Com os olhos (e o coração) no céu

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Um livro que é uma homenagem a uma educadora que partiu demasiado cedo e uma ajuda para as crianças lidarem com a perda. Para os outros, também.

“Foi quando vi os balões impelidos pelo vento na minha direcção que percebi. Eu tinha estado doente, sentira-me fraca e cansada, cada vez mais fraca, até ao momento em que perdi a consciência do tempo e do espaço e fiquei ali, quieta, num lugar estranho e vazio e silencioso.” Assim começa este livro, que pretende devolver-nos a voz de Helena Marques, Lena, educadora e animadora de ATL da Associação de Pais e Amigos das Escolas de Linhaceira (Tomar).

Vítima de síndrome de Evans, uma doença rara auto-imune, Lena morreu cedo. “Uma centena de balões brancos, com mensagens das crianças com que trabalhava, foram lançados por estas no recreio do ATL, em sua homenagem, dias depois”, faz-nos saber quem edita o livro, a Associação de Ideias para a Cultura e Cidadania e Associação de Pais e Amigos das Escolas de Linhaceira. Lena faria 50 anos no próximo dia 1 de Junho, terça-feira. Curiosamente, Dia da Criança. Foi essa a data escolhida para o lançamento do livro, às 21h, no Pavilhão Multiusos de Linhaceira.

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O autor, Nuno Garcia Lopes, companheiro de Lena durante 25 anos e de quem tem duas filhas, Mariana e Catarina, conta ao PÚBLICO: “Os Balões Que me Ensinaram a Voar surgiu de modo muito evidente no dia em que, ao voltar do cemitério e olhar para o céu tive uma espécie de ‘epifania’. Tinham-se passado algumas semanas desde a morte da Lena e foi a primeira vez que chorei, de alívio e alegria, ao descobrir numa nuvem que decorava o azul a forma de a homenagear, o enredo geral do livro e a maneira como ela ia continuar a ‘comunicar’ comigo. A partir daí, sempre que tenho uma dúvida ou preciso que ela me ‘diga’ alguma coisa, olho para o céu.

Foi assim que o escritor de títulos como Lua do Mar (ilustrações de Mafalda Milhões) e Livros de Dar Volta à Cabeça (ilustrado por Luís Prina) entendeu qual seria “o caminho da escrita”, conta. “De tal modo que o título surgiu precocemente. A largada dos balões pelas crianças com que trabalhava tinha sido um momento muito bonito e emotivo. Estava ali a chave.”

Ao começar a preparação do livro, foi ter com a designer Sylvie Lopes (os apelidos repetidos são um acaso), que lhe sugeriu a ilustradora Sara Brito. “Convidei-as a visitar a Linhaceira, a conhecerem o espaço escolar e de ATL onde o enredo se centrava, a contactarem com os vestígios da presença da Lena e os objectos que fazia”, descreve. E acrescenta: “Começámos uma profícua amizade, criando laços que alicerçam o edifício comum do nosso labor. E os resultados foram surgindo, a começar pela decisão de fazer deste livro um objecto incomum: sem lombada, num formato pouco corriqueiro, com as imagens a rodarem a determinado momento.”

O risco de cair na lamechice

O autor receou criar um livro “com uma marca pessoal tão intensa”, admite. “Seria muito fácil cair na lamechice e deitar tudo a perder. Quis evitá-lo, de modo a que fosse digno daquela que queria homenagear. E, ao mesmo tempo, escrever uma história que ajudasse as dezenas de crianças de que ela cuidava, as minhas filhas, todos os seus amigos, a lidarem com a perda. Mas também todos os leitores (e não só os mais novos) que tenham passado por essa situação, bem como os que inevitavelmente vão passar por ela no futuro.” Conseguiu.

Nuno Garcia Lopes dá-nos conta ainda de que tinham publicado no dia do casamento de ambos o livro de poemas O Sonolento Hábito das Casas (poesia dele, fotografias dela).

Um objecto gráfico diferente e atraente

Se a história de os Os Balões Que me Ensinaram a Voar já é terna e comovente por si só, ao conhecer-se a sua génese e motivação, fica-se ainda mais envolvido. Foi o que aconteceu com a ilustradora, Sara Brito, que nos disse, via email: “Ilustrar este livro foi uma lição de vida, também para mim, acerca da perda e de como lidar com ela. Tive o privilégio de ilustrar uma história muito especial que me transportou para o ‘mundo das nuvens’.”

O papel de Sylvie Lopes, no design do livro, com capa serigrafada e lombada de costura à vista, foi fundamental para que se criasse um objecto gráfico diferente e atraente.

Depois deste trabalho, a ilustradora, Sara Brito, nunca mais olhou para o céu da mesma maneira. “Tornou-se bem mais bonito e especial e, sempre que tenho oportunidade, perco uns minutos a contemplar as nuvens e a imaginação ganha asas! É uma sensação incrível.”

Licenciada em Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes e actualmente a trabalhar para a agência BY, Sara Brito usou a aplicação de ilustração digital Procreate para um livro que lhe relembrou que “as coisas mais simples são de facto as mais importantes e que basta olharmos para o céu para voltar a sonhar”.

Será através do desenho das nuvens que a protagonista, Lena, comunicará com todas as crianças (e adultos) da sua vida. Curta, mas cheia. Por isso, Nuno Garcia Lopes diz-se “reconciliado com o universo”. E explica: “Feliz por ter tido o privilégio de partilhar a minha vida com alguém tão extraordinário que, mesmo na sua ausência, me continua a explicar como conviver com essa ausência.” Olhem para o céu.

Os Balões Que me Ensinaram a Voar
Texto: Nuno Garcia Lopes
Ilustração: Sara Brito
Design: Sylvie Lopes
Edição: Associação de Ideias para a Cultura e Cidadania e Associação de Pais e Amigos das Escolas de Linhaceira
32 págs.; 10€

Texto divulgado na edição do Público de 29 de Maio de 2021 e no site-satélite Ímpar.

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Na edição impressa, esta linda página foi desenhada por Ana Fidalgo. A parte de agenda é da responsabilidade de Cláudia Alpendre Marques e Sílvia Pereira. Obrigada a todas. (Parabéns, Helena.)

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