlin considera que eles “utilizam todos os métodos à sua disposição com o fim único e exclusivo de obter, o mais rapidamente possível, informação que venda, e a que mais vende é quase sempre a que está relacionada com o sexo, o denominador comum universal, e particularmente com as vidas sexuais dos famosos; ou com casos criminais que despertam o interesse de toda a nação, como o de Madeleine McCann, a menina desaparecida há quatro anos numa estância balnear portuguesa”.
Depois de contar um episódio em que ele próprio, anos antes de ser jornalista, vendeu uma informação a um tablóide (o preço dos morangos com natas vendidos em Wimbledon durante o campeonato de ténis), John Carlin confessa que cedo percebeu aquilo que seria a raiz do escândalo que tem estado a sacudir a imprensa inglesa e cujo desenlace foi a extraordinária decisão do magnate Rupert Murdoch de fechar o News of the World, “tablóide sensacionalista por excelência”. Do que se trata é que, “para vender gigantescas quantidades de jornais, para conseguir as histórias mais suculentas, de maior interesse para o maior número de pessoas, não havia outro remédio senão recorrer à antiga prática conhecida em Inglaterra como jornalismo de livro de cheques”.