Toda a gente sabe isto. Ainda assim, convém por vezes recordá-lo: “amador” é aquele que ama o que faz. No desporto, um praticante amador não é mais do que aquele que retira da modalidade apenas o gozo de a praticar – e de ganhar e, por que não, de ver o adversário ser derrotado. O amadorismo é muitas vezes confundido com mediocridade, mas há provas cabais do contrário. O hurling é uma delas.
O hurling joga-se sobretudo na Irlanda, onde o futebol inglês (o soccer) não é de todo dominante, como acontece em Portugal e em muitos outros países. E é muito pouco conhecido fora da ilha: a prova é que, num grupo de jornalistas de França, Portugal, Alemanha, República Checa, Suécia, Rússia e Estados Unidos – alguns dos quais declaradamente fãs de desporto –, ninguém fazia ideia do que seria o hurling.
Em Tullamore, pequena cidade no centro do país onde simplesmente não se joga o nosso futebol, ficámos a saber do que se trata. E foi brutal: à hora de almoço, deram-nos a ver a All-Ireland Final de 2010, entre Kilkenny e Tipperary (vídeo abaixo), e conseguimos perceber como, num campo relvado de 145×90 metros (mais comprido que os maiores de futebol, que têm 120 metros), se processa o “mais rápido jogo disputado em relva”.
O hurling é uma hipnotizante mistura de velocidade, agressividade e técnica. A bola tem o tamanho de uma bola de hóquei e, tal como neste desporto que conhecemos bem – sobretudo o que se joga em cima de um par de patins –, há um taco na mão de cada de um dos 30 jogadores em campo. Seria de esperar que, dado o caos aparente típico do rugby, as lesões fossem abundantes – mas, fora alguns maxilares deslocados aqui e ali, tudo se passa com uma impressionante leveza.
Mais impressionante ainda é o comprometimento dos irlandeses com o hurling, que é nada mais nada menos que um desporto completamente amador (e completamente é para ser levado à letra). Um desporto em que a velha questão do “amor à camisola” ainda se coloca em toda a plenitude, dos jogadores, aos dirigentes, treinadores e, claro, aos adeptos. O All-Ireland é disputado por 13 equipas que representam os condados irlandeses, sendo os jogadores seleccionados entre os melhores das equipas locais. Ganhar é mais do que vencer um campeonato, é uma “honra”.
Este domingo (15h30), a All-Ireland Final volta ao renovado Croke Park, em Dublin – sim, o mesmo do “bloody Sunday” –, para que os lads (rapazes) de Galway, o centro criativo do país, e de Kilkenny, os que mais vezes ganharam a competição, disputem esse acto heróico que é ser campeão nacional de hurling. Não há melhor altura para entrar em contacto com este desporto que existe há, pelo menos, dois mil anos. E para avaliarem se entra nos parâmetros que habitualmente aplicamos aos amadores.
Adorei o artigo, gostei muito deste jogo até então desconhecido no meu universo, mas haverá algo mais irritante do que esta frase “futebol inglês (o soccer)”